Principais causas de pobreza na Guarda são o desemprego, as doenças e a invalidez

Paulo Jorge da Fonseca Neves, da Direcção da Cáritas Diocesana da Guarda, responsável pelo estudo sobre a pobreza na Diocese Paulo Jorge da Fonseca Neves, natural de São Romão, concelho de Seia, é um cristão da Diocese da Guarda que, neste momento, se dedica, de um modo especial, ao Ministério Real da Igreja, ou seja, ao exercício da caridade, no contexto da Cáritas Diocesana da Guarda. Neste sentido, faz parte da Direcção da Cáritas Diocesana desde o ano 2001, num primeiro momento como vogal e, actualmente, como Secretário. As suas funções enquadram-se, enquanto dirigente, num contexto de voluntariado de direcção e, enquanto técnico, encontra-se abrangido por um destacamento do Ministério da Educação, no âmbito de um projecto apresentado pela Cáritas Diocesana da Guarda intitulado “Sala de Estudo Aprender com Alegria”. A Guarda: Coordenou o estudo, apresentado publicamente no dia 1 de Julho, sobre a “Caracterização da Pobreza na área de influência da diocese da Guarda”. Que razões estiveram na origem da sua realização? Paulo Neves: O estudo apresentado no passado dia 1 de Julho é uma acção de um conjunto de dez acções do Projecto “De Mãos Dadas” cuja entidade promotora e executora é a Cáritas Diocesana da Guarda no âmbito do Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social e do Fundo Social Europeu, em que o objectivo global é a promoção da solidariedade comunitária. A acção “Diagnóstico Social” que se traduz neste estudo levado a cabo entre 1 de Março de 2005 e 28 de Fevereiro de 2006 e que agora surge em forma de livro fundamenta-se, de um modo mais específico, na necessidade de localizar as situações de pobreza na área de influência da diocese da Guarda, as causas da pobreza dos casos detectados, e a procura de identificação das respostas sociais existentes, tendo em vista formas de intervenção devidamente fundamentadas. De um modo mais específico, moveu-nos a procura de informação mais adequada, actualizada e o mais possível exaustiva sobre os casos de pobreza da Diocese da Guarda, bem como a procura de uma melhoria da intervenção social com respostas mais adequadas a cada caso. O que pretendemos, em resumo, é dar um contributo devidamente fundamentado, como Igreja, para a erradicação das situações de pobreza vividas, hoje, na área da nossa diocese às quais jamais podemos ficar indiferentes, sob pena de negarmos a nossa identidade cristã. A Guarda: Ficou surpreendido com os resultados? Paulo Neves: De facto, alguns resultados são surpreendentes sendo alguns casos até chocantes por porem a nu a fragilidade extrema dos entrevistados. A afectação, sobretudo, do sexo feminino ao “perfil-tipo” do pobre traçado, em idade activa, com condições de habitação marcadas pela degradação, com dificuldades de acesso ao sistema de saúde e de educação e com rendimentos abaixo do salário mínimo nacional são factores que não deixam de nos surpreender quando considerados isoladamente, quanto mais quando estão associados entre si. De salientar que houve casos que não estivemos à espera de chegar a conclusões ou à elaboração deste livro para intervirmos dada a sua gravidade. Estou a lembrar-me, concretamente, de um senhor que, numa das nossas aldeias, vivia debaixo de uma árvore. Como pode(ría)mos nós dormir descansados?… A Guarda: A que ficam a dever-se os casos de pobreza detectados? Paulo Neves: As principais causas de pobreza dos casos detectados que emanam deste estudo são, por ordem de decrescente de importância: em primeiro lugar, o desemprego, depois, as doenças e, em terceiro lugar, a invalidez. Reparámos que muitas das situações de pobreza são herdadas de gerações anteriores havendo uma certa tendência da sua perpetuação, bem como à associação de vários indicadores concorrentes para essa mesma situação de pobreza entrando-se facilmente no chamado “ciclo vicioso da pobreza” em que, por exemplo, a falta de emprego gera fracos recursos económicos, o que gera, por sua vez, uma certa insatisfação das necessidades básicas, um défice de acesso aos serviços de saúde e de educação, fracas habilitações, dificuldades