Por um Moçambique sem Lepra

A lepra é uma doença que pouco se ouve falar nos nossos dias. Imaginamos mãos e pés sem dedos, faces desfiguradas… e pensamos que já não existe.

Chamo-me Vanda Barnabé e troquei Évora pelas terras quentes de África para partilhar um pouco da minha vida com os leprosos e este povo. Estive 24 meses junto dos doentes de lepra, no distrito rural que envolve a cidade de Nampula, ao Norte de Moçambique. Fui voluntária através da Associação Portuguesa Amigos de Raoul Follereau (APARF) e estive a exercer a minha profissão de enfermeira em favor destes doentes.

Desenvolvi actividades em nome da APARF numa parceria com os serviços de saúde locais, colaborando estreitamente com o Programa Nacional de Controlo de Tuberculose e Lepra (PNCTL), nas suas actividades junto dos doentes de lepra e de tuberculose.

Partia cedo para o mato, na companhia do Enfermeiro Supervisor Distrital do PNCTL, na visita diária a um dos cerca de 30 a 35 locais, entre Centros, Postos de Saúde e Postos de Distribuição de Medicamentos (os vulgares Alpendres, feitos apenas de capim e canas de bambo), que visitávamos mensalmente e onde os doentes de lepra confirmados e os doentes suspeitos se concentravam para nos receber.

Os acessos até estes locais nem sempre eram os melhores. A maioria das picadas (as estradas de terra batida) apresentavam obstáculos como buracos, valetas, areia, troncos, riachos… sendo também frequentados por condutores de bicicleta (o transporte mais usado pelo povo), animais, pessoas, motos, chapas (os autocarros)… pelo que era necessário atenção e alguma destreza manual. Muitas vezes para se chegar a um local demorava-se bastante tempo a percorrer poucos quilómetros, mas compensava ao ver que os doentes esperavam, persistentes, a nossa chegada.

A minha acção como voluntária e enfermeira era de supervisionar e auxiliar o enfermeiro da unidade sanitária visitada, na sua actividade junto dos doentes de lepra. Iniciavam-se os trabalhos com a ajuda do voluntário do PNCTL que traduzia de makhua (o dialecto falado pela maioria da população na província de Nampula) para português tudo o que se falava com os doentes. Estes eram observados para fazer o possível diagnóstico da doença; reavaliados motora e sensitivamente, a nível dos principais troncos nervosos periféricos que são mais afectados pela doença de lepra. Do mesmo modo, eram também observados com especial atenção olhos, mãos e pés, para despistar possíveis zonas insensíveis que mais tarde poderiam desenvolver feridas, bastante complicadas de tratar e curar, devido à falta de sensibilidade que a lepra provoca.

Para além do medicamento gratuito que recebiam, a APARF, na minha pessoa, distribuía alguns géneros, que podem parecer coisas sem importância mas que ali são bens de primeira necessidade, como barras de sabão, sacos de sal, mantas, calçado adaptado às deformidades dos doentes, pão, roupa, outros medicamentos, … sorrisos e palavras de incentivo, que ajudavam a motivar para regressar no próximo mês ao mesmo local para nova concentração e nova visita.

O trabalho que realizei junto destes doentes alargou a minha visão sobre a doença de lepra e sobre o mundo em que vivemos. Pelo facto de ser enfermeira e poder assim realizar voluntariado na mesma área profissional foi uma experiência muito rica e interessante para mim. Senti-me útil por partilhar conhecimentos e experiência mas sinto que ganhei muito mais do que partilhei e ofereci aos leprosos nestes 24 meses de voluntariado.

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