SABER APRENDER – A confiar-Lhe o essencial

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

É claro para cada cristão como pode a oração servir, concretamente, para que o nosso estilo de vida seja mais ecológico? Imaginemos que a nossa oração com a criação é feita em adoração ao Santíssimo. Será que essa desperta o nosso sentido ecológico da vida espiritual por estarmos quietos e, por isso, poluímos menos? Faz sentido para mim pensar em “horizontes de significado”, “sentido cristão do nosso agir”, e tantas outras expressões belas e profundas que me ocorrem quando penso no efeito que a dimensão espiritual da nossa vida pode ter sobre a dimensão ecológica concreta que nos afectará a todos nos próximos anos. Mas não é claro ainda como pode o agir concreto produzir tanto efeitos materiais, como espirituais, que sejam testemunháveis e nos coloquem no caminho de uma união cada vez mais forte, profunda e plena com Deus. Não é essa união com Ele a maior razão de qualquer oração?

Foto de Vero Photoart em Unsplash

Lembro-me bem da experiência dos grupos de oração do Renovamento Carismático e da importância de recomeçarmos a louvar a Deus porque a nossa oração centrava-se demasiadamente em pedir e nas nossas necessidades. A oração de louvor é mais natural que brota dos nossos lábios quando rezamos com a criação porque a imagem que temos da natureza é a da beleza e essa inspira sempre a gratidão dentro de nós. Mas, quando pedimos algo em oração, reconhecemos perante Deus quão limitados somos. Há muito que se passa à nossa volta que não compreendemos, causando apreensão e receio. Nem sempre sabemos o que pedir sem querer fazer de Deus uma máquina de snacks onde esperamos receber o que pagámos com a nossa oração. Depois, como não recebemos o que pedimos, batemos com o pé na máquina à espera que o snack caia. Podemos não ter essa intenção, mas por vezes, a nossa oração não pede a Deus, pedincha. Talvez signifique a necessidade de repensar o que significa pedir. Creio que vale a pena explorar: pedir como confiar.

Quando confio as chaves do meu carro a alguém que conheço pouco para que conduza por mim, realizo um acto de confiança. Sei que isso não é fácil porque uma vez estive numa situação em que estava a fazer uma viagem e comecei a sentir alguma ansiedade. Comigo tinha um jovem amigo que sabia conduzir, mas preferi parar um pouco para respirar fundo que confiar-lhe as chaves do carro. O acto de confiar é um acto de entrega e cedência do controlo e isso não é nada trivial. Por isso, quando rezamos a Deus, dialogamos com Ele ao Seu modo, e confiamos a Ele o nosso relacionamento com a criação. Porém, o que estamos realmente a confiar?

Na realidade deveríamos confiar tudo o que afecta o nosso comportamento e os nossos relacionamentos. Quando dizemos que Jesus salva, o que queremos dizer com isso? Estaremos à espera de uma força invisível que tire o nosso pé do acelerador? Estaremos à espera de que os canos da nossa casa ajustem por forças misteriosas o nosso caudal de água quando tomamos banhos demasiado longos? Estaremos à espera que a bateria se mantenha, misteriosamente, nos 100% para podermos continuar a navegar pela vida digital? Não vejo grande lógica numa abordagem consumista da acção salvadora de Jesus. Na sua essência, Jesus vem salvar os nossos relacionamentos. Pois, se há realidade que todos sentimos é o dano relacional que existe entre nós e o mundo natural.

Ao longo de centenas de anos escavámos um fosso entre nós e a natureza. E o efeito mais profundo que a oração pode fazer para que Jesus salve o nosso relacionamento com o mundo natural é o de nos despertar a consciência para sabermos dialogar com a natureza. Caso contrário, corremos o risco de continuar a rezar, supostamente, com a criação quando, no fundo, pouco efeito produz sobre o nosso relacionamento com essa. E do mesmo modo que os apóstolos se voltaram para Jesus e disseram — «ensina-nos a rezar» — também nós, hoje, poderíamos pedir-Lhe para nos ensinar a dialogar com o mundo natural. É tudo uma questão de linguagem. E ninguém compreende a língua do outro se não souber estar presente.

A natureza está sempre presente se não nos isolarmos dela, sistematicamente, com quatro paredes. Por outro lado, a nossa pressa em chegar de um lado para o outro desabituou-nos da sabedoria contida no acto de desacelerar, parar, observar, estabelecer presença e, depois, entrar em diálogo. Num diálogo, se não houver uma linguagem comum, não nos conseguimos fazer entender. Sempre me questionei qual a linguagem comum que nós partilhamos com a natureza. Será a linguagem da sobrevivência, onde o mote é cada um por si? Poderia ser e se nós falarmos assim com o mundo natural, o mundo natural falará assim connosco. É preciso uma linguagem que seja universal e conheço apenas uma com esse potencial: o amor.

Se a linguagem matemática se escreve com símbolos, a linguagem do amor escreve-se e fala-se com gestos. Actos concretos pautados pela melodia da empatia, da doação e da reciprocidade. No amor, o diálogo vai para além dos raciocínios, da intelectualidade dos nossos discursos e da lógica com que articulamos o nosso modo de pensar e (atrevo-me e contra mim falo) de rezar. O amor sintetiza a razão com a emoção com a surpresa com a transcendência. O amor desafia a mente e até a matemática quando ao dividir por dois ou mais, cresce e une.

As experiências de oração com a natureza exigem presença e imersão no mundo natural. Pode haver bichos que incomodam, ou calor e ar húmido que dificultam o respirar, mas cada espaço natural é uma catedral onde Deus manifesta a Sua presença se soubermos aprender a confiar-Lhe o essencial. Esse essencial varia de pessoa para pessoa. E pode variar ao longo do nosso caminho espiritual. Da última vez que me deixei imergir no mundo natural confiei a Deus tudo o que não compreendo. Não tanto à espera da luz do entendimento que o Seu Espírito nos dá se Ele quiser, mas esperava antes a paz pelo desapego da preocupação entregue. E depois de um momento curto de silêncio, sorri.


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