Pelo reconhecimento dos Direitos Humanos dos Imigrantes Irregulares

Comissão Nacional Justiça e Paz 1. A existência de um número muito importante de imigrantes irregulares a viver na Europa e em Portugal é uma realidade. Não há estatísticas exactas sobre o volume de imigrantes irregulares, ou seja, os nacionais de terceiros estados ou apátridas, que não possuem um documento válido, autorizando a sua estadia no país. As estimativas existentes apontam, na Europa, para várias centenas de milhar, senão milhões, de imigrantes irregulares. Em Portugal, a realização das regularizações extraordinárias permitiu ficar a conhecer melhor esta realidade, que chegou a assumir uma grande relevância, tendo em conta o volume de pessoas cobertas por aquelas regularizações. Sabe-se, porém, que continuam a residir, entre nós, muitos imigrantes em situação irregular, sendo também possível acontecer que, imigrantes em posição regular, passem a situação irregular, devido a procedimentos administrativos morosos, desconhecimento da lei, perda do emprego, e outros factores. 2. As pressões para a imigração relacionam-se com a incapacidade da globalização criar novas oportunidades de trabalho nos locais onde as pessoas vivem, ao mesmo tempo que se acentuam as disparidades de rendimento e de padrões de vida. Frequentemente a imigração não resulta de uma livre escolha, como deveria ser, mas de uma verdadeira luta pela sobrevivência. É este o quadro em que se situa o fenómeno da imigração irregular. 3. São várias as circunstâncias que levam a situações de irregularidade, sendo necessário encontrar respostas para estas situações. Hoje, acredita-se que elas têm origem no fracasso das políticas de imigração seguidas desde há vários anos, sendo também de assinalar a acção do tráfico de pessoas. Entretanto, mantêm-se, quando não se acentuaram, as desigualdades económicas entre o Norte e o Sul, para além das guerras, conflitos, violação dos direitos humanos, desastres naturais e outras razões, que levam as pessoas a procurar condições de vida mais dignas, na ausência ou grande precariedade destas condições nos países de origem. Ora, combater a imigração irregular na Europa deveria levar, antes de mais, a lutar contra as causas das migrações forçadas, já que ninguém deixa o seu país sem razão. Por outro lado, é preciso reconhecer que as migrações foram e continuam a ser uma oportunidade para as economias europeias. A imigração tem enriquecido a sociedade portuguesa, tanto no aspecto económico como cultural e pode contribuir para o desenvolvimento dos países de origem, se for também acompanhada por uma eficaz política de ajuda ao desenvolvimento. 4. Todos os anos, milhares de imigrantes morrem ou são sujeitos a graves violações dos direitos humanos, ao tentarem aceder e trabalhar nos países de trânsito ou de destino. Um olhar sobre a situação dos imigrantes revela que muitos governos, empregadores e outros actores da sociedade civil não estão a cumprir com as suas obrigações e responsabilidades para com os imigrantes, particularmente os irregulares. Eles estão muitas vezes sujeitos á exploração do seu trabalho, a abusos e a falta de protecção no acesso ao alojamento, cuidados de saúde, justiça e educação dos filhos. Acresce que se arriscam a ser detidos ou expulsos para os seus países, no caso de se queixarem às autoridades. 5. O debate sobre a imigração tem contudo prestado muito pouca atenção à questão dos direitos humanos dos imigrantes, em contradição com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma que “Todos os seres humanos nasceram livres e iguais em dignidade e direitos, São dotados de razão e consciência e devem actuar uns com os outros em espírito de irmandade”. Daí que devam ser garantidas condições de vida que respeitem a dignidade humana a todos, incluindo o exercício de direitos básicos, independentemente da sua situação. A defesa e o reconhecimento dos direitos humanos dos imigrantes irregulares ganham, assim, uma importância fundamental na condução das políticas de imigração. Estes direitos estão relacionados com a integridade física e moral dos seres humanos e com a sua liberdade: o direito à vida, o direito a não serem sujeitos a tortura ou a tratamento desumano e degradante, o direito a não estarem sujeitos à escravidão ou servidão, os direitos familiares, o direito à segurança e liberdade e contra as detenções arbitrárias. Estes direitos estão reflectidos na Mensagem Evangélica e na Doutrina Social da Igreja. Para que se tornem efectivos, é necessário o empenhamento dos governos dos países de origem e de destino, das autoridades locais, dos empregadores, dos próprios migrantes e da sociedade civil. 