S. Paulo tornar-se-á uma figura mais popular

D. Anacleto Gonçalves Oliveira faz balanço positivo do Ano Paulino Bento XVI proclamou um "Ano Paulino", para celebrar os 2000 anos do nascimento de São Paulo, com início na Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, a 29 de Junho de 2008, e que termina agora, um ano depois. A Agência ECCLESIA foi ao encontro de D. Anacleto Oliveira, Bispo Auxiliar de Lisboa e responsável pelo itinerário catequético, proposto pela CEP, para falar do balanço destas 52 semanas e das perspectivas que se abrem após esta celebração.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Este ano, S. Paulo foi o guia espiritual da Igreja?

D. Anacleto Oliveira (AO) – Para muitos cristãos foi e para a Igreja, em geral, também. Fez-se muitas coisas e tenho a impressão que foi um ano marcado por esta figura da Igreja.

AE – Que pontos destacaria neste Ano Paulino?

AO – É muito difícil dizer porque não temos nenhum levantamento de tudo aquilo que se fez. Sabemos que se realizaram muitas iniciativas e actividades: a nível internacional, nacional, diocesano, paroquial e pessoal. No entanto, destacaria, a nível nacional, a peregrinação ao Santuário Fátima, na Festa da conversão de S. Paulo. Apesar das condições climatéricas teve uma afluência muito grande, sobretudo da diocese de Lisboa. Nas dioceses realizaram-se também imensas actividades e alguns movimentos – Escutismo, Cursos de Cristandade – concretizaram também iniciativas. Alguns destes têm como patrono S. Paulo. O Secretariado Nacional da Educação Cristã também promoveu catequeses.

Neste Ano Paulino suponho que o mais proveitoso foi o confronto pessoal e em pequenos grupos que muitos cristãos fizeram com os escritos de S. Paulo. Esta figura da Igreja oferece-nos caminhos únicos para o encontro com Cristo. Por isso, a dimensão pessoal é fundamental.

AE – Na Peregrinação Nacional a Fátima, a vinda de um bispo sírio foi intencional?

AO – Foi. Embora não seja bispo de Damasco, lugar onde S. Paulo encontro Jesus Cristo pela primeira vez, quisemos dar uma dimensão e um colorido geográfico a esta peregrinação. Por outro lado, o gesto muito significativo – sugerido por S. Paulo – foi a oferta material que os peregrinos fizeram para a Igreja Católica da Síria.

AE – Se S. Paulo foi um autêntico GPS, o livro «Um ano a caminhar com S. Paulo» da sua autoria foi um excelente auxílio?

AO – Penso que sim, mas não tenho números. Não sei qual foi a tiragem e muito menos a quantidade de livros vendidos e, o mais importante, aqueles que se leram. Os ecos que me chegaram de diversos pontos do país são muito positivos. Pude partilhar os conhecimentos sobre S. Paulo que fui adquirindo ao longo da minha vida.

AE – Sentiu que a Igreja Portuguesa caminhou ao longo destas 52 semanas como propõe o seu livro?

AO – Em Lisboa, no dia 28 deste mês iremos fazer uma avaliação das actividades realizadas nas paróquias e movimentos. Ficaremos com uma pequena ideia e podemos tirar lições para o futuro. Suponho que nas outras dioceses também se farão avaliações.

S. Paulo diria: leiam as minhas cartas

AE – Recentemente, celebrou-se o cinquentenário do monumento a Cristo-Rei. Neste Ano Paulino não se deveria ter feito uma obra emblemática para mais tarde recordar?

AO – Não sei. Não sou muito entusiasta dos monumentos, mas com isto não estou, de maneira nenhuma, a exprimir a mínima crítica àquilo que se fez nas celebrações do cinquentenário. Pelo contrário, é um monumento que hoje faz parte do nosso país. É impossível passar por Lisboa e não visualizar o Cristo-Rei.

