Renovar a fé a caminho de Santiago

“E vós quem dizeis que eu sou?” Esta pergunta que Jesus dirigiu aos apóstolos, foi também dirigida aos peregrinos de São Martinho do Vale a caminho de Santiago de Compostela, com chegada marcada para amanhã, dia 11. Estes últimos dias partilhados entre caras que se vão tornando conhecidas, são caminho que os peregrinos trilham na sua fé. Uma fé constantemente posta em causa, tal como os apóstolos que há muitos anos atrás seguiam Jesus. Uma pergunta imposta a quem faz do caminho de Santiago um itinerário na fé. Momentos de constante partilha unem pessoas que inicialmente não se conheciam, mas que hoje, querem marcar hora e lugar para continuarem juntas o caminho da amizade e da fé. Terça feira, dia 7, na eucaristia celebrada entre os peregrinos, cada um preparou o seu cálice. “Não tenham receio de partilhar a mesa. Jesus fê-lo com os seus apóstolos, pessoas que mais tarde o traíram”, pediu o Pe. António Machado a presidir. Celebração repetida esta manhã, no Colégio de La Encarnación, Hijas Auxiliadoras, que acolheram o grupo. A noite ontem foi de festa. O Pe. José Carlos Barroso celebrava 15 anos de Missa Nova, motivo mais que suficiente para o grupo sair todo junto para jantar em Caldas dos Reis. A opção: uma taberna de nome «Múño», já conhecida e ansiada pelos repetentes. O petisco é o prato pedido, mas não um só, vários e variados. A taberna, no centro da cidade, é totalmente ao ar livre e um rio corre à beira dos pés. As árvores e a ponte compõem a paisagem numa frescura que apetece depois do calor do dia. O petisco e o vinho são o convite à descontração e à boa disposição. A noite não terminou sem a passagem obrigatória pelos jardins das Caldas, onde dois leões vomitam água quente desde 1881. É um óptimo local para dar descanso aos pés. Finda a eucaristia da manhã de hoje, dia 10, os peregrinos encetam caminho para a penúltima etapa, num percurso de 20 quilómetros. O percurso é quase todo feito em paisagem natural. Poucos são os vestígios humanos, num caminho que se abre de envolto em bosques centenários. Saindo das caldas dos Reis pela rua empedrada que indica o caminho português. A rua segue paralela à rua principal da vila onde o intenso transito toma conta da manhã. 41.443 quilómetros indica a concha.O percurso desce para o caminho em terra e começa a entrar no campo para, mais à frente, se entrar na floresta. O sol quente do meio dia é entrecortado pela sombra das árvores que cobrem o caminho. Os peregrinos são saudados pelos trabalhadores que no meio do bosque cortam ramos, mas interrompem o trabalho para uma saudação. Se quem caminha dirigir um «Olá» não fica sem resposta. Ao longo da frescura do caminho é possível ouvir o barulho da água que passa em riachos. 37.070….a vida das pessoas locais continua indiferente ao caminho dos peregrinos…tractores na lida dos campos, pessoas que passam pelas estradas de alcatrão que leva o grupo à estrada principal. Um café à beira da estrada é paragem obrigatória. A placa a indicar o local do estabelecimento anuncia logo a possibilidade do carimbo nas credenciais – paragem obrigatória. A atender um casal que simpaticamente saúda os peregrinos. Perguntam onde o grupo vai e indicam faltar apenas 13 quilómetros até à próxima paragem. A acompanhar os carimbos recebe-se um sorriso. “Os incêndios dos últimos anos roubaram muita sombra, antes havia mais”, afirma a senhora por trás do balcão. Algumas palavras mais e segue-s o caminho, em busca de sombra e frescura. Uma senhora na soleira da sua casa enche uma garrafa de água a um peregrino. A simpatia e encorajamento é uma constante. Enceta-se caminho por entre campos de milho e couve e vinhas, acompanhando o estreito caminho em asfalto, que aumenta o calor. 35.588…..atravessa-se a estrada nacional 550…..33.744….vai marcando o rasto dos incêndios diminuindo a sombra e frescura. Entra-se na floresta onde um ribeiro corre em baixo, Seguindo em frente pelo carreiro que sobe e desce pelo meio da floresta encontra-se um alpendre de madeira onde a água passa por baixo dos pés. Local para almoçar e descansar. Lembrando a pergunta que iniciou o dia, o Fábio Faria diz que o caminho é “uma oportunidade para um encontro com Cristo”. Não se pede uma acção evangelizadora, mas “uma interiorização e o cultivo da imagem pessoal que se tem de Deus”. Isso mesmo o traz pela segunda vez ao caminho de Santiago. O convívio, o desporto do caminhar, são uma constante no caminho, a par da vertente cultural que enche o percurso, “este caminho pode mesmo ser um retiro, uma experiência de fé”, porque permite a pausa no dia a dia “para encontrar Deus em diálogo com a natureza”, sublinha. O caminho é difícil, no sentido “físico e emocional” que exige coragem, caso contrário a desistência apresenta-se fácil. O Fábio explica que olhar para a natureza e ver a presença de Deus é uma constante para ele durante o percurso. “Mas exige maturidade, para olhá-la não como apenas observador, mas como cristão”. O encanto pelo caminho e pela natureza, assim como o convívio devem suportar as dificuldades, garantindo o cumprimento do objectivo de caminhar, descobrir-se e chegar a Santiago. 30.546 marca o caminho e corta a conversa e o descanso. O percurso do dia aproxima-se do final. No chão a amarelo pode ler-se “ânimo Padrón a 2 quilómetros”. O encorajamento não só é uma constante entre peregrinos, mas chega de onde menos se espera. Quase a chegar a Padron, segue-se um caminho paralelo, que segue a margem do rio Sar, o mesmo que passa em Santiago. A chegada à pitoresca vila dá-se pelo extenso jardim principal onde as árvores oferecem as sombras e os bancos o descanso. Padrón é uma vila com uma zona arquitectónica antiga, local onde o albergue se encontra. Os repetentes guardam boas recordações deste local e o albergue “é o mais pequeno do caminho, mas é o mais giro”. 44 camas e já estão lotadas. Nada que espante o grupo que se precaveu com as dormidas. A noite será novamente passada em Caldas de Reis – transportados pela carrinha de apoio, o motorista leva esta noite os peregrinos a Caldas para amanhã de manhã os levar de volta a Padrón para o restante percurso -, mas o grupo subiu a rua empedrada para ir conhecer o albergue e carimbar as credenciais. Sentados no chão à entrada da porta, chega um grupo de ciclistas que saúdam. “São portugueses!” Saídos de Ílhavo, Aveiro, na Terça-feira, dia 7, seis homens e uma mulher pedalam até Santiago, onde hoje mesmo tencionam dormir. Apenas uma noite foi passada em albergue – em Tui. “Tantos quilómetros que fazem durante o dia!”, espantam-se alguns. “O pior são os furos e o suor”, diz um ciclista à conversa com os peregrinos. Outro diz ainda que “a subida em calçada romana foi espectacular! Está a ser espectacular”, sublinha entusiasmado. Tempo ainda para entrar na Igreja de Santiago de Padrón, onde no altar se encontra a pedra, onde segundo a lenda, amarraram a barca que transportou o corpo de Santiago. Em Padrón cruzam-se caras que se vão conhecendo no caminho e trocam-se cumprimentos evidenciando uma cumplicidade de quem partilha as dores e até mesmo as bolhas.

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