de emprego e/ou emprego precário, e assim sucessivamente. A Guarda: Agora que o estudo está feito, que medidas são apontadas para ajudar as pessoas mais necessitadas? Paulo Neves: Uma preocupação fundamental deste estudo, como disse atrás, foi precisamente, tendo em conta a realidade “nua e crua” que procurámos conhecer e delimitar, propor, de uma forma fundamentada, formas de intervenção concretas nas situações detectadas no sentido de minorar e/ou excluir o respectivo sofrimento e, muitas vezes, até injustiça subjacentes às mesmas. O capítulo quinto do livro dedica-se à apresentação de algumas formas de intervenção social e respectivas parcerias apresentadas como possíveis. São quinze os vectores de actuação propostos, onde cada qual é enunciado, descrito e onde se diz que intervenientes implica. Assim, desde propostas para a melhoria das condições de habitação, passando pelo empreendorismo, pela criação de um barómetro social da diocese, pela satisfação de necessidades básicas, pelo combate à solidão, pela formação, até à criação de lojas sociais, entre outras, a procura de soluções para as mais variadas situações de pobreza detectadas foi uma preocupação sempre bem presente. Para tentar operacionalizar as propostas apresentadas, além da intervenção que já foi levada a cabo em alguns casos concretos e do livro apresentado no passado dia 1 de Julho, vamos procurar divulgar o mais possível este estudo nas paróquias e nas freguesias da nossa diocese no sentido de dar a conhecer este contributo para que a nível local, com os agentes locais, termos oportunidade de reflectir sobre a realidade social, no sentido de resolver situações que reclamam por dignidade, justiça, igualdade, enfim, humanidade. A Guarda: Que outros projectos tem a Cáritas para ajudar aqueles que mais precisam? Paulo Neves: Sendo a Cáritas Diocesana da Guarda, de acordo com os seus estatutos, “um organismo da Igreja, com erecção canónica pelo Bispo Diocesano” ao qual compete “definir as directrizes a seguir no exercício da acção caritativa; despertar as comunidades para os problemas locais; e fomentar a criação e manutenção de obras e instituições de solidariedade social” há-de necessariamente preocupar-se com a dinamização da Pastoral sócio-caritativa em toda a área que lhe está confiada procurando estar atenta, sobretudo, às situações de marginalidade e de exclusão social conducentes a uma vida sem dignidade que é necessário, como cidadãos e, sobretudo, como cristãos, contrariar. Assim, a par de uma dimensão de assistência que em muitas situações não se pode descurar, a grande preocupação actual da Cáritas centra-se na promoção das pessoas que a ela recorrem. Assim, são vários os projectos que têm procurado dar corpo a esta preocupação. Temos a funcionar um Centro de Apoio à Vida (CAV) que se destina a atender, acompanhar e acolher, grávidas e puérperas em situação de particular vulnerabilidade social, económica e profissional, o qual já acolheu, mais de duas dezenas de mães e crianças; temos o Projecto “De Mãos Dadas” de Apoio ao Desenvolvimento Social e Comunitário para os anos 2005-2007 com dez acções: Diagnóstico Social; “Desafios”; “Vida é VIDA”; “Riqueza da Diferença”; “Conhecer para Agir”; “(Ar)Rumo”; “Mão Amiga”; “Reflexos”; “Re(i)novar”; e, “Ponto de Encontro”, o qual procura promover uma crescente solidariedade inter- comunitária; temos o Projecto “Crescer.Com” iniciado recentemente e que se prolongará até final de 2009 destinado à inserção social, tanto a nível escolar como profissional, de alguns adolescentes e jovens que recorrem à Cáritas; temos o Projecto “Abarca”, desde 2003, que é um espaço de convívio entre pessoas portadoras de deficiência e um grupo de voluntários, que promove actividades que possam ajudar à sua integração na sociedade e ao mesmo tempo aumentar a auto-estima e a descoberta de capacidades; temos, desde Dezembro do ano 2000, através de um acordo com a Segurança Social, o Serviço de Apoio Domiciliário (higiene pessoal e da habitação) a Idosos (SAD) no Jarmelo e aldeias limítrofes, no Concelho da Guarda dispondo, neste momento, de três Ajudantes de Apoio Familiar prestam