Em relação a S. Paulo, suponho que, se lhe perguntassem, ele não seria entusiasta duma ideia dessas. Se lhe perguntassem, ele diria: "leiam as minhas cartas, leiam aquilo que escrevi". Os Escritos Paulinos têm uma actualidade enorme… Suponho que ele diria: "em vez de estarem a gastar o tempo em monumentos (risos), gastem-no a ler as minhas cartas".

AE – No entanto, um monumento é simbólico e recorda sempre um acontecimento.

AO – Essa ideia não surgiu… E depois onde iríamos erigir um monumento desses? Temos igrejas – não são muitas – dedicadas a S. Paulo. Esse aspecto impressionou-me: as igrejas dedicadas a S. Paulo contam-se pelos dedos.

AE – Há alguma razão especial?

AO – S. Paulo não é uma figura popular. Ele é um intelectual, mas um homem de acção. Tem muitos escritos – alguns dos quais não são fáceis de entender – e por isso não se tornou uma figura popular como os «nossos» santos populares. Ainda por cima com a agravante de estar junto a S. Pedro, na solenidade principal do ano.

AE – Mesmo na iconografia ele aparece, muitas vezes, junto a S. Pedro.

AO – Isso não está mal. Aliás, o facto da Igreja os ter colocado na mesma solenidade foi uma ideia muito feliz porque são as duas figuras que mais contribuíram para que a Igreja fosse surgindo e, hoje, seja aquilo que é.

Radicalidade de S. Paulo

AE – E apazigua a polémica e discussão entre eles nas comunidades iniciais.

AO – Sim. Eles tiveram momentos de tensão, mas tudo o que S. Paulo diz e escreve nas suas cartas sobre S. Pedro é bastante elogioso. Ele reconhece, plenamente, a primazia de Pedro na Igreja nascente. Não se pode exagerar nas tensões que existiram, mas que se compreendem pela radicalidade com que S. Paulo via e assumia a mensagem cristã.

AE – Era um «guerreiro» evangélico?

AO – Desde que tivesse em perigo o Evangelho – a prioridade absoluta de Jesus Cristo – então ele reagia negativamente. No entanto, ele entregava-se àquele que era conhecido como pedra da Igreja. A prova disso está na ida de S. Paulo a Jerusalém para entregar a sua colecta. Essa viagem deu origem à sua prisão e à sua morte. Ele respeitava e amava profundamente a Igreja na sua totalidade.

AE – Depois deste Ano Paulino, S. Paulo tornar-se-á padroeiro de paróquias nascentes?

AO – Acredito. Não só de igrejas, mas também de outras casas e instituições. Este acontecimento provocou descobertas. Lentamente, S. Paulo tornar-se-á uma figura mais popular.

AE – Com a celebração dos 2000 anos do nascimento de Paulo, os cristãos ficaram também mais ricos geograficamente com as peregrinações aos locais Paulinos.

AO – Esta actividade foi muito «explorada» este ano e com resultados interessantes. Mais do que os lugares que as pessoas visitam – participei em duas peregrinações aos lugares Paulinos – foi a ocasião que estas tiveram para ir lendo e ouvindo textos de S. Paulo ou sobre S. Paulo. Notei interesse nas pessoas de conhecer o que S. Paulo nos deixou. Quanto mais conheciam mais queriam conhecer.

AE – O Sínodo dos Bispos sobre a Palavra também contribuiu para divulgar os escritos de S. Paulo.

AO – O Sínodo já estava programado, mas acabou por inserir-se plenamente, ou melhor, S. Paulo acabou por inserir-se no Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus. Embora – estive lá – as referências a S. Paulo não fossem muitas porque a Palavra de Deus tem dimensões mais alargadas.

S. Paulo e o Santo Cura d´Ars

AE – Depois de um ano dedicado a S. Paulo, Bento XVI proclamou o Ano Sacerdotal. S. Paulo é o modelo de sacerdote?

AO – Paulo foi um apóstolo. Ele próprio, uma vez ou outra, se apresenta com «essa roupa» de sacerdote. Recordo a Carta aos Romanos, no capítulo 15, que fala da sua actividade junto dos gentios com uma linguagem, tipicamente, sacerdotal. Ele continua a ser um modelo para todos os homens.

