Os Migrantes e Refugiados Menores

D. António Vitalino, presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana

Vivemos num mundo da mobilidade, pelos mais diversos motivos. Turismo de lazer e de saúde, cultura, desporto, subsistência, guerras, racismo e a não esquecer o turismo religioso, de que podemos destacar as peregrinações a santuários e locais de devoção. Nestas movimentações a família nem sempre se mantém junta e unida, sendo os idosos e os menores os mais sacrificados.

O Santo Padre dedicou a Mensagem deste ano para o 96º Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados precisamente aos menores, crianças e jovens, alertando para os seus problemas específicos, pois sofrem com a separação da família, cuja estabilidade é muito importante para o crescimento harmonioso e integral, do qual faz parte o despertar para os valores da vida e da pessoa humana, que se transmitem pelo testemunho das pessoas mais próximas, pela linguagem e pela cultura.

Como se costuma dizer, as crianças e os jovens são o futuro de uma sociedade. Ora que futuro será esse, se a sua preparação está minada pela desagregação da família e dos seus membros? Além disso, mais que o futuro da sociedade, interessa que se respeitem os direitos fundamentais da pessoa humana, com atenção especial para as mais débeis, entre elas as crianças, doentes e idosos.

Apesar de termos uma Convenção internacional dos direitos da criança, sabemos como, na prática, amiúde e em muitas partes não se respeitam os seus direitos fundamentais. Os adultos, a sociedade e os Estados programam a sua vida e as suas estruturas quase exclusivamente a partir de si mesmos, do seu bem estar individual, deixando os outros e muito especialmente os mais débeis para últimos nos seus projectos de vida. Embora muitos digam que emigram por causa da família, sobretudo dos filhos, para lhes dar um futuro melhor, no entanto acabam por prejudicá-los ao pensar apenas nos valores financeiros e económicos. Por isso vemos cada vez mais crianças entregues à rua, à delinquência, ao abuso e ao tráfico, à exploração e até mesmo alugadas à mendicidade em favor de adultos, senão mesmo armadas e envolvidas em guerras tribais. Muitas vivem em condições desumanas, sem alimentação conveniente, sem cuidados de saúde, sem higiene e sem casa, sem escola adequada, etc. Que futuro terá esta sociedade que assim despreza os seus cidadãos menores?

Na sua Mensagem o Santo Padre lembra algumas frases evangélicas, que, apesar da sua antiguidade, mantêm plena actualidade, pois interpelam directamente as nossas consciências. Cito apenas esta, atribuída a Jesus Cristo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes (Mt25, 40).

 

A Igreja Portuguesa, por sua vez, dado que desde há muitos anos celebra este Dia Mundial no mês de Agosto, durante uma semana e com uma peregrinação internacional a Fátima, assumiu o tema pontifício, mas com uma característica muito própria: “Com Francisco e Jacinta acolher Cristo nos Migrantes e Refugiados Menores”. Todos conhecemos as figuras dos bem-aventurados Francisco e Jacinta Marto, o seu amor a Jesus, à família, a Nossa Senhora, ao Santo Padre, aos soldados em guerra, aos pecadores por cuja conversão rezavam e se sacrificavam, aos pobres e até aos próprios animais, com quem repartiam a sua escassa merenda. Este amor e compromisso coerente foi-lhes transmitido pela família, pela Igreja e pelas aparições de Nossa Senhora. Aprenderam na sua infância a viver identificados com Deus, os valores evangélicos, os outros. A viver desta maneira aprende-se na família e na familiaridade com a Palavra de Deus, mais a partir do testemunho de Jesus Cristo e dos pais cristãos. Não é o dinheiro, a riqueza material, as estruturas económicas e políticas, que dão testemunho dos valores essenciais para o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, sobretudo da criança. Sendo pobres em relação aos meios de que hoje muitas dispõem, os pastorinhos de Fátima dão-nos o exemplo de crianças realizadas e felizes.

 

Em 2012 celebraremos o 50.º aniversário da criação oficial da Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), que, numa altura em que aumentou o número de emigrantes sobretudo para os países da Europa central, a Igreja organizou estruturas de preparação e acompanhamento, a nível pastoral e social. Noutros continentes, sobretudo na América do Norte, já existiam essas estruturas, implementadas também pela Igreja. Quando começou o reagrupamento familiar nos países de destino, foi à volta das Missões e da Igreja que se pensou também na formação e inserção das crianças na família e na sociedade, organizando-se o ensino da nossa língua, importante para a sua integração na família, e também a catequese. Ficamos deslumbrados com a vida que existe ainda hoje à volta de muitas missões de língua portuguesa. Costumo dizer que a maior paróquia da nossa língua, no que se refere à participação de crianças, não está em Portugal, mas no estrangeiro. Impressiona ver o movimento de crianças e famílias nos espaços da missão portuguesa de Genebra. Cerca de três mil crianças a frequentar a catequese!

Sem poder reproduzir o passado, queremos, nesta peregrinação internacional de 2010, apresentar aos portugueses e ao mundo estas interpelações veementes do Evangelho, da Mensagem do Santo Padre e da situação em Portugal no que se refere aos migrantes e refugiados menores, com o amor, a oração e o testemunho dos bem-aventurados Francisco e Jacinta. Se a presente crise exigir mais moderação nos nossos consumos e estilo de vida, que nunca falte às nossas crianças a comunhão da família, o amor e dedicação dos adultos e da sociedade, para que o futuro deste mundo global seja mais pacífico e coeso.

† António Vitalino, Bispo de Beja e Presidente da CEMH

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