Por uma nova solidariedade

José Domingues Rodrigues, LOC/MTC

Vive-se actualmente em Portugal, por toda a Europa e em muitas outras partes do Mundo uma situação económica e financeira como já há muitas décadas não se via. Eu penso que não vivemos só uma crise económica, mas também uma crise de confiança e de esperança, o que nos leva a uma baixa auto-estima para reagir face às adversidades.

Cultiva-se uma cultura do eu, mesmo que vivamos, por vezes em grupo, estamos sempre situados no eu, que nos leva ao individualismo e ao egoísmo. É muito pouco aquilo que motiva    as pessoas, tendo presente todos os dias as dificuldades criadas pela crise económica.

Concretamente os políticos, os agentes sociais e outros poderes, como a comunicação social, têm sido pouco sérios, pouco honestos, no que dizem e no que fazem.

Ultimamente não se tem respeitado os trabalhadores e as organizações que os representam, pelo facto das suas vozes e pareceres não serem tidos em conta. Em nome de uma maior estabilidade económica impõem-se medidas e esquece-se o diálogo social. É importante que as forças de poder nos ouçam quando decidem. O que se vê é que o povo só conta nas eleições.

Estas são razões muito fortes para que os trabalhadores e o povo em geral se divorcie, se alheie da vida e se desinteresse de participar na procura de alternativas para um novo modelo de desenvolvimento. Não se podem criar hábitos novos nem paradigmas de vida diferente, quando os testemunhos são o contrário do que se diz e se proclama. Globalizaram as nossas vidas sem nos explicarem muito bem o que era e como era. “A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos.” (Caridade na Verdade nº 19)

Penso que o novo modelo de desenvolvimento só é possível se formos capazes de defender o trabalho para todos, dentro da reorganização da sociedade. É o trabalho que é para o homem e não o homem para o trabalho.

O novo modelo de desenvolvimento só é possível se o homem todo for  respeitado na sua dignidade. É importante viver mais em parcerias, para que a economia social possa ser desenvolvida e posta ao serviço das pessoas.

As responsabilidades não são só dos outros, são também dos trabalhadores e das suas organizações representativas.

É importante mudar determinados hábitos e não criar vícios que a sociedade capitalista quer que se criem, por exemplo o consumo exagerado de bens; prejudicando o meio ambiente; construindo cada vez mais indústrias sem perspectiva do bem-estar das pessoas, tendo presente somente o lucro rápido. “O lucro é útil se, como meio, for orientado para um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se a destruir a riqueza e a criar pobreza.” (CV 21)

 O capitalismo neoliberal que nos governa tem de ser contrariado.

Andamos todos a correr demasiado, preocupados com a competição entre uns e outros. A partir do princípio da competitividade não há espaço para a confiança mútua, para alegrar-se com o crescimento do outro. A competitividade destrói, em definitivo as relações humanas e faz que todos sejam vistos como potenciais adversários. Este princípio da globalização trata de impor-se também na educação e na formação das pessoas, em particular das crianças: já não se diz há que ser bom, mas há que ser o primeiro e o melhor.

A luta dos trabalhadores e das suas organizações deve ser sempre na perspectiva de integração de todos, respeitando a sua diversidade e não aumentando ainda mais o fosso entre os que têm e os que não têm.

Não posso aceitar que haja tanta gente a ganhar reformas escandalosas, quando outros não têm que comer. Os equilíbrios são cada vez mais importantes, mas isso só pode acontecer quando, os que ganham e têm muito abdicarem um pouco a favor dos outros. Podem dizer que não é por aí que se resolvem os problemas da economia mas é moralizador, para muitos criarem uma nova motivação.

Não aceito facilmente que sejam os bancos e o poder económico a dizer como é que devem ser os financiamentos das dívidas existentes. Lembremo-nos que os bancos foram ao estado pedir suporte para encherem os seus cofres, e agora ainda dificultam os empréstimos às pequenas empresas.

Os poderes querem fazer crer que o modelo actual é o único que nos pode levar a bom porto, mas estou convencido que há outros caminhos para que seja possível um desenvolvimento mais justo e solidário, que tenha em conta a dignidade das pessoas e não o lucro desenfreado.

É preciso criar condições dignas de trabalho, para que se possa produzir e só nessa medida se pode pedir responsabilidade aos trabalhadores.

Para mim, que sou cristão, a minha fé deve sustentar que o Projecto que Deus tem para o homem deve levar a um novo modelo de desenvolvimento.

O movimento operário quando acredita, e a história assim o prova, é pioneiro da mudança, através das suas lutas.

Acredite-se ou não, só organizados é possível combater o capital que não tem rosto e as suas injustiças sociais. “O conjunto das mudanças económicas faz com que as organizações sindicais sintam dificuldade em organizar os trabalhadores”. (CV nº25)

Ainda na mesma Encíclica refere-se que: “O peso das ideologias tem sido um factor negativo nas vidas das organizações. A riqueza mundial cresce em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades”.

O Papa Bento XVI, bebendo da Gaudium et Spes nº 63, chama a atenção dos governos para a renovação dos sistemas económicos e sociais, afirmando que o primeiro capital a preservar e valorizar deve ser a pessoa na sua dignidade.

É urgente que se coloque as pessoas em primeiro lugar: “A economia tem necessidade de uma ética para o seu correcto funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa” (Caridade na Verdade nº 45)

Não nos podemos calar face aos senhores que governam e aos que têm o poder, que continuam a fazer o que querem.

É preciso reorganizar a sociedade, para que as assimetrias sejam diminuídas e os meios existentes sejam melhores distribuídos.

 Os cristãos têm deveres acrescidos na defesa de uma sociedade mais justa, a começar pela família como escola de valores. A degradação social leva à desagregação das famílias e os desequilíbrios sociais são ainda maiores.

É necessário construir uma nova solidariedade, aprendendo todos os dias a repartir o que há e não o que sobra. Assim poderemos falar de uma nova ordem mundial.

José Domingues Rodrigues (Vice-Coordenador Nacional da LOC/MTC)

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