Portugal não pode abandonar Angola

Entrevista a D. António Couto, presidente da Comissão Episcopal das Missões A primeira viagem de Bento XVI a África quer celebrar os 500 anos de evangelização deste continente. Uma viagem marcadamente pastoral mas que não apaga o esquecimento a que o continente africano é votado. D. António Couto, Presidente da Comissão Episcopal das Missões, traça à Agência ECCLESIA a importância de Bento XVI se deslocar a África. Agência ECCLESIA (AE) – Enquanto Presidente da Comissão Episcopal das Missões em Portugal que leitura faz da viagem e do sinal que Bento XVI quer dar ao povo africano? D. António Couto (AC) – Esta é a primeira viagem de Bento XVI a África. O Papa esteve já noutros continentes, e quer agora dar um sinal a África. Uma das tónicas a focar certamente é que, apesar dos problemas, África existe, tem muitas potencialidades e energia. O mundo não pode esquecer África. Enquanto missionários e gente ligada às missões não podemos deixar África ao abandono. Temos grandes responsabilidades. Em especial, nós portugueses que partimos há 500 anos, temos ainda maior responsabilidade para continuar a apoiar e a animar para que o povo viva intensamente o Cristianismo. E devemos também perceber que precisamos ser ajudados pelo povo africano. Devemos deixar-nos contagiar pela doença da criatividade, da energia e do dinamismo que falta neste nosso velho continente. AE – Bento XVI tem o propósito de celebrar os 500 anos de evangelização. Uma evangelização que envolve também os portugueses… AC – Sim, claro. Foram os portugueses que estiveram envolvidos no trabalho de evangelização. Foi uma tarefa com percursos sinuosos, mas notável. Também por isso a Conferência Episcopal Portuguesa foi convidada para estar presente e vai ser representada pelo seu Presidente, D. Jorge Ortiga, que se vai associar a esta festividade em Angola. AE – Está algum momento reservado para o encontro entre Bento XVI e D. Jorge Ortiga? AC – Não. O que está previsto é um encontro com os bispos de Angola e São Tomé e Príncipe (a CEAST), onde D. Jorge Ortiga poderá participar. Está programada para dia 22, uma eucaristia com a presença dos bispos da África austral – International Meeting of Bishops of South and África (Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Lesoto, Namíbia, Botswana, Suazilândia, África do Sul e Zimbabué). AE – A evangelização há 500 anos tem uma configuração diferente da actual. O que importa sublinhar desta evangelização com 500 anos de história? AC – Foi um trabalho de 500 anos com muitas curvas. Começou de forma difícil, porque os primeiros missionários abriram caminhos nunca antes tentados. Na época moderna, a evangelização foi confrontada com a revolução e a Igreja travou uma luta, uma bela luta, intensa e notável (valerá a pena algum dia pegar na documentação que a Conferência Episcopal angolana produziu durante a guerra civil e a luta contra o marxismo) e o povo angolano está fortemente evangelizado. As suas raízes estão profundamente fundadas no Evangelho. E o povo não se deixou enterrar pelo marxismo, que não derrotou a alma do povo angolano, claramente influenciada pelas raízes cristãs. Isso foi importante e não o podemos esquecer. Evidentemente que depois, pós revolução e pós marxismo, a missionação caminhou pela via da justiça, da educação e pelo social, que correspondem a carências profundas dentro da sociedade angolana e a Igreja tem um grande relevo nestas áreas. O papel relevante da Igreja foi de destaque na luta contra o marxismo, mas é também hoje muito relevante na luta pela dignidade do ser humano. E neste momento, a inserção da Igreja dá-se neste último domínio. AE – O que de novo há nas missões? AC – Hoje quem entra em Angola tem de conhecer a cultura. 70% dos angolanos são católicos e isso é uma grande percentagem. Hoje importa a cultura, o campo social, a educação, a saúde também. E por isso, os missionários de hoje não são apenas padres e religiosas. É certo que ainda o são em grande número. As religiosas têm um importante papel em Angola, nas áreas da saúde e da promoção da mulher e acredito que só o futuro dirá o quão importante é o trabalho que elas estão a fazer e até que ponto a Igreja teve uma presença de altíssima craveira, em especial na área feminina. Mas, agora na última fase, devemos destacar o papel que os leigos têm. O seu trabalho na área da educação, formação e saúde tem sido muito considerado e é um passo importante que afecta a moderna missionação. Tem sido muito belo e o seu trabalho está amplamente à vista. AE – Há uma forma diferente de se ser cristão em Angola? Há um cristianismo diferente? AC – Quando a encaramos daqui, a partir da nossa cultura Ocidental e olhamos para África, percebemos uma imensa energia, uma imensa alegria, uma grande vontade de fazer