Padre Fernando Silva recorda São João Batista «não alinhou com o poder instituído»
Porto, 23 jun 2020 (Ecclesia) – O pároco de Cedofeita, na Diocese do Porto, destaca a “oportunidade” para “redescobrir” o martírio de São João, “em nome da verdade e da família”, num ano em que a festa não se comemora nas ruas por causa da pandemia.
“Esta situação permite-nos redescobrir outra faceta de São João Batista, creio que esta oportunidade vai-nos fazer redescobrir outra valência do santo, o seu martírio que foi feito em nome da verdade, e da família”, disse hoje o sacerdote à Agência ECCLESIA.
O pároco de Cedofeita explica que este ano podem centrar-se “mais a vivência e a reflexão, não nos Evangelhos da infância,” mas, sobretudo, na parte final da vida de São João, “a sua dádiva e martírio em defesa da verdade, e nomeadamente da unicidade da família, e da verdade da família, até se torna interessante redescobrir esse valor”.
“A outra dimensão, a defesa da verdade, não alinhou com o poder instituído, foi capaz de denunciar o crime contra a unicidade e verdade da família, a partir do Herodes a coabitar com a mulher do irmão. Tudo isso é que o levou ao martírio”, desenvolveu sobre a faceta que este ano se deve “mais ainda salvaguardar”.
Neste âmbito, o padre Fernando Silva contextualiza que a “festa popular e da alegria” se situa nos Evangelhos da infância e da circunstância do nascimento de São João, “como aurora dos tempos novos, a grande alegria que gerou não só na sua família, mas nas redondezas, na vizinhança”.
A Câmara Municipal do Porto informa que o São João este ano “não será comemorado, estando proibidos espetáculos e arrais”, há menos transportes e “restrições diversas ao funcionamento de estabelecimentos”, com o acesso a praias e parques “controlado pela polícia”; Medidas da autarquia no contexto da pandemia Covid-19 para a cidade que hoje assinala o “19.º dia consecutivo sem qualquer notificação de infetados com o novo coronavírus”.
“É a primeira vez, desde que me conheço, que não festejarei o São João nos moldes que é habitual, na rua, com o povo. É uma vivência muito popular, claro com raízes evangélicas; Este ano vai ser de forma bem diferente, creio que as famílias que são residentes no Porto, como a minha, vamos festejá-lo sob o ponto de vista restrito e familiar, com todos os cuidados”, comentou o padre Fernando Silva.
Com 54 anos de idade, o sacerdote que nasceu na Paróquia do Santíssimo Sacramento, “vizinha” de Cedofeita, sublinha que “falta a rua, falta a massa popular” e faltam todas as “expressões demasiadamente conhecidas do martelinho, do alho-porro, os bailaricos”, que “fará grande falta e fará grande diferença não haver, mas o resto estará garantido”.
Neste contexto, assinala que este ano “por feliz” coincidência nesta noite de São João há um “dérbi” na cidade com o jogo de futebol entre o FC Porto e o Boavista Futebol Clube que “possibilitará fazer essa experiência em família”.
Nós somos do Bairro da Boavista, a maior parte da família é do Boavista, e vai ser interessante viver isso em família, claro que é muito diferente poder fazê-lo na cidade e nos moldes habituais em que a festa é realizada. Mas é o possível”.
Pároco da comunidade de Cedofeita desde 2015, recorda que a “grande tradição na cidade do Porto” era o São João em Cedofeita e no Bonfim mas, “há uns anos largos, esta própria tradição popular já se vinha a perder na cidade”.
“Não deixava de ser um momento turístico, inclusive, não deixava de ser um momento na rua com o tradicional fogo na Ponte de D. Luís mas já estava a perder as características primeiras do São João no Porto, nomeadamente em Cedofeita e no Bonfim, as características mais populares, bairristas. Lembro-me de ser miúdo e não haver um único carro nessa noite nas ruas no Porto”, explicou o padre Fernando Silva, sobrinho do historiador e jornalista Germano Silva, investigador das tradições que marcam a cidade do Porto.
No dia 24 de junho, a festa litúrgica no Porto acontece, alternadamente, em São João Novo ou São João da Foz ambas com este santo popular como padroeiro.
João Batista é apresentado como o “precursor” de Cristo; a celebração interliga a dimensão popular dos festejos – festa de solstício com manifestações próprias da religiosidade natural – e a mensagem cristã transmitida pelo santo.
CB/OC