Rezar por novas vocações

Homilia do Bispo do Porto na Missa das Ordenações Amados irmãos, caríssimos ordinandos: – Como ressoam fortes e persuasivas aos nossos ouvidos e corações as palavras da profecia de Isaías! Como ganham oportunidade redobrada, no mundo actual e na vida destes dias, em tão esperado reencontro, em tão urgente sentido para a vida de cada um, para a própria vida do mundo… “Porque assim fala o Senhor: ‘[…] Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros’”. Como precisamos todos, meus irmãos, como precisa o mundo, deste reencontro prometido. Esperava-o o povo antigo na sua pátria renascida. Mas sabemos como essa experiência histórica se tornou promessa de salvação para qualquer tempo e circunstância, plenificada que foi na Páscoa de Cristo, que incluiu a nossa humanidade na Jerusalém definitiva da comunhão com Deus: aqui se alegra o nosso coração; aqui reflorescemos sem secura. Desta realidade definitiva é a nossa Igreja sacramento, por isso mesmo santa, para isso apostólica. Inaugura-a Cristo no vigor do Espírito, que nos congrega para a celebração eucarística e a ordenação de ministros sagrados, no presbiterado e no diaconado. Um percurso vocacional específico os trouxe aqui, religioso ou secular, eclesial em todo o caso. Nas vidas destes irmãos ordinandos, é o próprio Deus que cumpre a sua imensa parte. Ouvimos no Evangelho: “A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. Estes irmãos que acedem às ordens sacras são certamente fruto da oração da Igreja. E podemos dizer que ainda seriam mais e muitos mais, se também maior e mais insistente fosse a nossa oração. Não nos lamentemos, pois. Agradeçamos o que temos e decidamo-nos a pedir o que falta. Deus cumprirá absolutamente a sua parte, para as dioceses e institutos religiosos. Quando a oração pelas vocações sacerdotais e ministeriais, religiosas e missionárias, for uma constante diária em cada crente e comunidade, a Igreja conhecerá uma autêntica Primavera em que “retomarão vigor os nossos membros”, para retomar a profecia de Isaías. Mas a referência de Jesus à seara e aos trabalhadores da seara, coloca-nos de novo no horizonte último das vidas pessoais e da vida do mundo, que é propriamente o da Igreja. Podemos aproximar este trecho de tantos outros em que a Escritura sagrada nos fala da seara, da messe, que importa colher e recolher, concluindo tudo em abraço final. A escolha e o juízo serão de Deus, porque antes já foram de cada um sobre si mesmo; mas o trabalho agora é da Igreja e dos seus ministros, os trabalhadores da seara de Deus. E a esta luz os havemos de entender, especificamente aos ministros ordenados e sagrados. São, efectivamente, os operários da obra derradeira, sinais vivos do último sentido, pregoeiros do anúncio definitivo, incansáveis braços da recolha final e finalizadora. São assim os construtores da Igreja, que isso mesmo significa, como convocação e conclusão. A Igreja não existe como mais uma instituição entre tantas outras que, felizmente, mantêm a sociedade e cumprem a ordem primordial de “dominar a terra”. A Igreja existe como profecia já e realização crescente daquela realidade novíssima em que a caminhada humana se transcende e transfigura, na Páscoa alargada de Cristo. Por isso, mais “desce do Céu” do que se alteia da terra, embora à terra se ofereça como “sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (Gaudium et spes, 1). Mas, para que a Igreja em geral o seja mesmo, como quis o Concílio nesse luminoso passo, necessário é que o sacramento da Ordem a anime e interpele. Na nossa Igreja latina, tal foi sendo acentuado, fazendo confluir no ministério ordenado, especialmente o presbiteral, a condução pastoral e a condição celibatária “por amor do Reino do Céu” (Mt 19, 12), ao modo de Cristo e de Paulo. E que importante é que, quer pela vida ministerial, quer pela vida monástica ou religiosa, quer por algumas vocações laicais de especial consagração, esta afirmação mais intensa e mais explícita das realidades definitivas seja oferecida à Igreja, para que seja de Deus, e ao Mundo, para que não se feche sobre si próprio e não definhe na insignificância. – Que importantes e urgentes se tornam tais vocações, para que ressoe sempre nelas o apelo geral à finalização de todas as coisas em Cristo! – Que importante é manter patente e aberta, como adoração, anúncio e prática, a conclusão viva da oração eucarística: “Por Cristo, com Cristo e em Cristo, a vós Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória”! – Que importantes e urgentes são, para tal, as vidas imediatamente consagradas à honra e à glória de Deus, no sacerdócio e no ministério, nos votos religiosos ou na missão interior e ad gentes! – Que importantes e urgentes são, para activarem e interpelarem a Igreja toda no sentido da realização do mundo em Deus: no pequeno mundo das comunidades concretas; no grande mundo da criação inteira! Caros ordinandos: vós sois hoje, nesta catedral portucalense, o rosto vivo e o coração firme onde tal vocação se constitui em sacramento. Cada um de vós descobriu já e assumiu decerto a convicção de Paulo, que lhe ouvimos há pouco: “Longe de mim gloriar-me a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. Cada um de vós descobriu nessa cruz a verdade das vidas definitivamente entregues e, só assim, definitivamente salvas. Entregues a Deus para a salvação do mundo, próximo ou longínquo. Cada um de vós entendeu também que a vida cristã só acontece na actualidade absoluta da Páscoa de Cristo, onde todas as coisas se renovam e ultimam. Cada um de vós nos diz a todos, aqui e agora, o que Paulo dizia ainda: “O que tem valor é a nova criatura”. Para alastrar no mundo, a nova criação tem hoje, muito particularmente aqui, os vossos nomes e o vosso sim! Sé Catedral do Porto, 8 de Julho de 2007 + Manuel Clemente, Bispo do Porto

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