SABER APRENDER – A desinvestir com apreendedorismo

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O que acontecerá a todas as famílias que a indústria do combustíveis fósseis sustenta se aderirmos ao movimento do desinvestimento nestas fontes limitadas de energia a que a Semana Laudato Si’ apela? Estaremos a enviar milhões de pessoas que trabalham nestas indústrias para o desemprego? Não arriscamos a que essas famílias entrem em níveis elevados de pobreza? O dilema ético é inegável e demonstra como não se pode mudar tudo de repente. Porém, dizem os cientistas que se nada fizermos agora (de repente), a nossa sobrevivência neste planeta pode estar comprometida, pois, o planeta continuará por cá, independentemente da nossa existência.

Foto de Kari Shea em Unsplash

Ao nível do cidadão comum, o desinvestimento em combustíveis fósseis significa não gastarmos dinheiro em tudo o que envolve produtos derivados do petróleo. A ideia seria investirmos antes em produtos que levem a que o petróleo se mantenha onde está: no chão. Se este gesto moral e financeiro importante produz mais impacte ao nível das instituições e nações, como somos milhares de milhões de pessoas, o que cada um pode fazer contribui para o impacte da família humana como um todo. E a alteração mais imediata refere-se à redução do plástico.

São inúmeros os produtos ou materiais que usamos que incluem plástico, mas muito do desperdício refere-se ao que é descartável. É quase impossível eliminar o plástico de um momento para o outro. Por isso, pouco a pouco, vamos usando embalagens de vidro, sacos de pano, copos/pratos/talheres em louça de picnic, entre outras coisas que antes seriam feitas de plástico descartável. Porém, além dos plásticos, existem outras indústrias que usam combustíveis fósseis e desinvestindo nelas podemos começar a fazer a diferença em relação às metas de redução da emissão de gases que alteram o nosso clima e comprometem a nossa sobrevivência. Mas todas essas indústrias não sustentam uma imensidade de famílias? Não ficará a sobrevivência dessas famílias em risco com este desinvestimento? Daí que compreenda uma das mensagens do presidente americano Joe Biden aquando da sua campanha, apostando no desenvolvimento de emprego em indústrias mais sustentáveis. O que parece ser um drama poderá tornar uma grande oportunidade, mas podemos mudar o curso de grandes empresas de um momento para o outro?

A pandemia gerou um novo verbo — zoomar — e isso levou a que essa empresa de software tenha crescido em 326% em 2020. É invulgar, mas demonstra como a necessidade de nos conectarmos, na impossibilidade de o fazer fisicamente, levou ao crescimento de uma empresa de um momento para o outro. Seguramente que isso significou mais emprego para muitas pessoas. Por outro lado, não é impossível afectar o curso de uma empresa de um momento para o outro se nós fizermos escolhas diferentes, já.

Apesar destas escolhas com efeito imediato terem surgido mais por necessidade do que por convicção, o convite do Papa — «A todos os homens e mulheres da terra, peço que empreguem bem os dons que o Senhor nos confiou para conservar e tornar ainda mais bela a sua criação.» — passa por um novo relacionamento com o ambiente que nos rodeia através dos nossos estilos de vida. Pois, o que está em risco não é o planeta, mas a sobrevivência do mais frágil, isto é, das pessoas cujo local onde vivem, ou condições de vida, são mais atingidos pelas alterações climáticas. Mas isso poderá depender da mudança para uma mentalidade subtil e que nem todos lhe são sensíveis: a mentalidade apreendedora.

Em família quisemos reduzir a quantidade de plásticos descartáveis nos produtos que consumíamos. Daí que, há alguns anos, começámos a alterar alguns padrões de consumo. O que nos apercebemos não é tanto da dificuldade na alteração em si, mas no que tivemos de aprender para a realizar. Por exemplo, as nossas filhas gostavam de comer bolachas, mas todos os pacotes estão envoltos em plástico descartável. Mudar o padrão de consumo implicou aprenderem a fazer bolachas e, hoje, existem vídeos e receitas para tudo e mais alguma coisa, incluindo bolachas. Para além disso, aprenderam, ainda, a reservar um espaço na semana para isso. Não só adquiriram uma nova competência, como aprenderam a gerir melhor o seu tempo.

A resistência a aprender coisas novas para alterar os nossos padrões de consumo é grande quando vivemos numa sociedade que estimula a gratificação instantânea. Ou se alguém tiver de aprender uma nova competência (saber mexer num novo software, ou nova tecnologia), de modo a preparar-se para novos trabalhos em empresas mais sustentáveis, resiste porque “já não tenho idade para isso.” A resistência a desenvolver uma mentalidade apreendedora é o maior obstáculo à mudança de estilos de vida. Por isso, ao nível do cidadão comum, o desinvestimento em combustíveis fósseis exige o investimento em capital apreendedor.

Não há idade para nos tornarmos apreendedores sustentáveis, isto é, pessoas que estão sempre a aprender novas coisas que tornam o seu estilo de vida num que é mais sustentável. O facto da mentalidade apreendedora envolver mais do que tudo o que se relaciona com opções de consumo, torna-a numa escolha com impacte mais profundo sobre a vida das pessoas e no seu relacionamento com a criação.

Sermos pessoas mais sustentáveis nas escolhas através das opções de consumo é transitório. Pois, as opções dependem do tempo de vida dos produtos, de tal modo que um dia, se descobrirmos que um produto antes sustentável, afinal, já não o é, obriga-nos a alterar de novo os padrões de consumo, e o preço a pagar é incerto. Mas se assentarmos a sustentabilidade das nossas escolhas nas competências que desenvolvemos através de um estilo de vida apreendedor, não só temos um maior controlo daquilo que consumimos, como se descobrirmos que existe uma competência ainda mais sustentável, já gostamos por estar sempre a aprender coisas novas, logo, custa menos.

O que é sustentável perdura no tempo e assegura o futuro das próximas gerações que, numa mentalidade apreendedora, deixam de ser os futuros consumidores, e passam a ser os apreendedores do futuro. O curioso é que esta mentalidade não se restringe aos mais novos, mas abrange todas as gerações porque todos precisamos de saber aprender coisas novas para assegurar a sobrevivência da criatividade humana. Essa é a maior qualidade do apreendedor sustentável. E haverá alguém que não gosta de ser e se sentir criativo?


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