tudo belo. Isso nota-se em muitos jovens. A Igreja africana é jovem, em contraste com a europeia, cheia de vitalidade e criatividade. Por isso, quem vai a África fica apaixonado. Vê-se uma alegria imensa. Quem é cristão mostra-o e isto vem de dentro. Não é um cristianismo envergonhado mas, de facto celebram-no com toda a energia e vitalidade. Isso pega-se a qualquer missionário, padre ou leigo, que passa por lá. Quando se chega à Europa, vê o contrário. Parece que estamos parados. AE – A fonte actual do Cristianismo é África? AC – Também. Actualmente não podemos ignorar nenhuma componente do que é o ecumenismo cristão. Está espalhado pelo mundo e tem uma grande vertente africana, asiática, sul-americana, que oferece coisas novas ao velho Cristianismo europeu. E ganha-se com o encontro da nossa cansada experiência e do novo dinamismo africano, que talvez nos falte neste momento. AE – O que andam a fazer os missionários portugueses? AC – Levam Cristo em todos os domínios, não só o Evangelho, mas a cultura, e mais precisamente, a dignidade do homem e da mulher. Lutam por uma educação universal e ajudam a implementá-la. Não poucas vezes é a Igreja que tem a responsabilidade nas escolas. E na área da saúde também. São domínios onde a sociedade civil faz o que pode, mas não pode por vezes chegar ao interior ou, mesmo em contextos urbanos, onde a sociedade civil não entra, os missionários, religiosos e leigos, têm uma grande contributo para que o ser humano se sinta melhor na sua dignidade. Há também uma grande luta no domínio da saúde infantil e junto das mães, para que a taxa de mortalidade infantil diminua. Isto sem esquecer o trabalho pastoral nas igrejas. Há um trabalho mais intenso que na Europa, de presença nas ruas, nas casa, nas cidades. Aqui não se nota, só nas igrejas. AE – A Igreja em Angola é matriarcal? AC – Não é matriarcal, mas a mulher tem uma grande importância na família e na sociedade. É a mulher que trata das crianças e é ela que tem também um grande papel na luta contra a mortalidade infantil. Há um grande esforço para alcançar a higiene básica, as condições sanitárias, a saúde. Todas as pessoas precisam de ser formadas e educadas e isso ainda não está completo. AE – Poderá haver um aproveitamento político para esta viagem do Papa. É um ano eleitoral importante para Angola… AC – Só daqui a algum tempo é que poderemos fazer essas leituras. O objectivo é pastoral e o Papa quer celebrar os 500 anos de evangelização e preparar o Sínodo dos Bispos africano. Mas, nestes momentos, pode estar associados outros motivos. Bento XVI não deixará de estar com o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e terá também um encontro com as autoridades civis e diplomáticas representadas em Luanda. O Papa não poderá passar à margem do que é a sociedade civil angolana. Poderá ser um facto aproveitado, e sobre isso não tenho qualquer ilusão, mas essa não é a intenção do Papa. AE – Mas poderá também ser aproveitado pelo Papa para enviar uma mensagem aos políticos? AC – Isso sim. Penso que aproveitará para chamar os políticos à grande responsabilidade que os políticos têm para conduzir o mundo, neste caso, o africano. Um mundo ainda à margem. Ele chamará a atenção para os direitos humanos e para o Evangelho que representa tudo isto. Sem dúvida que Bento XVI falará sobre os grandes valores do ser humano e da fuga ao relativismo. Um mensagem importante para África porque, ainda mais que noutros continentes, não podemos esqueer os direitos humanos e os valores fundamentais. Os fins fundamentais que o Papa tem lembrado e com certeza irá frisar junto dos políticos e responsáveis civis. AE – Bento XVI habitualmente reserva parte do seu tempo nas viagens apostólicas para estar com os jovens. Esta não será excepção. Especialmente importante dado que a sociedade angolana é muito jovem? AC – O encontro entre o Papa e os jovens tinha de acontecer. África, não só Angola, tem muitos jovens. Saímos deste velho continente onde se encontram muitos idosos, chegamos a África e muitas crianças e jovens correm para nós. Se o Papa não se encontrasse com os jovens, passaria à margem da sociedade angolana. Os jovens vão seguramente encher o Estádio dos Coqueiros, no dia 21, e vão com certeza receber uma mensagem de alegria, entusiasmo, que os chame para o trabalho honesto, atento e empenhado com vista à construção de uma Angola nova e de um mundo novo. AE – Será também uma mensagem para contrariar o descrédito que os jovens têm no futuro? AC – Penso que o Papa irá pegar justamente nesses elementos para mostrar a importância que a juventude tem e o dever de não ficar alheada. Com a criatividade própria dos jovens, com a sua energia e preparação, abrem-se a novas possibilidades às novas gerações.

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