Padre e… Futebolista:

Marco Gil, capitão da equipa de futsal de padres de Portugal Arrancou com a bola do meio-campo, fintou um, dois, três e marcou o melhor golo da carreira. Actualmente tem 33 anos e fez o contrato da sua vida a 20 de Julho de 2003 quando foi ordenado padre por D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga. Em declarações à Agência ECCLESIA, o Pe. Marco Gil relata como consegue conciliar o futebol com a vida de pároco.

Tudo começou na infância. Com os vizinhos jogava na rua, mas o «vício» prolongou-se pela vida fora. "No seminário praticávamos muito desporto e foi uma forma de não esquecer os passos dados na infância". No futebol de rua, os vidros das janelas sofreram com os pontapés na bola. "Por acaso, só aconteceu uma vez" – confessou.

Se fosse jogador de futebol profissional estava no fim da carreira, mas tal não acontece na vida sacerdotal. Na sua terra natal, Lousado, Vila Nova de Famalicão, um padre Comboniano abriu-lhe o caminho vocacional. Com a ajuda de outro sacerdote Pe Constantino de S. Miguel, Caldas de Vizela, "comecei a frequentar o Pré-Seminário". O passo seguinte foi a entrada no Seminário. As dúvidas surgiram e "interrompi por uns anos" – revelou. Mais tarde e depois de amadurecida a questão da vocação sacerdotal, Marco Gil faz um passe certeiro: entra novamente no seminário rumo ao contrato da sua vida.

O futebol é que nunca desapareceu da vida deste sacerdote bracarense. "Joguei futebol federado e tive algumas propostas". Os clubes grandes do futebol português nunca o abordaram. "Andei sempre pelas equipas da região". Como estava a estudar, mentalizou-se que primeiro estava a escola – "primeiro tinha que cumprir os meus objectivos" – e depois "é que vinha o futebol".

Como jogador de futebol "é tecnicamente e tacticamente evoluído". No entanto, considera-se, "no bom sentido, um bocadinho agressivo na forma como abordo o jogo". Com o passar dos anos, sente que este temperamento vai resfriando. "Nunca levei nenhum cartão vermelho" – sublinha.

No rectângulo de jogo de futebol onze jogava a trinco, no meio campo, embora "chegasse – durante duas ou três épocas – a jogar a central". Como o futebol de salão (Futsal) o espaço de jogo é inferior, o padre futebolista desempenha todas as posições excepto a de guarda-redes. "Às vezes no ataque e noutros jogos mais à defesa para aguentar o jogo todo".

Baresi (jogador do Milan da década de 90) e Rui Costa (jogador do Benfica até 2008) foram os seus ídolos no futebol nacional e internacional. Dois jogadores diferentes na ocupação dos espaços. "Admirava o Rui Costa pela forma como conduzia o jogo e o Baresi pela questão táctica" – confidenciou. E acrescenta: "o Baresi era pequeno como eu, mas exprimia o jogo muito bem". Não tem alcunha no futebol, mas, às vezes, os amigos chamam-lhe Baresi. Aqueles que não têm tanta proximidade "tratam-me por padre".

No primeiro ano após a ordenação – "assumi quatro comunidades" -, o padre futebolista tinha o tempo todo controlado. "Os jogos eram às 15horas e tinha Eucaristia às 17h 30m… era na queima para chegar a horas". A condição física já não é a mesma quando tinha vinte e poucos anos. "Começou a ser extremamente difícil conciliar futebol de onze e a vida sacerdotal" – admitiu.

Actualmente, o Pe. Marco Gil é o capitão da selecção portuguesa dos padres que jogam Futsal. É também um dos elementos da equipa da diocese de Braga que praticam este desporto. Este ano, os padres da diocese de Viana do Castelo saborearam a vitória pela quarta vez consecutiva. Como entendido do futebol e praticante da modalidade, o Pe. Marco Gil dá o seu parecer sobre a superioridade da diocese que venceu o «Clericus Cup nacional». "A média de idades da equipa de Braga é superior em relação à selecção de Viana do Castelo" e neste desporto "a idade e a condição física contam muito".

O bispo da diocese, D. Jorge Ortiga, e o Pe. Marco Gil são naturais de Famalicão. "Por acaso cheguei a jogar contra o sobrinho de D. Jorge que era guarda-redes no Brufe" – realça. E garante: "D. Jorge Ortiga nunca nos proibiu de jogar futebol, apenas nos alertava para o cuidado pastoral".  Como chegou à conclusão que não conseguia "tocar dois instrumentos em simultâneo", o sacerdote optou por aquele "pelo qual a minha paixão me seduziu".

Conhece os meandros do futebol e sublinha que "podemos ser bons, mas se não tivermos padrinhos…. (risos) não vamos a lado nenhum". Nunca teve empresário, contudo recebia conselhos de algumas pessoas. O pai deste sacerdote bracarense não era um grande amante do futebol. "Primeiro os estudos e depois o futebol" – recorda.

O mundo do futebol é complexo. "Trabalhas bem, mas se tens uma lesão… vai tudo por água abaixo". Por outro lado – lamenta o Pe. Marco Gil – "há clubes que prometem muito e depois não pagam salários".

No último torneio (Clericus Cup nacional) jogou lesionado, mas a lesão mais grave que teve "foi no menisco e ligamentos e até fui transportado de ambulância". Através de tratamentos recuperou, mas "nunca mais fiquei a 100%". "Dá para este futebol entre amigos" – avança.

Marco Gil é capitão e líder da selecção dos clérigos. Os colegas "escolheram-me e assumi" o estatuto. Reconhece que tem espírito de liderança, embora "trabalhar com sacerdotes não é fácil". E desabafa: "tenho pena de alguns bispos… (risos)". Alguns padres são "evoluídos tecnicamente", porém "falta-lhes apetência para o sentido de sacrifício e do treino".

No seu percurso futebolístico, o Pe. Marco Gil recorda um jogo que lhe correu na perfeição. No jogo da meia-final do campeonato nacional contra a diocese do Porto "estávamos a perder por um a zero e fomos ganhar por dois a um. Acho que joguei bem e marquei os dois golos". No futebol de onze, este sacerdote participou também em duas subidas de divisão pelo Meães (clube da regional de Braga).

Apreciador de bons jogos, o capitão da selecção dos padres é adepto do Benfica. "Sou sócio do Sporting de Braga e simpatizante do Benfica" e "vivo intensamente um jogo de futebol". Não tem nenhuma forma específica para festejar os golos, mas com a intensidade do jogo grita bem alto: gooooooolo.

Já treinou miúdos, mas "é muito complicado". Surgem observações com frequência: "aquele está a jogar há muito tempo" e "aquele não joga porquê?". Uma experiência enriquecedora, mas "difícil e cheia de atritos".

Actualmente, tem quatro paróquias na diocese de Braga e estuda Direito Canónico na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. "Ando sempre a correr" – confessa. Devido aos estudos passa quatro dias na capital, mas tenho "o auxílio dos colegas do meu Arciprestado da Póvoa de Lanhoso".

Em pleno Ano Sacerdotal, o Pe. Marco Gil lamenta que a sociedade não aprecie as outras qualidades dos padres. "Têm dificuldade em reconhecer essas qualidades e ficam admiradas". Ficam estupefactas e questionam: "Os padres também jogam à bola?". E conclui: "o padre não é uma pessoa formatada".

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