Porto: Solidariedade na Pastoral Universitária

Pe. António Bacelar

Eram tempos diferentes, também no meio académico, aqueles do início da década de ’90. Mas nem por isso isentos de dificuldades, ao nível da própria subsistência de tantos estudantes. Uma certa imersão nesses ambientes – pela missão que me tinha sido confiada de, então a tempo inteiro, “promover, dinamizar e coordenar a Pastoral Universitária”, na Diocese do Porto – depressa mas tinha feito conhecer.

Eram sobretudo (mas não exclusivamente) estudantes naturais dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Muitos vindos de lá diretamente, tantos outros de países do antigo “Bloco de Leste” ora, respetivamente, para iniciar estudos universitários, ora para os concluir e obter um grau académico “ocidental”. Tinham na maior parte das vezes uma qualquer bolsa de estudo mas cujo direito depressa se perdia face a uma reprovação que as enormes mudanças culturais, linguísticas, afetivas e familiares, climáticas, do próprio percurso escolar… tornavam mais do que provável, dando início, depois, a quase intermináveis ciclos de insucesso (por exemplo trabalhar para sobreviver mas como o trabalho não conseguir estudar). 

Mas não tardaram também a aparecer casos de estudantes portugueses (e mais tarde de outros países europeus participantes nos programas Erasmus) surpreendidos, sobretudo, por circunstâncias imprevistas a que os respetivos serviços tinham alguma dificuldade em dar resposta célere.

Num primeiro impulso a tentação era a mesma dos discípulos de Jesus: mandá-los às aldeias vizinhas… aos respetivos serviços e, porventura, denunciar injustiças, silêncios, lentidões… Mas aquele dai-lhe vós de comer continuava a ecoar. Eram também escassos os cinco pães e dois peixes (algumas primeiras ofertas, sobretudo de professores) mas não era válida ainda a promessa do dai e dar-se-vos-á? – perguntámo-nos.

E assim, na Celebração de Início de Ano de 1992, nasceu o Fundo de Solidariedade da Pastoral Universitária. Tornou-se imperativo elaborar um pequeno regulamento que assegurasse critérios de justiça e equidade na atribuição das ajudas, definindo também o “campo” de forma a tornar sempre possível a resposta. Eram (e são) elegíveis os casos de emergência de estudantes, então de licenciatura (agora de mestrado integrado) do Ensino Superior, independentemente da origem e desde que a estudar na área da Diocese do Porto. Mas a esta (e a algumas outras regras) decidimos juntar algumas outras mais diretamente inspiradas em critérios evangélicos: a sustentação do Fundo a partir da Providência; o cálculo de cada ajuda segundo a necessidade e, sempre que necessário, com um plano de normalização da própria situação; a resposta a cada pedido encontrada sempre pelo menos por duas pessoas do Secretariado (em ordem a melhor exprimir a sabedoria da comunhão).

Com natural e progressivo crescimento, bem como com diversificação de características (a que não tem sido alheios o grande aumento das propinas, no ensino público, e a sedução conseguida por tantas instituições de ensino privado) são agora mais de sete centenas os casos ajudados em todos estes anos (com mais de 200 mil euros). A gratidão experimentada por este percurso vem não só da recordação de tantos pequenos grandes milagres, quer no percurso de tantos estudantes e na sustentação do próprio Fundo, quer ainda na verdadeira escola em que o Fundo se tornou para quantos se foram empenhando (ou simplesmente aproximando) da Pastoral Universitária no Porto.

Pudemos (podemos) de facto aprender, na prática, que o amor concreto para com cada um pode ir mesmo para além da medida das nossas possibilidades, para ter antes a medida das necessidades de quem é socorrido. Sobretudo quando, já por duas vezes, nos vimos forçados a suspender o Fundo por declarada “falência”, não faltou a resposta da providência divina (de uma ou outra oferta totalmente inesperada) que nos faz pensar que o verdadeiro Amor é muito mais obra do seu autor do que destes seus instrumentos. E esse Autor não tem deixado de nos inspirar quer na multiplicação e diversificação de esforços de ajuda muito para além daqueles monetários (contactos com outras entidades, regularizações de situações, explicações por voluntários, partilha de roupas e alimentos…) quer também na fantasia com que o mesmo fundo vai sendo alimentado não só com ofertas individuais e de pequenos grupos mas com receitas provenientes das mais diversas iniciativas.

E se nos é permitido um balanço, ao fim de todos estes anos, podemos verificar que mais do que um qualquer “apêndice” na Pastoral Universitária no Porto, o seu Fundo de Solidariedade é um contínuo desafio e fonte de inspiração não só por aquilo que diretamente opera mas também por quanto inspira e exprime como partilha e circulação de bens de toda a espécie (também e sobretudo aqueles humanos e culturais) e construção da própria comunidade académica como “comunidade de professores e alunos em busca da Verdade”.

Padre António Bacelar, diretor do Secretariado Diocesano da Pastoral Universitária do Porto

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