Responsável do Vaticano sublinha necessidade de «levar a sério» cada vítima
Ricardo Perna, da Família Cristã, em serviço para a Agência ECCLESIA
Roma, 01 jul 2022 (Ecclesia) – O padre Hans Zollner, membro da Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores (CPTM), da Santa Sé, considera que a abertura dos arquivos eclesiásticos, no respeito pelas regras, é um sinal positivo para a Igreja e a sociedade.
“Não há nenhuma razão, pelo lado canónico da Igreja, que possa impedir um bispo de colaborar com o Estado ou com a Comissão Independente neste assunto”, refere, em entrevista à ‘Família Cristã’ e Agência ECCLESIA, em Roma.
O responsável destaca que existem “limites”, colocados pela própria legislação civil.
“Não podemos falar de nomes conforme queiramos, porque dentro da União Europeia e em todos os Estados-Membros temos leis que protegem a privacidade das pessoas”, precisa o religioso jesuíta, presidente do Centro para a Proteção de Menores, integrado no Instituto de Psicologia da Universidade Pontifícia Gregoriana (Roma).
O especialista que, nos últimos anos, passou por 70 países, em todos os continentes, para abordar este tema, destaca a ação que tem sido levada a cabo em Portugal, nos últimos anos, perante um tópico “muito difícil de lidar”.
“A Igreja Católica em Portugal está num ponto em que parece querer falar sobre este tópico de forma mais progressiva e mais ativa, o que é muito bom, do meu ponto de vista, porque significa que tiveram coragem e determinação”, afirma o sacerdote jesuíta, que em maio interveio no colóquio sobre ‘Abuso sexual de crianças: Conhecer o passado, cuidar do futuro’.
O padre Hans Zollner sublinha a necessidade de “levar a sério o que cada vítima quer para si”, realçando que “não há uma solução igual para todas”.
Claro que poderá haver um pedido de desculpas mais público e formal, mas isto, como vimos noutras partes do mundo, não resolve o problema para os indivíduos, porque por vezes não se sentem incluídos nestas desculpas gerais”.
O membro da CPTM, criada pelo Papa Francisco, sustenta que as instituições da Igreja devem oferecer a “possibilidade de escuta” a pessoas que não queiram falar com religiosos ou clérigos.
A nível interno, o responsável aponta à seleção de candidatos ao seminário e formação contínua de sacerdotes, para uma “sexualidade madura”.
“O problema dos abusos não surge após a ordenação, surge 15, 20 anos depois da ordenação, quando as pessoas estão cansadas, esgotadas, sozinhas e chegam a um ponto em que as suas necessidades espirituais e emocionais não são preenchidas”, precisa.
O celibato não é um fator, e todos os estudos científicos feitos provam-no, e a homossexualidade também não é um fator em si. Mas podem ser fatores de risco quando as pessoas tentam preencher esses vazios e solidão”.
O padre Hans Zollner assinala a como uma das “principais medidas” de prevenção que a Igreja seja capaz de “cuidar devidamente de abusadores” e “chamar à responsabilidade aqueles que estão no poder”.
“Temos uma nova lei, desde 2019, que fala sobre a responsabilidade dos bispos naquilo que a Igreja espera que sejam as suas funções. Quando virmos que não as cumpriram, então poderá haver uma investigação e consequências canónicas, que poderão chegar à demissão desses bispos”, recorda.
O especialista observa, no entanto, que após a demissão de um sacerdote do Estado clerical, as possibilidades de ação da hierarquia católica ficam muito limitadas.
“A Igreja ainda não pensou muito sobre isso nem investiu muito nisso, porque a sociedade também não o fez. Quando um abusador que é professor, pai de família ou treinador desportivo sai de prisão após três anos, por causa de abusos, quem toma conta deles?”, questiona.
OC
O padre Hans Zollner está ligado à fundação, em 2012, do Centro de Proteção de Menores, passa agora a denominar-se Instituto de Antropologia, na Universidade Pontifícia Gregoriana. “Olho para estes dez anos e fico espantado com tudo o que aconteceu e onde conseguimos chegar. Tivemos imensas conferências internacionais, criámos formações aqui na Universidade Gregoriana, fizemos centenas de workshops e seminários, reunimos com dezenas de conferências episcopais e centenas de congregações religiosas. Muito aconteceu, por um lado, mas muito está na mesma na Igreja em todo o mundo, e temos de perceber que há muito a fazer”, relata. |