Portugal também precisa de um «Átrio dos Gentios»

«É preciso substituir o confronto pelo encontro e diálogo» com os não crentes, salienta padre José Tolentino Mendonça

Lisboa, 25 Mar (Ecclesia) – O responsável pela relação da Igreja católica com a cultura, padre José Tolentino Mendonça, considera que Portugal também precisa de um “Pátio dos Gentios”, designação dada ao novo organismo do Vaticano para o diálogo com os não crentes.

“É necessário introduzir a dinâmica do projecto nas dinâmicas das dioceses, movimentos e realidades eclesiais, porque ele constitui um desafio urgente de abertura e diálogo”, afirmou esta quinta-feira, em declarações à Agência ECCLESIA.

O director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura sublinha que em Portugal se têm realizado experiências concretas, “extremamente fecundas em determinados momentos”, de diálogo entre crentes e não crentes.

Referindo-se ao primeiro encontro internacional da estrutura da Santa Sé, que decorre em Paris, Tolentino Mendonça defende que “é preciso substituir o confronto pelo encontro e diálogo”, ultrapassada que está a “apologética feroz” e a “dessacralização devastadora”.

“O grande desafio é dizer ‘busquemos conjuntamente’: em vez de vivermos numa cultura de acusação mútua e de suspeição recíproca, confiemos uns nos outros, acreditando que os agnósticos, ateus e não crentes também buscam um sentido da vida e têm muito a ensinar aos crentes”.

A espiritualidade dos católicos, por seu lado, pode ser avaliada como “uma experiência humana legítima, aceite e reconhecida fora das fronteiras da crença”, sugere o sacerdote madeirense.

No entender do responsável, as iniciativas que decorrem na capital francesa “são o reflexo do esforço de encontro e diálogo que a Igreja pretende promover com o mundo contemporâneo, onde a presença dos não crentes é uma realidade muito forte”.

Tolentino Mendonça recorda que “o modelo de entendimento da relação da Igreja com o mundo já está estabelecido” desde o Concílio Vaticano II (1962-1965).

“O que falta – salienta – é a ousadia da prática, de uma forma criativa, através das instâncias culturais, que são o elo comum entre crentes e não crentes”, dado que “a gramática cultural” constitui “um lugar de encontro para as grandes procuras humanas”.

“Basta olhar para o programa de Paris para verificar que temos a utilização de linguagens muito diferentes: as conferências e mesas-redondas, mas também as peças de teatro, a música e o audiovisual”, assinala.

Sobre a origem da designação ‘Pátio dos Gentios”, o biblista começa por explicar que o templo de Jerusalém, o espaço cultual mais importante para os judeus ao tempo de Jesus, estava dividido em três áreas principais destinadas aos leigos, sacerdotes e ‘Santo dos Santos’.

“Havia um espaço separado por colunas, e entre elas e o muro exterior encontrava-se o ‘Átrio dos Gentios’, um lugar de silêncio propício à oração e às procuras mais profundas, onde estavam alguns mestres judaicos disponíveis para conversar com não judeus”.

O especialista em hebraico diz que “a imagem do mestre que conversa com os estrangeiros no espaço do templo” traduz a “disponibilidade para a conversa, o caminho comum, a escuta e a aprendizagem” que a Igreja “quer recuperar para relançar uma nova atitude”.

“A Igreja não é apenas ensino; ela também precisa de aprender a verdade do outro, como lembrou Bento XVI no Centro Cultural de Belém” [Lisboa, 12 de Maio de 2010], frisa Tolentino Mendonça.

RM

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