SABER APRENDER -A caminhar como Igreja sinodal

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Uma Igreja Sinodal é a que procura um “caminhar juntos” para ser testemunho da comunhão que vive e anunciar a razão de ser assim aos outros. Mas uma recente sondagem; a diversas associações católicas e movimentos organizada pelo 7Margens mostrou pouca adesão a pensar sobre a Igreja sinodal. Que sinal ler dessa reacção? Pouco interesse em falar do assunto ou estaremos cansados de questionários? É verdade que esse aconteceu antes das férias e o momento poderia não ser o mais oportuno, mas se não “espicaçarmos” os corações, as mentes e as vozes, o testemunho morre no nosso silêncio. Será que aconteceria o mesmo se o inquérito fosse feito no Facebook?

Desde os anos 1980 que o acesso a uma rede por telefone levou muitas pessoas a estarem cerca de duas horas por dia, sete dias da semana, ligadas à WELL — Whole Earth ‘Lectronic Link. Howard Rheingold no seu livro ”Virtual Communities” refere-se à sua experiência na WELL como uma — «autêntica comunidade (…) porque desde o início que estava fundada no meu mundo físico quotidiano.» As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Internet quando um número suficiente de pessoas entra em diálogo entre si por tempo suficiente, e com emotividade tal que acabam por formar redes de relacionamentos pessoais no ciberespaço. Aliás, este termo — ciberespaço — foi introduzido pelo escritor William Gibson num livro de ficção científica — Neuromancer — e que compõe o espaço conceptual onde as palavras, os relacionamentos humanos, os dados, e tudo o que move, e faz mover, quem nele se embrenha, manifesta a potencialidade relacional da comunicação mediada pelos computadores.

Nas diversas comunidades virtuais desde a WELL ao Facebook vive-se uma comunhão no ciberespaço, mostrando que essa possibilidade pode levar a que pessoas de diferentes parte do mundo possam fazer uma experiência relacional baseada em interesses comuns. Mas um interesse comum não tem a profundidade de uma vivência comum. Por isso, quando li a notícia no 7Margens a sublinhar a pouca adesão à resposta a três questões sobre este modo de ser da Igreja, o modo sinodal, pensei na diferença que encontrei ao ler sobre a experiências destas comunidades virtuais. Será que a sinodalidade não é do interesse comum dos movimentos e associações católicas por não ser ainda a vivência comum que deveria e, por isso, ninguém tem paciência para responder a três questões?

De acordo com o Documento de Trabalho publicado pela Conferência Episcopal Portuguesa no início de Setembro, a prática da sinodalidade faz parte do proceder da Igreja desde o primeiro milénio. E os eixos fundamentais da Igreja sinodal são a comunhão, a participação e a missão. É um “caminhar juntos” que espelhava o sentimento que passava para fora em relação aos Cristãos e que levou Tertuliano a escrever— «vede como eles se amam!» De facto, a experiência viva do amor entre nós é a encarnação do Evangelho quando diz que — «Onde dois ou mais estiverem reunidos [se amarem, diria] em meu nome, Eu estarei no meio deles.» (Mt 18, 20). Esta presença de Jesus entre nós quando amamos é, para mim, uma experiência real que potencia qualquer sinodalidade. Mas é essa a realidade que vivemos? Ou será que, com toda a simplicidade, nunca pensámos muito nisso por estarmos tão atarefados com outras coisas? Talvez estas questões não sejam apenas para os movimentos e associações católicas, mas para todos nós. Por isso, decidi responder o que vai no coração no momento em que escrevo esta rubrica.

1. Que expectativas lhe suscita este desafio sinodal no que respeita à Igreja Católica em Portugal?

Por vezes questiono se temos consciência da potencialidade de nos amarmos mais e melhor. Na minha experiência cristã vi alguma competição entre movimentos, associações e paróquias para ver qual é o melhor. Se estás no meu movimento quero-te bem, se escolhes ir para outro, sinto-me traído porque o meu movimento é o melhor. Parece infantil, e é, mas vivi algumas situações na pele com estes traços. O desafio sinodal está em reconhecer o carisma da associação do outro com o mesmo valor que dou ao carisma da minha associação. É difícil caminharmos juntos se andamos demasiados atentos a quem faz melhor seja o que for.

