Redescobrir os Santos

Este ano tive a oportunidade e a graça de redescobrir São Francisco Xavier. Deste santo sabia um pouco como toda a gente: que ao serviço do rei de Portugal, Dom João III, levou a cultura portuguesa para a Índia, sobretudo para Goa, e para o Japão e que, nessas longínquas paragens, baptizava tanta gente que lhe caíam os braços de cansados. Aspectos interessantes mas periféricos, sem grande significado actual nem possibilidade de atrair a admiração. Este ano, porém, chamou-me a atenção que, ao celebrarmos os quinhentos anos do seu nascimento, tantas pessoas se tenham associado e tenha havido tanta movimentação da Igreja e dos governos laicos de Portugal e de Espanha. Estes factos despertaram a minha curiosidade e interesse por conhecer melhor um santo que o desgaste de tantos séculos ainda não deixou esquecer. E concluí que Francisco Xavier foi uma pessoa de grandeza moral e espiritual admirável, afável e feliz, inserido na vida social do seu tempo, humanamente muito dotado e ao mesmo tempo muito humilde, de sangue nobre e simultaneamente próximo e servidor dos mais pobres. A minha admiração e veneração por este santo cresceram. Convenci-me que ele era uma referência de grande actualidade para a vida cristã. Não cabe no âmbito deste artigo contar a vida deste santo. Mas refiro apenas alguns aspectos relevantes. Francisco desde cedo se dedicou ao estudo das humanidades em Paris o­nde foi aluno brilhante e alcançou o grau de Mestre. Ainda jovem, tornou-se professor de filosofia nessa cidade capital da cultura. Mas, além de bom aluno, era igualmente um bom desportista, esbelto de figura, de relação agradável. Tinha uma vida bela, como dizemos nestes casos. No entanto renunciou a tudo e consagrou-se ao serviço de Deus, na Companhia de Jesus, de que foi um dos fundadores com Santo Inácio de Loiola. È nessa qualidade que é escolhido para ir para as missões da Índia. Porque deixou tudo quando tinha uma vida humanamente realizada e bela? Porque descobriu uma beleza mais profunda e mais cativante, a mesma que Santo Agostinho encontrou na sua conversão: “Ó beleza tão antiga e sempre nova, quão tarde te amei”. Descobriu uma sedução maior que as grandezas do mundo, a sedução do evangelho. Os valores do Espírito têm capacidade de sedução em todas as épocas. Mestre Francisco é um sinal dessa sedução. A conversão refinou as suas qualidades naturais de bondade, amabilidade, dedicação aos que dele necessitavam e tornou-o humilde e desprendido dos bens materiais. Muitos dos que com ele privaram deixaram por escrito testemunhos de grande admiração pelo seu constante sorriso, pela dedicação aos mais humildes e sofredores, pela recusa de honras ou privilégios. A conversão de tantos indianos e japoneses ao cristianismo terá sido naturalmente influenciada pela sua afabilidade, boa disposição irradiante, zelo pelo evangelho e serviço aos doentes e humildes. Este exemplo mostra a necessidade de redescobrir os santos como referências actuais para a vida cristã. Às vezes conhecemos deles apenas factos anedóticos e esquisitos que nada significam para vida actual. Ora os santos são as pessoas que mais influenciaram o mundo e continuam ainda hoje a mostrar a força de sedução do evangelho. Procuremos torná-los actuais. Eles são como luzeiros de esperança que, no meio de tantas trevas, iluminam o caminho dos povos e nos fazem acreditar na bondade e na beleza da humanidade. D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém

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