serviço a vinte e três utentes em sete aldeias; temos o Projecto “Visita Amiga” , o qual tem, desde 2003, como grande objectivo mitigar a solidão de famílias unipessoais, idosas e doentes residentes, sobretudo, na área urbana da Guarda; temos consulta pediátrica na sede da Cáritas Diocesana dada por uma médica de pediatria, aposentada, que faz parte da direcção e que presta este serviço; temos, neste momento, seis grupos sócio-caritativos correspondentes a outras tantas paróquias, os quais, a nível local e contando com a Cáritas Diocesana se aproximam, com mais autoridade, das situações locais de carência; enfim, apesar das nossas limitações, temos vontade de servir a Igreja e a sociedade, isto é, as pessoas que se encontram, sobretudo, em situação de necessidade, mais e melhor. A Guarda: Actualmente, quem é que procura mais a Cáritas Diocesana da Guarda e quais as respostas que são dadas? Paulo Neves: A Cáritas não faz acepção de pessoas. Tenta antes, de acordo com as suas possibilidades, dar resposta a quem dela se acerca ou a quem para ela é encaminhada. Não se limita a estar à espera que as necessidades venham ao seu encontro mas procura, ela própria ir ao encontro das situações de necessidade procurando contrariá-las o mais possível. Neste sentido, desde pessoas com necessidades alimentares e de vestuário, passando por imigrantes com dificuldades, crianças e jovens em risco, idosos, minorias étnicas, desempregados, entre outros, são uma constante no dia a dia da Cáritas. O atendimento social, sobretudo, mas também o atendimento psicológico, com técnicos devidamente preparados para o efeito são a grande resposta para os problemas crescentes e multivariados que se fazem sentir complementados com a colaboração imprescindível de alguns voluntários nas diferentes áreas de intervenção. A Guarda: A Cáritas desenvolve a sua acção em que áreas? Paulo Neves: No que diz respeito às áreas de intervenção da Cáritas Diocesana da Guarda, elas são diversas, destacando-se como objectivo prioritário o apoio às populações mais carenciadas, aos idosos e à infância, em situação de particular vulnerabilidade social. Uma das prioridades definidas na reactivação da Cáritas Diocesana, em 1998, foi precisamente o atendimento social. Inicialmente feito por voluntárias, neste momento está a cargo de uma Técnica Superior de Serviço Social. Num segundo momento o atendimento psicológico também se foi afirmando como uma área de intervenção fundamental. As áreas social e psicológica são, pois, o grande campo de acção da Cáritas procurando estar presente, sobretudo, onde há falta de respostas para os diferentes problemas e/ou outras instituições não podem ou não querem estar. A presença e a proximidade, com marca cristã, às situações de sofrimento ou de exclusão social são condições fundamentais para a justificação da existência da Cáritas. A Guarda: Que parcerias foram instituídas para a prossecução desses objectivos? Paulo Neves: A Cáritas Diocesana da Guarda, no sentido de melhor servir, tem procurado estar atenta ao meio envolvente, no sentido de complementação de esforços conducentes a uma rentabilização de recursos humanos e materiais na área social. Neste sentido estabeleceram-se parcerias com carácter formal e/ou informal com diversas entidades como Centro Distrital da Segurança Social, Câmara Municipal da Guarda, Universidade Da Beira Interior, Instituto Politécnico da Guarda, Agrupamento de Escolas da Área Urbana da Guarda, Instituto de Reinserção Social, Centro de Atendimento a Toxicodependentes da Guarda, Estabelecimento Prisional da Guarda, Instituto Português da Juventude, vários Centros Sociais e Paroquiais, Centro de Emprego e Formação Profissional, Rede Europeia Anti-Pobreza – núcleo da Guarda, Centro Local de Apoio ao Imigrante, Centro Local de Acção Social da Guarda; várias Organizações Não Governamentais, entre outras. Não estamos sós mas vivemos em comunidade. Será como tal que a nossa acção na procura das melhores soluções para os diferentes problemas deve caminhar. Sempre em favor daqueles que reclamam a nossa presença, humana e cristã.

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