6. É certo que a generalidade dos países europeus e, também Portugal, subscreveram e ratificaram algumas das Convenções Internacionais sobre os Direitos Humanos. Ora, mesmo quando as leis internacionais prevêem derrogações e restrições aos direitos humanos, alguns deles são considerados inalienáveis e impõem obrigações incondicionais aos Estados, que não os podem recusar a pessoas em situação irregular. Particularmente relevantes, nesta matéria, são a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos, onde estão contemplados alguns dos direitos fundamentais dos imigrantes irregulares. Existem também Convenções Internacionais de Protecção dos Migrantes, tendo designadamente Portugal ratificado as Convenções nº 97 (1949) e 143 (1975) da OIT. No entanto, porque as migrações são um fenómeno complexo, que cobre várias dimensões, torna-se necessário um corpo coerente de legislação internacional sobre as migrações, que reúna, aperfeiçoe e complemente as obrigações até agora dispersas por vários instrumentos, e que tenha em conta os desenvolvimentos recentes, designadamente o que está a acontecer com os fluxos migratórios em direcção à Europa. Daí a importância da Convenção das Nações Unidas sobre a Protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias, que entrou em vigor em 2003, mas que não foi ratificada por nenhum Estado Europeu, à excepção da Bósnia Herzegovina e da Turquia (só assinatura, mas não a ratificação). Desde 2003 que têm vindo a verificar-se, tanto a nível internacional, como nacional, campanhas e apelos aos governos, com vista à ratificação desta Convenção. Mais recentemente, reconhecendo que não existe um único instrumento internacional que se ocupe especificamente da protecção dos imigrantes irregulares e que são incertos os direitos mínimos que lhes são reconhecidos, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou, em 27 de Junho de 2006, a Resolução 1755, sobre o Direitos Humanos dos Migrantes Irregulares, que terá que ser apresentada à aprovação do Comité de Ministros do mesmo Conselho, sendo importante que os vários Estados Membros se pronunciem a favor da adopção da Resolução. 7. A Conferência Europeia das Comissões Nacionais Justiça e Paz entendeu, na sequência das campanhas que têm sido desenvolvidas por várias organizações da sociedade civil, apelar mais uma vez aos governos, no sentido da adopção daqueles dois documento e, dessa forma contribuir para a construção de uma Europa mais justa e mais consciente das suas responsabilidades em relação aos países do Sul. A Comissão Nacional Justiça e Paz de Portugal está empenhada nesta acção, em conjunto com as restantes Comissões europeias. Trata-se de mais uma campanha a favor dos direitos dos imigrantes, que vem ao encontro dos esforços já desenvolvidos por muitas ONG portuguesas, com vista à ratificação da Convenção das Nações Unidas. Esta actuação é tanto mais pertinente quanto Portugal se rege por uma Constituição baseada na dignidade da pessoa humana e que aplica a estrangeiros ou apátridas que aqui se encontrem a quase totalidade dos direitos atribuídos aos cidadãos nacionais. Também o Governo pretende ver aprovada uma Lei da Imigração e lançou recentemente um Anteprojecto de Plano de Acção para a Integração dos Imigrantes onde se incluem medidas que se destinam também a imigrantes em situação irregular. Acresce que os temas da imigração constituem uma das prioridades da Presidência Portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007, estando o país em posição privilegiada para fazer propostas aos restantes parceiros, conducentes a uma melhor protecção dos imigrantes irregulares. Ao realizar esta campanha, a Comissão portuguesa não esquece que, para lá da declaração dos direitos humanos, é necessário assegurar a salvaguarda desses direitos na prática, o que supõe um compromisso forte do governo e do Parlamento nesse sentido, designadamente através da adopção dos dois Instrumentos Internacionais em causa. Pretendemos por isso: • Conhecer e dar a conhecer a posição do governo, partidos políticos com representação na Assembleia da República, Confederações Patronais e Sindicais, em relação ao conteúdo dos Instrumentos Internacionais em análise (para o efeito, é lançado um questionário) • Interpelar o Senhor Provedor da Justiça com vista a que seja assegurado o reconhecimento dos direitos humanos dos imigrantes irregulares, em Portugal • Pedir que Portugal adopte, no Conselho de Ministros do Conselho da Europa, a Resolução 1755 e sensibilize os governos dos outros países para que adoptem igualmente a Resolução • Apelar para que seja ratificada, juntamente com os restantes parceiros comunitários, a Convenção das Nações Unidas sobre a Protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias. Associaram-se a esta Acção as seguintes organizações: Amnistia Internacional – Secção Portuguesa, CARITAS, Centro Padre Alves Correia, Comissão Justiça e Paz da Conferência dos Institutos Religiosos, Fundação Evangelização e Culturas, Solidariedade Imigrante, Obra Católica Portuguesa de Migrações Lisboa, 16 de Janeiro de 2007

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