Por outro lado, a dificuldade em “caminhar juntos” pode ter a ver com a diferenças entre os ritmos vividos por cada experiência cristã, ou até entre os que partilham a mesma experiência. Por exemplo, numa sinfonia não há quem vá atrás ou à frente porque todos tocamos em simultâneo. Há harmonia se soubermos acolher e respeitar o ritmo de cada um. E nem sempre as dissonâncias ficam mal numa música, mas se formos conduzidos pelo Maestro, e todos colocarmos o olhar n’Ele, deixaremos que seja Ele a conduzir o ritmo de cada um. Conhecer os ritmos provenientes da diversidade criativa do Espírito Santo é uma expectativa que tenho para este desafio sinodal.

2. Para que a Igreja Católica em Portugal acolha este desafio como uma oportunidade de renovação (pessoal, comunitária e de modos de funcionar) norteada pela Boa Nova de Jesus, que devem fazer os leigos? E que recomendações faria aos bispos portugueses?

Quando cantamos “povo sacerdotal, Igreja Santa de Deus” estamos a falar de quem? Todos. Sabemos. Mas se os leigos estiverem à espera que seja o sacerdote ou bispo a decidir tudo, não me parece que esse seja um caminho sinodal. Pela minha experiência pessoal, os leigos devem abrir as mãos e oferecer a sua disponibilidade, ideias, e trabalho para que tudo o que diz respeito à Igreja sinodal espelhe para um mundo uma experiência de amor. Mas seria preciso acolher a vontade dos leigos em servir.

A recomendação que faria aos bispos seria a de terem paciência com a vontade dos leigos de renovar diversos campos de acção e missão, sem refrear o entusiasmo, e como fruto de um discernimento colectivo terem a coragem de experimentar coisas novas. Não é fácil porque o mundo vive uma grande aceleração e o risco de estarmos sempre a experimentar coisas novas é o da desorientação e alguma insensibilidade à Voz do Espírito Santo. Por isso, também os leigos deveriam ser pacientes com os bispos e perseverantes na oração por eles.

Numa Igreja sinodal não existem leigos com ideias salvadoras de tudo e mais alguma coisas, mas cada ideia é uma responsabilidade. Por isso, quando partilhada, será a comunidade que pode levar para a frente as ideias que Deus suscita no coração de alguns e que testemunham uma vida espiritual cada vez mais profunda.

3. Que características e âmbito entende dever ter a escuta que as igrejas diocesanas são chamadas a realizar, até à primavera de 2022?

Abertura. Acolhimento. Discernimento. Humildade. Desapego. Pois, uma mente aberta não nega o valor da surpresa e daquilo que é diferente do habitual.

Um acolhimento abraça a voz de cada cristão como parte inextricável da Igreja sinodal que pode conter uma inspiração de Deus. Mas se não criarmos os espaços para acolher essa inspiração, não a podemos conhecer.

Discernimento porque nem todas as ideias são inspirações. Por isso, há que ter a humildade de reconhecer que podemos ser chamados a perder a nossa ideia (como todas estas que aqui partilhei), e viver no desapego. Isto é, uma ideia dada no desapego deixa de ser nossa.

Os temas que tocam a Igreja sinodal para que se renove ao modo que Deus quiser são muitos e, nesse sentido, temo que até à Primavera de 2022, se não abrirmos estas e outras questões a todas as pessoas, percamos uma oportunidade de escutar aquela ou aquele que Deus inspira de modo particular.


As respostas que aqui partilhei um pouco a quente são por vezes vagas, e outras vezes concretas. Reconheço que o exercício de participar nesta reflexão exige tempo, paciência, leitura, comunhão entre as pessoas e nem sempre esses espaços abundam diante dos afazeres do quotidiano, mas tenho esperança.

Esperança que destes momentos de paragem para examinar o caminho que fazemos juntos, não só se dêem início a processos de renovação espiritual, com também os levem a bom termo.

Esperança de que só o amor recíproco que torna visível a todos a presença de Jesus seja a bússola para sabermos aprender a caminhar como Igreja sinodal.


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