Para uma ciência digna do Homem

Intenção Geral do Santo Padre para o Apostolado da Oração – AGOSTO Que os investigadores, no campo científico e tecnológico, acolham as insistentes exortações da Igreja a que usem de maneira sábia e responsável, as descobertas alcançadas. 1. Neste início do séc. XXI, é por demais evidente o poder da ciência e da técnica para transformar a natureza e a vida individual e colectiva dos seres humanos. E porque de um poder se trata – ainda mais sedutor, porque conjuga o fascínio da novidade com a capacidade de «fazer coisas» – é necessário reflectir continuadamente sobre o modo como é usado. Nesta reflexão, importa sobretudo perguntar-se pelo contributo da ciência, e da técnica a ela associada, para a edificação de um mundo onde seja respeitada e promovida a dignidade de cada ser humano e, consequentemente, de toda a criação. É certo que, colocada nestes termos, a questão anterior pode parecer limitadora da ciência, a qual, idealmente, deveria ser deixada a si própria, sem limites – estes apenas teriam lugar na aplicação prática dos avanços científicos. Esta perspectiva, porém, revela-se claramente inadequada. De facto, a investigação científica, em muitos casos, implica uma acção concreta, manipuladora das coisas ou dos seres humanos, não podendo, por isso, furtar-se a uma avaliação ética. 2. Toda a investigação científica e consequente aplicação técnica têm implicações na vida humana. Há, no entanto, áreas do saber em que as implicações são mais evidentes e, ao mesmo tempo, mais complexas. Tais áreas são aquelas nas quais o ser humano é o sujeito primeiro e último da investigação e também o destinatário das aplicações técnicas decorrentes da mesma. Estas áreas conheceram, nos últimos anos, progressos sem precedentes, quer no conhecimento e domínio do homem sobre o próprio corpo, quer no desenvolvimento de técnicas tendo em vista a manipulação do mesmo. E, em geral, os avanços registados têm-se revelado de grande alcance na promoção da dignidade humana, permitindo um combate mais eficaz das doenças e uma vida mais longa e de qualidade – infelizmente, uma parte substancial da humanidade acaba por não retirar qualquer proveito deste progresso científico, não tendo sequer acesso a cuidados básicos que já deveriam estar ao alcance de todos. 3. Mas há, também, sinais alarmantes daquilo que a investigação científica aplicada ao homem pode ter de mais desumano, sempre que se desliga das considerações éticas fundamentais. É o caso da investigação sobre os inícios da vida humana. Se, durante anos, a fertilização in vitro e os embriões excedentários que dela resultam constituíram, neste campo, o problema ético por excelência, hoje nada parece deter os investigadores. Os exemplos multiplicam-se: manipulação de embriões excedentários e sua destruição; tentativas de clonagem de seres humanos; cientistas anunciam que conseguiram extrair ovários imaturos de fetos abortados com quatro meses, esperando vir a desenvolver estes tecidos em laboratório até ao estádio em que seria possível retirar óvulos; outros trabalham para conseguir transplantar úteros, como forma de resolver problemas de infertilidade e até para permitir a homens transexuais terem filhos; foi criado em laboratório um embrião humano hermafrodita (metade homem, metade mulher), que posteriormente foi eliminado… 4. A aparente ou real ausência de questionamento ético nas ciências aplicadas ao início da vida humana não se deve apenas aos especialistas que trabalham nesta área. O problema é mais amplo e tem raízes numa cultura que promove como valor supremo a satisfação imediata e sem questionamento do desejo individual, ignorando a responsabilidade ética diante do outro, sobretudo se esse outro é incapaz de se fazer ouvir. Esta cultura elevou o aborto à categoria de direito universal, promovido em campanhas agressivas como manifestação de progresso e sinal de libertação da mulher. Nestas campanhas, considera-se aceitável matar uma criança ainda não nascida, pois não se lhe reconhece o estatuto de ser humano. A partir daqui, tudo quanto se possa fazer com embriões ou fetos será sempre aceitável – e nem se vê como seja possível proibir a manipulação e destruição dos mesmos para fins científicos, quando é legal fazê-lo a pedido da mulher grávida, simplesmente porque esta assim o quer. 5. João Paulo II tem insistentemente alertado para a desumanidade de uma cultura incapaz de reconhecer a dignidade da pessoa humana, desde a sua concepção até à sua morte natural. No âmbito da ciência, as consequências desta cultura começam a ser cada vez mais evidentes. Daí a oportunidade da Intenção confiada pelo Santo Padre à oração dos católicos neste mês de Agosto: que os cientistas «usem de maneira sábia e responsável as descobertas alcançadas» – pois só deste modo o progresso científico contribuirá para tornar o mundo mais habitável e mais digno do homem. Elias Couto

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