Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
— “O que é que é ser velho?” — pergunta Miguel Sousa Tavares a Agostinho da Silva numa entrevista em 1988. Nunca pensei que a sua resposta pudesse ser tão actual, mais de 30 anos depois. Ser velho para Agostinho da Silva possui três pontos de vista: o tempo, a utilidade e a vida.
O tempo é relativo porque 82 anos em 1000 não é o mesmo do que em 100 anos. Por isso, comparado com a história da presença humana, cada um de nós é um fenómeno recente. Depois, a perspectiva de futuro do planeta é ainda mais interessante. Pois, para o futuro, não nascemos enquanto esse não fizer parte do nosso presente. Só envelhecemos no tempo se a visão do mesmo for curta, pelo que, o primeiro convite de Agostinho da Silva é a alargar o nosso ponto de vista sobre a idade que temos a uma noção ampla de tempo. Não era bem este o sentido da pergunta de Miguel Sousa Tavares. Porém, Agostinho avança um pouco mais pensando na utilidade.
Velho do ponto de vista da utilidade é ter deixado de ser uma força trabalhadora e útil à sociedade porque já não produz. É uma visão de quem vive para trabalhar e faz do trabalho a razão de viver. É uma ideia que contraria muito a imagem vendida, hoje, de uma vida realizada. Isto é, uma vida espelhada nas selfies que dão a entender passarmos mais tempo com os que mais amamos, quando, na realidade, aqueles com quem passamos mais tempo são os nossos dispositivos ao dedicar-lhes a maior parte da nossa atenção. Porém, não foi o confinamento social que acabou por nos obrigar a passar mais tempo com os que mais amamos? Com tristeza soube de algumas famílias que não conseguiram suportar-se. E talvez isso seja um sinal de haver muitas pessoas com uma visão pragmática da vida mais associada à sua utilidade pelo trabalho do que uma visão mais profunda. Diz Agostinho da Silva que no hemisfério sul a vida é vivida de outro modo — “feita para viver.” Depois, refere algo que me parece muito actual.
A evolução tecnológica nos anos 1980 era pautada pela concepção de que as máquinas estariam a fazer o que antes nos tornava autênticos artesãos. De tal modo que, diz Agostinho da Silva, o mundo tem de mudar porque — ”milhões de meninos estão nascendo neste mundo já reformados.” Pois, se o trabalho é realizado pelas máquinas, não terão trabalho para fazer. Agostinho da Silva faleceu em 1994, ou seja, antes da emergência em larga escala da internet e da geração de YouTubers. Não se poderia ele imaginar como a era da informação seria o gérmen da era da imaginação que actualmente define novos conceitos de trabalho.
Para mim, o curioso é que não considero úteis muitos dos vídeos de pessoas a comer grandes quantidades de comida, como na Coreia do Sul, uma tendência viral no YouTube, cujas visualizações chegaram já a render a alguns 10000 dólares por mês. Sim. Não estou a gozar. Se envelhecer é deixar de ser útil, existem pessoas que envelhecem bem cedo, mas ganham mais do que o leitor e eu juntos durante um ano. E isto para não continuar referindo as inúmeras visualizações de videos de gatinhos e marmotas a comer pizza. Serão as iniciativas virais que prendem tantas pessoas ao seu ecrã um elogio ao envelhecimento precoce? Isto é, não estaremos todos a envelhecer mais cedo com o consumo exacerbado de futilidades digitais?
Apesar de não imaginar como poderia ser o mundo 30 anos depois, Agostinho da Silva cedo se apercebeu de algo essencial e que pode explicar a razão pela qual tantos perdem tanto tempo com tão pouco. Diz ele — ”quando a pessoa sente que já não está na idade de trabalho, começa a não ter nada que fazer, e o tempo livre cai sobre ela. Esmaga-a.” — e aqui toca na ferida dos tempos modernos, pré- e pós-Covid19, cuja cura merece uma nova atitude mental: o tempo livre precisa de ser vivido com sabedoria.
Quando nos sentimos esmagados pelos tempos de solitude, incapazes de escutar o silêncio (melodia que não desafina), e de estar junto com os nossos pensamentos, procuramos aliviar essa dor interior com a alienação. De tal modo que nem nos apercebemos de que a dopamina libertada pelos vícios das redes sociais, e entertenimento imediatos, nos vai envelhecendo e, gradualmente, minando a paixão pelas coisas mais simples da vida. Mas como termina Agostinho da Silva — com sabedoria — ”se uma pessoa (…) fosse um apaixonado da vida, nunca se sentiria velho para coisa nenhuma.” Pois, parafraseando Cristóvão Colombo, a vida tem mais imaginação do que os nossos sonhos, e qual melhor sabedoria do que a daquele que está sempre disposto a aprender coisas novas? Aquele que procura saber aprender a envelhecer pelo bem viver.
P.S. – Agradeço ao meu pai a partilha da entrevista que serviu de inspiração para este texto.