Papa em avaliação

Análise de profissionais da comunicação social aos quatro anos de pontificado aborda a principais dimensões da missão assumida por Bento XVI Bento XVI assinala este Domingo quatro anos de pontificado. Para os avaliar, a Agência ECCLESIA ouviu a opinião de jornalistas que, em diferentes órgãos de comunicação social, acompanham a actualidade religiosa nacional e internacional. O último ano do pontificado de Bento XVI, a marca que este Papa deixará na Igreja Católica, a gestão de questões mediáticas e a solidão do Papa são questões analisadas por António Marujo, jornalista do jornal «Público», Henrique Matos, jornalista do programa Ecclesia, e Paulo Agostinho, da Agência Lusa. Politicamente (in)correcto Um Papa em “contraciclo”. Henrique Matos aponta uma pessoa que refuta o “pensamento do politicamente correcto que nos marca os dias, e que gera uma mentalidade incapaz de assumir posições definitivas ou apontar valores como itinerários a seguir”. Bento XVI, afirma, “substituiu as virtudes mediáticas do seu antecessor por uma postura humilde e uma sabedoria vasta e incómoda”. Este último ano de pontificado serviu para sublinhar um estilo e uma estratégia pastoral. Bento XVI opta por fazer “uma pausa na intervenção social e por falar mais ad intra, catequizar, convidar os crentes a um aprofundamento da fé que professam, e que o façam com o coração mas também com a razão”. António Marujo aponta a vontade de aproximação à Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) e a má recepção mediática da viagem a África como dois acontecimentos marcantes deste último ano de pontificado. Este jornalista do «Público» questiona a intenção do Papa de uma “falsa unidade a todo o custo”. “Custa-me entender este desejo obsessivo de unidade com quem há tanto tempo não está, manifestamente, interessado nela. A unidade faz-se na diversidade, sim, mas na aceitação do fundamental do Evangelho. Parece-me que os argumentos da FSSPX têm pouco a ver com esse fundamento”. António Marujo reflecte ainda sobre o que chama ser “uma obsessão”: a recusa do preservativo e dos meios de contracepção “artificiais”, “que ainda se mantém na Igreja apenas porque, no processo de redacção da Humanae Vitae, triunfaram as pressões de alguns cardeais da Cúria sobre o bom senso dos teólogos, médicos e casais que participavam na comissão”. O impacto que causado pelas declarações do Papa remete, segundo António Marujo, para outra questão: “há um preconceito mediático gravíssimo contra Bento XVI. Porque uma coisa é aceitar o preservativo como anticoncepcional, outra é saber se ele resolve o problema da sida em África. E, neste aspecto, há especialistas que dizem que o Papa tem razão”. O jornalista do «Público» recorda ainda as etapas “muito positivas” que foram as viagens aos Estados Unidos e a França, em 2008. “A primeira pelo encontro com as vítimas dos abusos sexuais de membros do clero. A segunda pela reflexão sobre a laicidade, importante reflexão sobre o lugar da Igreja em sociedades democráticas”. Paulo Agostinho esperava deste pontificado a continuidade do “discurso de modernidade” do anterior. Ao contrário, “o discurso cristalizou-se e os sinais de abertura ao mundo têm sido frágeis num momento em que a Igreja mais precisa de estar no mundo”. O jornalista da Lusa é da opinião que no “período de crise, como o que estamos a viver, não sentimos da parte do Papa aquele sinal de esperança de que os católicos e o mundo precisa. Com esse distanciamento face aos problemas, os esforços de muitas comunidades eclesiais e o papel empenhado de muitos católicos acaba por ser ignorado pela maioria dos homens e o progressivo abandono dos crentes acentua-se”. Para a História Para António Marujo, jornalista do jornal «Público», é ainda prematuro analisar a marca que Bento XVI deixa na história da Igreja, apontado no entanto um primeiro traço. “O valor que o Papa dá ao diálogo entre a fé e a razão é um aspecto importante do seu pontificado. Num tempo em que a fé tem de ser cada vez mais esclarecida, deve ser destacado”. Paulo Agostinho acentua também essa prioridade de Bento XVI em “recentrar as preocupações com a fé. Tem-se consolidado muitas questões teológicos essenciais, procurando reduzir ao seu contexto grandes questões mundanas de vivência da fé”. O jornalista da Lusa lamenta, no entanto, que não se façam mais esforços por concretizar o Concílio Vaticano II. “Este Papado, até pelo actual contexto histórico, pode ser uma das últimas grandes oportunidades de um diálogo inter-religioso e ecuménico profícuo”, refere. Henrique Matos afirma que a história mostrará que o pontificado de Bento XVI foi um tempo de “paragem e introspecção”. “Um