Responsabilidades laicais na vida da Igreja

O estar «com as mãos na massa» certamente potencia nos leigos uma sensibilidade particular para as questões do mundo «Os fiéis leigos, cuja “vocação e missão na Igreja e no mundo a vinte anos do Concílio Vaticano II” foi tema do Sínodo dos Bispos de 1987, pertencem àquele Povo de Deus que é representado na imagem dos trabalhadores da vinha, de que fala o Evangelho de Mateus: “O Reino dos Céus é semelhante a um proprietário, que saiu muito cedo, a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a vinha” (Mt 20, 1-2). A parábola do Evangelho abre aos nossos olhos a imensa vinha do Senhor e a multidão de pessoas, homens e mulheres, que Ele chama e envia para trabalhar nela. A vinha é o mundo inteiro, que deve ser transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus.» Começa assim a conhecida exortação pós-sinodal Christifideles Laici do Papa João Paulo II sobre vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo. Publicada a 30 de Dezembro de 1988, é a ainda hoje documento de referência para qualquer reflexão sobre esta parte do Povo de Deus a que chamamos os leigos. Parece-me significativa a escolha desta parábola do Evangelho de Mateus para introduzir um documento do Magistério da Igreja sobre os leigos. Precisamente porque os trabalhadores contratados pelo proprietário são imagem de todo o Povo de Deus, chamado e enviado a transformar o mundo (a vinha), é claro o apelo a que todos nós – sacerdotes, religiosos e leigos – nos consideremos igualmente chamados a esta missão. Para falarmos sobre o papel dos leigos hoje, e sobre a sua responsabilidade na vida da Igreja, é imprescindível termos diante de nós esta mesma imagem. Na diversidade de funções e de serviços que cada um dos membros do Povo de Deus é chamado a desempenhar, é imprescindível a consciência de sermos, antes de mais, irmãos e irmãs, unidos pelo mandamento que o Senhor nos deu: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo 13, 34). A Igreja tem hoje esta visão de si: comunhão de pessoas, que abertas à acção do Espírito Santo são testemunho para o mundo. Mas se isto é válido para todo o Povo de Deus, qual é então a vocação específica dos leigos? De que modo colaboram na condução da vida da Igreja? Como devem concretizar a missão de levar Cristo ao mundo? A propósito destas questões vem à mente a recente mensagem do Papa Bento XVI aos bispos portugueses, sobre a Igreja em Portugal. Referindo-se à Igreja como «o corpo de Cristo que abraça a humanidade de todos os tempos e lugares» e recordando que cada um de nós pertence a Cristo «apenas se unido a todos aqueles que se tornaram ou se hão-de tornar Seus», o Papa diz que é Cristo a «realização dos desejos mais profundos e verdadeiros… onde a vida e o ser de cada um encarna o Verbo de Deus». «Indicador concreto dessa encarnação: o transbordar para os outros da vida de Cristo que irrompe em mim». E diz-nos depois como deve ser entendida a comunhão, que sendo a base da vida cristã, é também testemunho e «primeiro anúncio»: «Os elementos essenciais do conceito cristão de “comunhão” encontram-se neste texto da primeira Carta de São João: “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1, 3). Sobressai aqui o ponto de partida da comunhão: está na união de Deus com o homem, que é Cristo em pessoa; o encontro com Cristo cria a comunhão com Ele mesmo e, n’Ele, com o Pai no Espírito Santo. Vemos assim – como escrevi na primeira Encíclica – que, “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa [Jesus Cristo] que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1); a evangelização da pessoa e das comunidades humanas depende, absolutamente, da existência ou não deste encontro com Jesus Cristo.» Temos assim, no início de tudo, um encontro com Jesus Cristo que dá um novo horizonte à vida; uma adesão à comunhão que Ele nos propõe, e que nos torna um só corpo; o deixarmo-nos transformar por Ele, de tal modo que é Ele quem «irrompe» e «transborda» da nossa vida. Parece evidente que uma vida cristã vivida com esta consciência é a base indispensável para descobrir respostas, não só às questões referidas antes, mas também às muitas outras que surgem e continuarão a surgir numa Igreja chamada a viver no tempo, na história. Se hoje se sente a necessidade de compreender qual a vocação específica dos leigos é talvez porque até há bem pouco tempo lhes era pedido que fossem apenas objecto fiel dos cuidados pastorais; no entanto, a visão de si que a Igreja tem hoje não elimina – antes pelo contrário, acresce – a necessidade duma maior atenção dos pastores pelas questões que tocam os leigos, ponta de lança do Povo de Deus numa sociedade em transformação rápida e contínua, que não cessa de questionar a Igreja sobre a sua mensagem e as suas opções de vida. Por outro lado, o estar «com as mãos na massa» certamente potencia nos leigos uma sensibilidade particular para as questões do mundo; é evidente que, para qualquer análise que a Igreja queira fazer sobre estas questões, é determinante o contributo dos leigos. Com o Concílio Vaticano II a Igreja operou uma mudança epocal na visão que tem de si mesma. Hoje, dificilmente alguém põe em causa a eclesiologia de comunhão que caracteriza esta visão. A perspectiva piramidal da Igreja faz parte da sua história, como concepção característica de um tempo que já não é o nosso. Esta é, a meu ver, a questão de fundo. O Povo de Deus – bispos, presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas, leigos e leigas – tem consciência de ser, antes de mais, uma família de irmãos e irmãs, um só corpo que é o corpo do seu Senhor. Estão criadas todas as condições para assumirmos plenamente e vivermos intensamente esta comunhão. Estou certo que, na medida em que o fizermos, encontraremos todas as respostas. Porque aí Ele está presente, ilumina e sugere caminhos a seguir. Dá-se o embate com Ele, vivo em nós e no meio de nós. Voltemos ainda, por um momento, à parábola da vinha. O relato continua com o proprietário a contratar outros trabalhadores, ao longo das várias horas do dia, para irem trabalhar na sua vinha. E ao fim do dia, quando vão receber, os trabalhadores dão-se conta que o proprietário paga ao último, que trabalhou menos tempo, o mesmo ordenado que paga ao primeiro. Estamos sempre a tempo! Benjamim Ferreira, Director do Secretariado Nacional do Apostolado dos Leigos e da Família

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