Pastoral Universitária em diálogo

No início de mais um ano académico, o Secretariado Diocesano da Pastoral Universitária no Porto retoma o ciclo de conferências intitulado “Diálogos…”. Este ano o seu tema geral é, como vem sendo hábito, o lema assumido anualmente pela Pastoral Universitária, desta feita “Dar(-se)” e a esse propósito, pretende-se reflectir a aplicação da Doutrina Social da Igreja (DSI) no quotidiano. O primeiro “Diálogo…” ocorreu no passado dia 7 de Novembro pelas 18 horas na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e tinha por título “Dar(-se): uma Doutrina?”. Na mesa estiveram, como orador, o Prof. Doutor Pe. Jorge Cunha (UCP) e, como comentador, o Prof. Doutor Pedro Teixeira (FEP). A intervenção do Prof. Jorge Cunha começou pela leitura de um excerto da colectânea Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen, da história de “Baltasar”. A vida da personagem Baltasar pode assemelhar-se ao percurso da ética social no mundo ocidental: de um período liberal, passando por um período socialista até ao período do sujeito ético. Na sua exposição, o Prof. Jorge Cunha tomou como equivalentes a DSI e a ética social cristã. Assim, começou por buscar as origens da ética social no sentido de situar a DSI e de a distinguir de todas as outras éticas sociais. Aristóteles, filósofo e cientista do séc. I a. C., acreditava que em toda a natureza há uma finalidade e o Bem era o fim de todos os fins – aquele horizonte que todos procuram como fim de tudo, para além das coisas intermédias que todos procuramos. Em S. Tomás de Aquino ainda existia este discurso sobre o fim de todos os fins que deve orientar a conduta e a vida do homem; mas acabou após a Idade Média. Depois, aparecem os Estóicos para os quais existe uma ordem no mundo correspondente a uma Lei Natural. Essa lei está presente no cosmos mas também no espírito humano. Cada homem era um mundo em miniatura, um microcosmos que reflectia o macrocosmos. Com base nisso, fundamenta-se a ética e a própria dignidade do homem, como tal: o homem é sagrado para o homem. Mais tarde, já no século XVIII da nossa era, aparece Immanuel Kant que defendia que não era possível ordenar a sociedade com base numa ordem empírica, como diziam os estóicos, mas devia-se pensar a realidade de modo formal. Kant achava que todos os homens tinham uma razão prática que lhes diz sempre o que é justo e o que é injusto no domínio da moral. Ele considerava esta lei moral universal tão válida como as leis físicas da natureza. Ficou conhecida como o Imperativo Categórico de Kant que pode ser formulado da seguinte forma: devemos tratar os outros homens sempre como um fim em si e não como um meio para qualquer outra coisa. O formalismo de Kant é muito interessante mas pode desvirtuar completamente porque é preciso primeiro saber o que é justo e injusto no domínio da moral. Assim, a DSI introduz um novo factor imprescindível neste caminho da ética social: o frente-a-frente com Deus. A normal moral para o cristão reside no testemunho do Bem que Deus colocou no espírito humano: “Uma sociedade justa pode ser realizada somente no respeito pela dignidade transcendente da pessoa humana. Esta representa o fim último da sociedade, que a ela é ordenada.” (n.º 132 do Compêndio da DSI). Sem renunciar ao formalismo, a ética cristã impõe a caridade. É a caridade que reúne todos os homens e que faz de todos irmãos dos seus semelhantes: “A caridade pressupõe e transcende a justiça: esta última “deve ser completada pela caridade”.” (n.º 206 do Compêndio da DSI). A DSI também trouxe um novo princípio ético regulador dos direitos e deveres do indivíduo, da família e do Estado que é a subsidiariedade. “A subsidiariedade está entre as mais constantes e características directrizes da doutrina social da Igreja, presente desde a primeira grande encíclica social. (…)” (n.º 185 do Compêndio da DSI). Já não se trata de uma ética de sobrevivência como no liberalismo em que apenas se pode diminuir a liberdade ou impor deveres em favor da própria liberdade, nem como no socialismo em que o Estado é omnisciente e programador de toda a sociedade: “Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efectuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores podiam realizar, é uma injustiça.” (n.º 186 do Compêndio da DSI). A DSI não é apenas uma justificação teórica da ética mas decorre muito mais do clamor do Outro. A ética cristã foi também pioneira na utilização do termo globalização. A ideia que existia de que a tecnologia resolveria todos os problemas, e ficaríamos todos em posições similares é hoje comprovadamente errada. É preciso pensar globalmente para resolver os problemas do mundo e a mera existência do progresso tecnológico nada garante a esse respeito. Apesar da DSI, no seu modo sintetizado e compilado, ter partido da iniciativa dos Papas não significa que seja algo de recente nem que eles sejam o sujeito da DSI. Na verdade, a DSI existe desde o tempo de Jesus. É d’Ele, dos seus ensinamentos que surge toda essa doutrina, esse corpo amplo de saber inacabado acerca da defesa do valor do ser humano, da vida, do cosmos. Quanto ao sujeito da DSI, embora tenham sido os diversos Santos Padres que a foram completando e preenchendo, a ética cristã deve ser interpretada, recebida e posta em vigor por todos. Incumbe à sociedade orientar-se pela liberdade, pela responsabilidade que a DSI apresenta como projecto de vida. Após esta exposição da DSI como doutrina, o Prof. Pedro Teixeira começou por evidenciar a dificuldade existente em definir a DSI. Pode ser pensada como discurso da Igreja sobre a realidade humana ou como pensamento social católico. Surgiu como urgência mas poderia pensar-se como algo supérfluo já que apenas vem reafirmar o que já estava dito nos Evangelhos. No entanto, a DSI é muito importante para ajudar a concretizar na realidade histórica essas verdades eternas dos Evangelhos. A DSI distingue-se do capitalismo liberal e do socialismo marxista. Ao nível da criação e distribuição da riqueza, a Igreja não questiona o valor da propriedade privada mas não deixa desaparecer a desresponsabilização dos proprietários: “A doutrina social requer que a propriedade dos bens seja equitativamente acessível a todos, de modo que todos sejam, ao menos em certa medida, proprietários, e exclui o recurso a formas de “domínio comum e promíscuo”.” (n.º 176 do Compêndio da DSI). A subsidiariedade foi também salientada pelo Prof. Pedro Teixeira como um princípio importante que representa um caminho de síntese entre o primado do indivíduo e o primado do Estado. Terminadas as intervenções dos conferencistas convidados, o debate abriu-se ao público que partilhou dúvidas, experiências e modos de pensar a DSI que muito contribuíram para enriquecer este “Diálogo…”. A próxima sessão deste ciclo de “Diálogos…” será no dia 16 de Novembro, pelas 18 horas na Faculdade de Direito da UP subordinado ao tema “Dar(-se)… na política: uma utopia?”. Serão intervenientes o Prof. Doutor Paulo Rangel (UCP) e o Prof. Doutor Paulo Adragão (FDUP). Secretariado Diocesano de Pastoral Universitária

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