Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Após o COP26 existe um grande risco para a opinião pública: desviar a atenção. Pensar sobre as alterações climáticas deixa de ser notícia até ao próximo evento ou catástrofe. Porém, não deixa de ser curioso que, por mais que pensemos em mudar os estilos de vida com iniciativas como a Plataforma de Acção Laudato Si’, há um domínio fundamental da acção humana que tem-se falado pouco: a educação.
No recente livro ”Saving Us” (não traduzido ainda) da climatóloga Katharine Hayhoe apercebi-me; de como as corporações que dominam o tecido económico são uma das grandes responsáveis pela crise ambiental. Mas essa análise não é nova. Já em 1999, um dos maiores eco-teólogos do século XX, o Pe. Thomas Berry, sacerdote Passionista, no seu livro ”The Great Work” (também não traduzido para português) referia que — «as corporações tomaram posse da consciência humana de modo a evocar as compulsões mais profundas na direcção do consumo ilimitado. Esta invasão da consciência humana trouxe efeitos que envenenam toda a vida moral e cultural da sociedade, assim como empobrece a Terra. Apesar disso, as corporações são tão básicas à vida contemporânea que o propósito central da educação actual (…) é preparar os jovens para trabalhos no interior do contexto corporativo.» Ao ler isto, abri os olhos.
Se pensar nas últimas vezes que falei aos meus alunos sobre a utilidade daquilo que estavam a aprender com a minha disciplina de Transmissão de Calor, a maior parte dos exemplos (senão quase a totalidade) referia-me a empresas, corporações. E quando penso em disciplinas no curso de Engenharia Mecânica como Motores Térmicos, reconheço a sua importância, mas não estaremos a formar para continuar a queimar combustíveis fósseis? É claro que corro o risco de fazer uma leitura demasiado simplista daquilo que uma disciplina representa no percurso formativo de um Engenheiro, mas questiono cada vez mais qual o papel da imaginação na aproximação da educação como resposta à crise ambiental. E não sou o único.
O antropólogo Peter Sutoris reflectia; no The Guardian como por mais tecnologia “limpa” que possamos desenvolver (e isso é excelente), o problema da narrativa que centra a solução dos problemas ambientais no desenvolvimento tecnológico está no enfoque em relação aos sintomas, não às causas. Para Sutoris, podemos corrigir os danos ambientais com a tecnologia, mas a tecnologia não corrige as atitudes mentais. Por isso afirma que «esta é uma crise da cultura e da política, não da ciência e da tecnologia. Acreditar que podemos inovar e conceber soluções que nos tirem deste sarilho é falhar a lição-chave do Antropoceno – a de que lidar com os processos à escala planetária apela à humildade, não à arrogância.» Uma humildade que deveríamos desenvolver começando por reconhecer que algo falta à educação se queremos ajudar as gerações futuras a superar os desafios ambientais que identificamos no presente.
Por todo o mundo, a educação continua a fornecer trabalhadores para o tecido económico com o intuito de aumentar a produtividade das corporações. A ideia é manter a máquina corporativa oleada, em vez de a questionar para a renovar a partir do seu interior. E aqui surge a dicotomia. As corporações que nos fornecem os bens e serviços que garantem a nossa sobrevivência e estilos de vidas, são as mesmas cujo modus operandi centrado no lucro coloca em causa a nossa sobrevivência pelos danos ambientais causados. Uma das soluções seria cultivar mais a imaginação na formação dos mais novos em vez de miná-la reduzindo a educação a instrução. As escolas e universidades deveriam formar os seus alunos estimulando que imaginem um mundo diferente do que o actual. Mas o problema não está só do lado das instituições que oferecem formação, mas também do lado de quem a recebe.
Recentemente, um aluno partilhou-me que não via qualquer utilidade na minha disciplina e essa era a razão principal por não conseguir passar nos exames. Com a falta de entusiasmo, até pode estudar muito, mas acaba por tirar pouco proveito disso. Comecei por dizer-lhe o habitual, isto é, que não sabemos o que iremos precisar de saber no futuro quando estivermos a trabalhar, e o que parece inútil hoje pode ser essencial amanhã. Porém, os seus olhos abriram-se apenas quando lhe disse — «mas sabes, qualquer disciplina, incluindo esta, faz parte da bagagem cultural do engenheiro» — e dei-lhe o exemplo de um CEO que conhecia de uma empresa na Figueira da Foz que apesar da sua área de especialização ser os materiais, era incrível a sua capacidade de discutir assuntos relacionados com a Transmissão de Calor. Este episódio ilustra que muitos alunos, sem se aperceberem, trabalham a sua formação universitária como se fossem uma Inteligência Artificial – por uma aprendizagem “eficiente” para passar no exame. Ora, nem tudo o que imaginamos é eficiente, mas sem o desenvolvimento dessa imaginação, tudo o que pode representar uma solução demorará o tempo que não temos.
O conhecido economista E.F. Schumacher tinha a visão de que “o pequeno é belo” (Small is beautiful), significando que as respostas mais profundas e os programas económicos mais viáveis no futuro são os que têm uma íntima relação com a terra. Porém, é praticamente impossível desenvolver essa relação sem desenvolver, simultaneamente, a nossa imaginação. Daí o valor de saber aprender a focar mais o que ensinamos na imaginação do que naquilo que é útil à corporação. Cada aluno que entra na fase final da sua formação para a vida profissional deveria sentir o impulso interior a questionar — que mundo imagino amanhã? — e aprender tudo com base nessa abertura imensa diante de si. É uma atitude mental que não se reduz a uma formulação matemática, ou a um princípio físico, mas mostra como o pensamento profundo é tão importante quanto o científico.
Nesse sentido, em “The Great Work”, Thomas Berry reflecte também sobre a o sentido universal daquilo que se aprende numa Universidade, dizendo que — «temos de dizer que o universo é uma comunhão de sujeitos, não uma colecção de objectos. Precisamente nesta íntima relação com todo o universo podemos ultrapassar a fixação mental dos nossos tempos expressa pela divisão radical que fazemos entre o humano e o para-além-de-humano. (…) Esta experiência de comunhão é, acredito, universal. Pode ser observada na reacção imediata de quase toda a gente que simplesmente olha para o oceano na madrugada ou no pôr-do-sol, ou se volta para os céus à noite com todas as estrelas a brilhar(…).» É sobre este olhar de comunhão que chegou o tempo das universidades serem repensadas e redescobrir a imaginação como a base de uma formação profissional e humana mais criativa e profunda.
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