Os Cartuxos regressaram a Évora há 50 anos

Foi em 1960 que sete Cartuxos, entre eles um português, reiniciaram a vida ermítico-cenobítica de contemplação e trabalho na Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli, actualmente único convento em Portugal da Ordem Cartusiana.

Cumprem-se hoje 50 anos sobre o regresso dos Cartuxos a Évora. Foi em 1960 que sete Cartuxos, entre eles um português, reiniciaram a vida eremítico-cenobítica de contemplação e trabalho na Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli, actualmente único convento em Portugal da Ordem Cartusiana.

O regresso dos Cartuxos deve-se à acção do segundo Conde Vil’ Alva, Vasco Maria Eugénio de Almeida, que herdara as ruínas de Santa Maria Scala Coeli. O desejo de restaurar o mosteiro de acordo com os preceitos da ordem cartusiana, leva Vasco Maria Eugénio de Almeida a visitar algumas Cartuxas em Espanha.

Em 1948, já casado com Maria Teresa Ortigão Burnay de Almeida Bello, o Conde Vil’ Alva, acompanhado pela esposa, visitam a Grande Chartreuse, em França, para recolher o máximo de informações e pormenores para que a Cartuxa de Évora fosse o mais semelhante possível às restantes.

O Convento da Cartuxa de Évora
Património com valor histórico, arquitectónico, artístico e espiritual ímpar, o Convento da Cartuxa foi mandado construir por D. Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora, em 1587, para acolher a comunidade religiosa de São Bruno, sendo dedicado à Virgem Maria, sob a denominação “Scala Coeli” – “Escada do Céu”.

O claustro do Convento é o maior de Portugal, com um hectare, e é considerado o mais belo jardim da Ordem, por estar sempre verde.

No seu centro existe um grande tanque com uma fonte de mármore na qual se encontra uma imagem de Nossa Senhora, a Rainha da Cartuxa. Apesar de estar muito perto da cidade, o claustro é imperturbável, sendo apenas invadido pelos passarinhos e pela água do repuxo.  O claustro é o símbolo de Scala Coeli.

Em 1834, os liberais extinguiram as ordens religiosas em Portugal, com um decreto de António de Aguiar. No dia de S. António daquele ano, o corregedor de Évora surgiu à porta do convento, acompanhado pelo Escrivão da Fazenda Nacional, que logo ali fez o inventário dos bens a serem nacionalizados. Os 17 cartuxos de Scala Coeli, mais seis refugiados da Cartuxa do Vale da Misericórdia, foram expulsos.

Depois de ter acolhido o Hospício de Donzelas Pobres de Évora e uma Escola de Agricultura do Estado, o edíficio foi comprado em hasta pública, em 1869, por José Maria Eugénio de Almeida, bisavô de Vasco Maria Eugénio de Almeida.

Meio século de “Ora et Labora”
Neste últimos cinquenta anos, Scala Coeli teve duas etapas, uma mais entregue ao cultivo da quinta e a segunda mais enclausurada no convento, que recomeçou em 1989, também com sete monges.

Apesar do ideal cartusiano ser austero e exigente, Scala Coeli registou, nestes últimos cinquenta anos, uma Comunidade que foi crescendo e multiplicando-se. Foi na Cartuxa de Évora que se prepararam os fundadores de uma nova Cartuxa no Brasil, tendo havido momentos em que viveram mais de 20 monges em Évora.

Ao longo deste meio século, Scala Coeli foi ganhando presença, nome e estima em Évora. Presença espiritual, graças ao famoso sino da meia-noite, e presença material pelo trabalho. No início foi o aviário, que chegou a ser o fornecedor de todos os hotéis e pastelarias da cidade, pelo qual os monges davam testemunho de pobreza e auteridade, respeitando a divisa monástica “Ora et Labora”.

Depois do aviário, veio a exploração pecuária. Conseguindo uma raça charolesa pura, premiada por ter o melhor touro ibérico, os Cartuxos deram na região alentejana exemplo de adaptação e de partilha. Contudo, a exploração agro-pecuária da quinta durante 30 anos, revelou-se um peso excessivo para as observâncias de uma vida destinada principalmente ao culto divino e à contemplação. Em 1989 a Fundação Eugénio de Almeida (FEA), criada pelo Conde de Vil’Alva em 1963, libertou dessa carga a comunidade.

Entretanto, a FEA, com o nome Cartuxa, criou uma marca que é considerada uma das melhores entre os vinhos portugueses. A chamada Adega da Cartuxa, rodeada de vinhas, situa-se em Val Bom, que é uma parte dos 80 hectares do Convento. 300 mil garrafas estagiam durante dois anos nas caves do próprio convento. Nos últimos anos, a FEA criou a marca de vinho Scala Coeli e o azeite Cartuxa.

Actualmente, a Fundação Eugénio de Almeida dá continuidade ao desejo do seu fundador, não só zelando pela manutenção e preservação da Cartuxa de Évora, como promovendo várias iniciativas de âmbito espiritual, cultural e social. Com o objectivo de contribuir para o conhecimento e a preservação deste património espiritual, artístico, histórico e cultural ímpar, a Fundação instituiu um Prémio de Investigação sobre a Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli.

A Ordem Cartusiana
A Ordem Cartusiana foi fundada por São Bruno há mais de 900 anos. Os monges vivem exclusivamente em silêncio, totalmente dedicados à oração e à contemplação.

Os cartuxos não pregam, não ensinam, mas, segundo Pio XI, fazem “muito mais”: oferecem ao Senhor, em favor de todos os homens, uma vida de sacrifício e oração, renúncia e amor, austeridade e recolhimento, silêncio e solidão, trabalho e liturgia, pobreza e obediência, castidade e estabilidade, ascetismo e misticismo: uma existência, enfim, de fidelidade ao Evangelho e de entrega total a Deus.

O fim principal da vida de um cartuxo é a Contemplação e, segundo os Estatutos da Ordem, “aquele que persevera firme na cela e por ela é formado, tende a que todo o conjunto da sua vida se unifique e converta numa constante oração. Mas não poderá entrar neste repouso sem ter-se exercitado no esforço de duro combate (…). Assim, purificado pela paciência, consolado e robustecido pela assídua meditação das Escrituras, e introduzido no profundo de seu coração pela graça do Espírito, poderá já não só servir a Deus, senão também unir-se a Ele”.

O dia a dia na Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli
O convento em si é pobre e simples, mas espaçoso: o claustro, com jardim dum hectare, é o maior de Portugal.

Nele se encontram as celas, onde os cartuxos se consagram a Deus numa vida de oração, na solidão e no silêncio, O dia é dividido em três partes: descanso, oração e trabalho. Deitam-se às 20h30 até às 0h00. Depois rezam até às 3h00, seguindo-se mais três horas e meia de descanso. Às 6h30 levantam-se e rezam até à missa. Entre as 9h e as 17h, é o tempo de trabalho. Às 17h, rezam vésperas, e depois rezam nas celas até ao deitar.

No domingo rezam e almoçam juntos. E uma tarde por semana, saem também juntos para passear pela propriedade.

«In: Jornal a Defesa»

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top