momento de descoberta do sagrado e da valorização do espiritual numa Igreja que durante décadas se esgotou no assistencialismo”. “Bento XVI é o Papa que convida a sentar e a escutar, que desafia à humildade e propõe o amor como arma poderosa. É um pontificado em que a Igreja reforça a sua dimensão de imutabilidade numa cultura do volátil”. Líder na Cúria Romana Sobre as renovações da Cúria Romana, Henrique Matos aponta uma “internacionalização”, procurando uma representação dos continentes que actualmente são “os pulmões do cristianismo como é o caso da África ou da América”, com uma tónica comum: a da formação teológica. Já António Marujo afirma que a renovação “não se tem notado”. Este jornalista preconiza uma renovação mais “internacional e mais abrangente”. Leigos, teólogos, bispos, responsáveis de movimentos, devem ser chamados a participar nos processos de decisão, adianta o jornalista do «Público, para quem a Igreja “deve ser cada vez mais uma comunhão de comunidades e menos instituição. Paulo Agostinho refere que “a maior parte das renovações reforçam o peso de uma maneira muito especial de ver o mundo – a romana – em vez de se privilegiar quem tem feito um trabalho pastoral activo no mundo. Mas, apesar disso, existem algumas escolhas que me merecem alguma confiança para o futuro”. Pontificado mediático Paulo Agostinho fala em “caos” quando em causa está a avaliação da gestão mediática neste pontificado. Sustentando que “o púlpito de Roma deveria ser um palco tão importante como a Casa Branca ou as Nações Unidas”, o jornalista da lusa refere que “a Igreja tem de saber e querer comunicar com o mundo. Mas isso não está a suceder, seja nas dioceses, seja em Roma. Existe uma arrogância de certeza canónica sobre as questões do mundo que choca depois com os problemas da realidade. E a eficácia argumentativa e de persuasão que a Igreja deveria ter fica apenas reduzida a mais um grupo de pressão ou um lóbi de circunstância. Não há uma estratégia. E a postura pessoal do Papa não ajuda a que este cenário se inverta. É taciturno, reservado. Tudo o contrário daquilo que deve ser um grande comunicador de massas no mundo moderno”. Para Henrique Matos, os meios de comunicação actualmente, olham mais “à forma que ao conteúdo e quando olham para este último, contentam-se com uma parcela, ‘a que mais interessa’, para o sucesso da notícia”. O discurso de Ratisbona, a referência ao preservativo na viagem para África são exemplos recordados pelo jornalista do programa Ecclesia. “A relação da Igreja com a sociedade é um diálogo muito abrangente, que passa em primeiro lugar pela acção do Espírito, pelo testemunho de vida dos cristãos e pelos seus gestos solidários. Bem mais ténue é o impacto gerado pela comunicação social… que por vezes parece arrumar tudo na mesma gaveta, o deslize do Papa e a gafe do ministro, antecipando logo, o fim da religião para o primeiro e a derrota nas eleições para o segundo”, refere. Na gestão da comunicação, António Marujo sustenta a necessidade de promover discursos positivos, que evidenciem o que a Igreja faz, por exemplo na prevenção da SIDA. Isto apesar do “preconceito mediático” que “tende a ignorar estas posições, sobrevalorizando afirmações como aquela do preservativo. Papa sozinho “Um Papa está sempre sozinho. O Vaticano não é uma democracia”. Uma opinião que Paulo Agostinho explica: “a gestão de um aparelho burocrático tão intenso como o de Roma obriga a que qualquer decisão tenha de ser partilhada. Por isso, não acredito que Bento XVI esteja sozinha. O problema é que, seja pelo feitio ou pela falta de colaboradores activos, isso seja uma aparência que para muitos é uma realidade”. António Marujo é da opinião que, “pelo menos, o processo de decisão parece mais solitário. Os cardeais eram chamados semanalmente por João Paulo II e, pelos vistos, isso ainda não aconteceu em quatro anos de pontificado”. A questão principal neste âmbito é, no entanto, “o alargamento dos processos de decisão na Igreja”, sublinha António Marujo. Henrique Matos refere que “não estando com todos, não estará certamente só” e que “o Papa é Bento XVI e muitos ainda o encaram como o Cardeal Ratzinguer”. O jornalista do Programa Ecclesia afirma que “este é um Papa da transição, quererá arrumar a casa para que a próxima escolha do conclave apresente à Igreja alguém mais novo e com a energia para rasgar um caminho mais ousado. Até lá a ponte entre Deus e a Sua Igreja é garantida por Bento XVI que ainda recentemente afirmou ter a agenda demasiado preenchida para que se possa sentir só”.

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Agência ECCLESIA

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