SABER APRENDER – A encontrar Deus.

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

É dura a realidade do confinamento e a necessidade de vivermos apenas do essencial. Os médicos estão exaustos e as pessoas reagem com uma normalidade perigoso e digna dos cenários mais distópicos. Cenários onde tudo desmorona e — ”tá-se bem…” O apelo à consciência é clara e a todos pede-se que tenham — na prática — juízo. Mas a perspectiva de um confinamento é aterradora para muitas pessoas e famílias. Sabem o preço que pagaram em março de 2020 quando era novidade, mas agora, quase preferem arriscar a sua saúde e a dos outros, pensando que nada lhes atinge. Não. É. Verdade. Ficar infectado é uma possibilidade aberta a todos os outros e a nós também. O que pensar ou questionar diante do sofrimento que muitos estão a viver senão: onde está Deus?

Foto de Toa Heftiba em Unsplash

Esta pergunta é uma das que incessantemente se faz na vida dos crentes. Mas, o que vos posso confirmar do ponto de vista científico, é que a falta de resposta está, frequentemente, no modo como é formulada a pergunta. Por isso, talvez a pergunta certa para o momento não seja “onde está Deus,” mas — ”onde encontrar Deus?”

Se Deus não negou a experiência de sofrimento aquando das lacerações no seu corpo ao transportar uma cruz, derramando sangue e suor, e morrendo pregado a essa cruz, para mim, significa que a dor, o sofrimento e a morte não só fazem parte deste mundo, como podem ser um modo de encontrar Deus. Depois, o esforço que vemos naqueles que trabalham nos hospitais, ou nos estabelecimentos de comércio de bens essenciais, sujeitando-se a um possível contágio, só pode suscitar em nós o desejo de gratidão. E não podemos imaginar como expressar gratidão ao outro pode revelar-se, também, um momento de levá-lo a encontrar Deus. Por fim, não podendo estar em grupo com os amigos e colegas, significa que se abre uma janela de oportunidade para estar com uma outra família, tão esquecida quando vivemos uma vida demasiado artificializada. Isto é, estar com a natureza. Não é a natureza um modo, também, de encontrar Deus?

Chiara “Luce” Badano foi uma jovem italiana que, no encontro com o Movimento dos Focolares aos 9 anos, resolveu «colocar Deus em primeiro lugar.» Mas aos 17 anos, uma dor aguda no ombro esquerdo revelou um osteossarcoma, um tumor ósseo maligno, que levou-a a percorrer um autêntico calvário durante dois anos. Ao escutar o diagnóstico, não chorou, ou mostrou-se revoltada, mas pediu um tempo de solitude. Após 25 minutos diz — «se é o que queres, Jesus, é o que eu também quero.» Ciente do aproximar da sua morte, diz para a mãe preocupada com ela — «quando eu tiver morrido, segue Deus e encontrarás a força para ir em frente.» Desde 2008 que Chiara Luce foi declarada venerável pelo Vaticano, sendo um exemplo de santidade de como o sofrimento pode ser um modo de encontrar Deus e convidar os outros a fazê-lo.

Quando sofremos valorizamos o sentido que tem a mais pequena coisa, o mais simples respiro (pensando na Covid-19), e encontramos Deus no sofrimento porque Ele nunca nos abandona. Mas isso implica ter o coração aberto a uma experiência de sentido e significado inédita e pessoal.

Desde há muito que S.Paulo nos convida a dar graças a Deus em todas as circunstâncias por serem a Sua vontade que se manifesta no momento presente (1 Tes 5, 18). E o confinamento leva-nos, de novo, a experimentar a rotina de ficar em casa com as mesmas pessoas, a ter as mesmas conversas, e se isso levou à ruptura de muitos relacionamentos, ou ao stress claustrofóbico da nossa casa, o que acontecerá agora? Por outro lado, depois de quase um ano de pandemia, talvez neste período de confinamento possamos estar cientes de que não estamos sós. Há ainda alguém em nossa casa que amamos, pois, em muitas casas de pessoas que faleceram por causa da Covid-19, a sua presença física não se sente mais.

Este é o tempo para estar grato e praticar a gratidão. Com essa provém uma experiência de vida mais profunda. E de como os outros não são uma rotina para nós, mas um dom. Porém, e quem vive sozinho?

O confinamento para as pessoas que vivem sozinhas pode ser um encontro com a tormenta e, dificilmente, conseguem pensar em Deus. De facto, para o crente, a oração é sempre uma possibilidade de se dar conta de que nunca estará só. Mas a presença de Deus não é física, e todo o ser humano vive com os sentidos que tem, pelo que a experiência de solidão precisa de se transformar numa de solitude. É aqui que entra o encontro com a natureza para podermos, no final, encontrar Deus.

Não me refiro a um inactivo passear por um jardim, ou espaço natural que fica a km de distância, mas a uma caminhada activa a notar em coisas novas. Reparaste alguma vez que os ramos de algumas árvores crescem num dos lados quase na horizontal, e no lado oposto na vertical? Isso indica a orientação norte-sul porque os ramos a Sul mais facilmente captam a luz do Sol, enquanto os ramos a Norte precisam de se erguer — por assim dizer — para captar a luz. Ou reparaste alguma vez nas diferentes formas das folhas das árvores, ou tipo de flores no mais escondido recanto entre dois prédios? Existe tanto para notar que por mais passeios que façamos, ou por mais que contemplemos a natureza a partir do interior das nossas casas, existem sempre detalhes que nos escapam. Como podem servir para encontrarmos Deus?

Notar em coisas novas faz despertar a nossa curiosidade, mas, sobretudo, o nosso sorriso. Quando comecei a fazer esta experiência de notar em coisas novas nas minhas caminhadas, comecei a reparar que não parava de sorrir e no meu pensamento brotava um espontâneo louvor a Deus pela Sua criação. Melhor, percebi como me revelava a Sua presença na mais pequena novidade.

O desânimo diante do confinamento pode levar-nos a um desgaste interior que nos impede de explorar continuamente a vida profunda que nos é dada. E o sofrimento que entra no horizonte de conhecimento pelos fluxos de informação pode levar-nos, recorrentemente, à “outra” questão da “localização” de Deus. Mas a experiência cristã é a de que se procuras Deus, encontrarás. Mas aquele que se abre ao encontro com Deus acaba por se aperceber de que Ele já vinha, há muito, ao seu encontro.

Vale a pena fazer esta inversão de questão para sabermos aprender a encontrar Deus. E isto pela simples razão de ser uma aprendizagem que não só muda a nossa vida, mas que fica para toda a vida. Nunca é tarde para (re)começar.


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