AE – Mas S. Paulo é muito diferente do Santo Cura d´Ars (João Maria Vianney) que era um simples padre da aldeia. Duas formas diferentes de evangelizar?

AO – Claro, mas complementares. Não podemos esquecer que S. Paulo andava pelo mundo, mas procurou manter sempre este contacto pessoal nas comunidades. A missão que ele recebeu de Jesus Cristo obrigava-o a caminhar. Segundo os «Actos dos Apóstolos», ele passou 18 meses em Corinto e três anos em Éfeso. Nesses sítios, S. Paulo dedicava-se totalmente aquilo que, na linguagem de hoje, é específico de um sacerdote. Neste sentido há uma afinidade muito grande com S. João Maria Vianney. Sem esquecer o amor profundo por Jesus Cristo.

AE – Ao longo do ano foram publicadas algumas obras sobre S. Paulo. Sendo um estudioso desta figura da Igreja, alguma o surpreendeu?

AO – Foram publicadas muitas, mas traduções de obras que já existiam. Compreende-se porque o mundo da investigação deixa-se orientar por outros critérios.

AE – A luz paulina deixou marcas na Igreja portuguesa?

AO – Veremos, mas confesso que houve um interesse redobrado. Fiquei impressionado com o grande número de pessoas que tem participado, na região Oeste do Patriarcado, em encontros periódicos. Noto que S. Paulo está a iluminar muita gente. Quando nos deixamos envolver por ele, já não conseguimos largá-lo.

AE – Isso acontece com D. Anacleto Oliveira porque sempre estudou S. Paulo?

AO – São longos anos de estudo, mas não conheço tudo. Aqui aplica-se o ditado popular: «Quando mais sei, mais sei que não sei». Isto é: o contacto com os escritos de S. Paulo surpreende-me permanentemente. Estamos sempre a descobrir novos aspectos e novas realidades que têm uma actualidade muito grande nos nossos dias.

AE – Se fosse hoje, elaborava o manual «Um ano a caminhar com S. Paulo» de igual forma e com o mesmo conteúdo?

AO – Não iria mudar nada de especial. Talvez exprimir um pensamento ou outro de forma mais clara. Reconheço que ele foi escrito muito à pressão, mas o esquema genérico mantê-lo-ia.

AE – S. Paulo «prende» o leitor?

AO –  A Segunda Carta aos Coríntios tem textos admiráveis. Textos com paixão e intensidade que não deixam nenhum leitor atento neutro.

AE – Nota-se que tem uma paixão paulina. Irá sentir saudades depois do encerramento deste ano Paulino?

AO – Não ficarei com saudades porque irei continuar a aprofundar os textos de S. Paulo. Mais do que saudades, ficarei com mais entusiasmo para me dedicar ao estudo daquilo que S. Paulo nos deixou.

AE – Depois do Ano Paulino será que teremos um Ano Petrino ou Ano Joanino? Uma forma de divulgar os textos bíblicos…

AO – Em Lisboa, está definido que os próximos três anos serão dedicados à Palavra de Deus. Espero que as pessoas tenham tomado o gosto pela Palavra de Deus.

Europa necessita de reler S. Paulo

AE – Com esta crise mundial, um S. Paulo contemporâneo dava jeito?

AO – (Risos)…. S. Paulo não podia resolver os problemas económicos, mas resolvia os problemas dos valores. A sociedade europeia – que nasceu muito de S. Paulo – necessitava de escutar a palavra de S. Paulo. Quando as pessoas olharem para o cristianismo de forma mais positiva e mais realista deverão reconhecer que S. Paulo foi dos maiores fundadores da Europa. Teve um contributo enorme na unificação da Europa, mas é uma figura com dimensão universal.

AE – Ao longo deste ano, quantas conferências fez sobre S. Paulo?

AO – Não sei, mas fiz umas boas dezenas.

AE – De Norte a Sul do país?

AO – Sim. O mais a Norte foi na diocese de Bragança e o mais a Sul na diocese de Beja. No entanto, a maior parte das minhas intervenções foram no centro do país. Senti dinamismo em todos os locais onde estive.

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