Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
“Planeta Saudável, pessoas saudáveis” – é este o título de uma petição promovida pelo Movimento Laudato Si’ para despertar as consciências, mas alguém se questiona o que é a “saúde” de um planeta? A experiência que temos de saúde é quando a nossa biologia funciona como é suposto e quando isso não acontece, sentimos dor que alerta para algo que não está bem connosco. Ou então, acontecem transformações em nós que aos olhos dos outros não parecem ser as habituais, questionando se a nossa saúde está com opera suposto. No caso de um planeta, a analogia é essa. Existem tempestades mais intensas que o habitual, flutuações de temperatura que atingem valores fora do normal, e tal como o nosso corpo reage a um vírus aquecendo-o e ficamos com febre, muito daquilo que está a acontecer ao nosso planeta é a procura de um novo equilíbrio depois da desequilibrada acção humana. Porém, a linguagem humana usada parece-me ser ainda muito à imagem do homem.
Por outro lado, os argumentos de sensibilização das pessoas são sempre os mesmos — a perda de biodiversidade, o aumento do nível do mar, os eventos extremos, o aumento da temperatura média global — e o apelo à acção urgente é sistemático. COP após COP parece que os políticos não ouvem, ou dada a transitoriedade dos políticos, parece que vezes sem conta se volta à estaca zero. Penso que chegou o tempo de reconhecer que não podemos estar à espera dos políticos para agir, ou perder tempo a fazer greve às aulas à espera que nos oiçam. A maior consciência e força social de acção é o testemunho daquele que faz o que deve ser feito, de tal modo que se torna vergonhoso não o fazer. Mas a acção por si só sem oração (refiro-me aos crentes, obviamente) pode cair em activismo e esse não é o caminho que nos aproxima de Deus no tempo da criação.
Alguém comeria uma hóstia com uma estranha substância mucosa em cima? Alguém seria capaz entrar em diálogo profundo com Deus se houvesse uma música aos altos berros no adro da Igreja? Alguém comeria um rebuçado para o hálito antes de dar o abraço da paz e deitaria o papel para o chão? Apesar de parecerem imagens ridículas, estes exemplos relacionam-se com a presença de Deus (na hóstia, no silêncio, e no irmão e espaço de culto) que, uns mais outros menos, todos conseguimos identificar. Mas quantos de nós procuramos a presença de Deus no mundo natural? O dano ambiental é um dano à manifestação da presença de Deus através dos ritmos da natureza. E temo que não estejamos totalmente conscientes disso.
A experiência da pandemia mostrou algo inesperado: quando o ser humano fica quieto, a natureza reencontra o seu espaço. Os animais voltaram à floresta que antes era dominada pela presença dos turistas. Os pássaros expandiram o alcance do seu canto devido ao menor ruído nas cidades (ou talvez os nossos ouvidos se tenham re-sensibilizado em relação ao canto dos pássaros). Descobrimos que os nossos desejos ocupam mais espaço do que realmente temos e somos especialistas em ocupar espaço. Mas um dos segredos de um relacionamento mais profundo com os outros é “dar espaço”. Por isso, importa reflectir sobre o espaço que damos à natureza nos espaços que ocupamos e nos ritmos quotidianos. Algo que se reflecte nas nossas atitudes ambientalistas.
Às clássicas atitudes de reutilizar, reciclar e reduzir, as pessoas começar a acrescentar o
- repensar os hábitos, nomeadamente, os de consumo;
- recusar ou renunciar os produtos que têm mais impacte ambiental;
- reparar em vez de comprar de novo;
- e o reintegrar onde devolvemos à natureza aquilo que um dia lhe pedimos, como por exemplo, através da compostagem.
Logo, já vamos em 7 R’s. Mas em tempos referi também o
- relacionar como forma de re-aprender a entrar em comunhão com Deus através da natureza, e;
- renovar a curiosidade em relação ao mundo natural para despertar a consciência de como tudo está ligado.
Ou seja, 9 R’s. E a impressão de tenho é que haveria muitos mais R’s a descobrir, mas a questão que me coloco é: haverá um sentido mais profundo para o esforço de entender a dimensão espiritual da razão de superar a crise ambiental? Talvez a necessidade de uma nova narrativa.
A vida de cada pessoa encontra-se entre duas histórias. A história de tudo o que aconteceu antes de si e a história de tudo o que acontecerá depois de deixar a sua marca no mundo. Ao longo da história humana, a percepção de sermos parte da família da criação e de que a comunidade planetária é sagrada, diminuiu. Estou convicto de que a razão mais profunda para as histórias que se contavam no passado era a da identidade planetária que davam a cada pessoa. A escritora americana Edith Wharton sugeriu uma vez que a longevidade e criatividade assentam em quatro pilares: 1) não ter medo de mudar; 2) ter uma insaciável curiosidade intelectual; 3) interessar-se pelas coisas grandes; 4) e ser feliz nas coisas pequenas. Na minha opinião, a conversão ecológica que necessitamos neste momento passa por combinarmos estes pilares dentro de nós.
O sacerdote Passionista e ambientalista Thomas Berry dizia que — «o universo é uma comunhão de sujeitos, não uma colecção de objectos.» — e se nos centrarmos apenas nas coisas que os outros nos dizem que devemos fazer, arriscamo-nos a perder de vista a experiência da comunhão de sujeitos que partilhamos com o mundo natural através da mudança, curiosidade, conhecimento e humildade.
A história ambiental escreve-se a cada acto concreto, reflexão profunda e oração contemplativa. Agir, reflectir e contemplar são forças motrizes na base do comportamento humano que pode transformar a história deste planeta, de modo a saber aprender a reescrever a sua história, evidenciando a beleza da vocação que a família da criação é chamada por Deus a viver, isto é, a comunhão de sujeitos. Essa comunhão renova o relacionamento que temos com o mundo natural e pode revelar a sua força de amor criativa. Se para a família humana o Papa Francisco escreveu a Amoris Laetitia, para a família da criação talvez Deus nos esteja a convidar a escrever com as nossas vidas a Amoris Creare — a Criatividade do Amor. Veremos.
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