Repensar a Pastoral da Igreja em Portugal. A reação dum Pároco

Padre Carlos Paes, pároco de S. João de Deus, Lisboa

Um desafio estimulante e irrecusável

Quem, como eu, viveu com entusiasmo as diversas sessões do Congresso Internacional para a Nova Evangelização, nos primeiros anos do milénio, não poderia ficar indiferente ao desafio corajoso da Conferência Episcopal Portuguesa.

Achei que era uma oportunidade a não perder, apesar de a minha experiência me dizer que não seria fácil encontrar condições entre os meus pares, para a profunda análise que tal desafio suporia.

Na verdade, a super ocupação dos pastores numa pastoral de manutenção que só por si lhes toma todo o tempo, e o protagonismo clerical nestas questões, leva-nos a olhar para este desafio como mais uma sobrecarga pastoral, que não se recusa, mas que fica para melhores dias…

Começa aqui, precisamente, a reflexão que devemos fazer. Falando da parte clerical do povo de Deus, entendo que é chegada a altura de passarmos duma conceção piramidal da Igreja (clérigos, religiosos e leigos), a uma conceção sinodal da mesma entendida como o Povo dos Batizados Leigos, Consagrados e Ordenados a trabalhar conjuntamente, na animação cristã da ordem temporal e na edificação do Reino de Deus entre os homens. Só faz sentido falar de batizados ordenados, se a montante houver batizados leigos (a maioria) e consagrados, a dar corpo àquela que, desde Paulo VI até Bento XVI, tem sido referida como a identidade da Igreja: “evan-gelizar”.

A nós, pastores, deve mover-nos a certeza de que não se trata duma missão clerical, para nos sobrecarregar mais, mas da vocação duma nova geração de evangelizadores, que já aí está, e que, como dizia Mons. Fisichella aos nossos Bispos nas suas Jornadas Pastorais de junho, “esperam que alguém os convide”.

 

Refundação da pastoral e não apenas operação cosmética

Já depois de ter publicado a minha resposta à Conferência Episcopal, li na segunda conferência de Mons. Fichella, presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização que “vivemos um tempo de grandes desafios, que influem de modo significativo nos comportamentos de gerações inteiras e que se devem ao facto de estar a terminar uma época e a começar uma nova fase da história da humanidade”. Por isso não basta fazer alguns ajustamentos pastorais, ao estilo duma operação cosmética, mas ter a coragem de rever toda a pastoral em diálogo sinodal com seus agentes, numa palavra, com a comunidade eclesial viva e organicamente articulada.

 

Saltos qualitativos identificados.

Sem pretender esgotar a realidade pastoral em todas as suas vertentes e carismas, identifiquei 14 saltos qualitativos que devemos empreender e que foram genericamente aceites pelas pessoas que, por escrito, responderam ao texto que lhes mandei, nomeadamente sete Bispos.

São estes os saltos qualitativos que proponho: 1. Refundação de toda a nossa pastoral na Palavra de Deus; 2. Passar do protagonismo clerical à participação de todo o Povo de Deus; 3. Acolher e promover a nova geração de evangelizadores; 4. Passar duma mera articulação pastoral, à mobilização de todos os batizados na obra da evangelização; 5. Tomar a família como uma unidade pastoral, a primeira, que configure a «igreja doméstica», como célula de evangelização; 6. Passar da colegialidade piramidal à sinodalidade horizontal; 7. Passar da prioridade da “formação” à prioridade da “iniciação” na missão; 8. Mudar o paradigma da “formação” na preparação dos novos pastores, pelo paradigma evangélico da “iniciação” na mística da evangelização, desperta pelo convívio Jesus e com a sua Palavra; 9. Novo conceito de iniciação cristã, mais abrangente e místico; 10. Novo paradigma de catequese, em que o centro de gravidade deixa de estar nas crianças, para ser colocados nos pais; 11. Passagem duma experiência de fé, entendida como um culto que se pratica, a uma vivência do encontro com Jesus e da integração ativa na comunidade; 12. Passagem duma atividade sociocaritativa, a uma edificação de comunidades eclesiais que assumam a dimensão da «caridade de Cristo que as urge»; 13. Passagem de uma moral que dá prioridade à ética, a uma moral que arranca da vivência mística do encontro com Jesus; 14. Passagem a um novo conceito de Paróquia, como comunidade de batizados a trabalhar conjuntamente sob a batuta do pastor.

Padre Carlos Paes, pároco de S. João de Deus, Lisboa, e autor da brochura ‘Repensar a pastoral da Igreja em Portugal’. A minha resposta ao desafio da Conferência Episcopal Portuguesa (Paulinas, 2ª edição – setembro 2011)

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