O Túnel de Priscos

Homilia na Missa de Natal de D. Jorge Ortiga

1. Quem visita o Presépio de Priscos, não consegue ficar indiferente à nostalgia dos pormenores, detalhes e precisões históricas que se esbate sobre aquele evento. Após percorrer todo o itinerário do presépio, chega-se à porta de uma gruta que nos oferece a entrada num breve túnel. Passando por aí, o silêncio das paredes e as tonalidades das pedras levam-nos a perder a confiança no andar e a focarmo-nos na luz que advém ao fundo do túnel. Trata-se de uma sensação estranha, perturbadora e inquietante, mas sobretudo de um exercício de fé: porque acreditamos na luz, caminhamos em frente! Assim sendo, já no fim do túnel, encontramos o maior de todos os presentes: a família de Nazaré.

Partindo desta imagem, a dialéctica entre o Advento e o Natal inscreve-se nesta categoria do túnel. Na mensagem para o Advento, partindo da história de Sara, convidei a Arquidiocese a sorrir.[1] Não um sorriso qualquer, mas um sorriso como expressão da confiança e fé em Deus. O Advento é assim este túnel da vida quotidiana, tantas vezes marcada pelo silêncio do desemprego e as tonalidades da pobreza, que nos leva a perder a confiança em viver!

Mas a luz ao fundo do túnel, qual estrela de Belém, cultiva em nós uma esperança de que nem tudo está perdido. O sorriso provocado no Advento recebe agora a sua factura: a alegria da presença do Messias, anunciado outrora pelos profetas.

Graças ao seu nascimento, Deus começa a habitar entre os homens e a contagiar-nos com o seu sonho de paz. Por isso, em vez do nome familiar, o evangelista S. João preferiu chamar-lhe pelo nome profissional (missão): o “Verbo”, isto é, a Palavra através da qual o Pai (Deus) Se dá a conhecer aos homens, fazendo-nos também seus filhos.

Uma vez chegados ao fim do túnel, o Natal, surge então um novo elemento a descobrir na textura do Credo, neste Ano da Fé: Jesus Cristo, filho único de Deus, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nascendo da Virgem Maria.[2]

2. Diz-nos o Papa Bento XVI que “(…) a fé não é a simples aceitação dumas verdades abstractas, mas uma relação íntima com Cristo que nos leva a abrir o nosso coração a este mistério de amor e a viver como pessoas que se sabem amadas por Deus.”[3]

É verdade que alguma comunicação social, menos competente, procurou reduzir o mistério do Natal ao dilema do “ar condicionado” no presépio de Belém.[4] Polémicas à parte, isto revela uma verdade e um desafio sérios aos cristãos: por um lado, a verdade de que o agnosticismo já chegou às nossas casas, onde muitos já não conhecem minimamente a história, a mensagem e a pessoa de Jesus, e por isso alimentam e se deleitam com polémicas ignorantes; por outro, o desafio de que precisamos de conhecer, catequizar e viver, mais do que nunca, a nossa fé que brota da Palavra de Deus.

Há dias, ouvia alguém dizer que, antigamente, eram fundamentais três coisas: aprender a ser (saberes interpretativos), aprender a conhecer (saberes cognitivos) e aprender a fazer (saberes práticos). Porém, hoje creio que falta uma: aprender a conviver (saberes relacionais).

O Natal é, portanto, a consequência da decisão de Deus em se querer relacionar com o ser humano, como regista a Carta aos Hebreus na segunda leitura. A sua proximidade, provocada por um gesto gratuito de amor, não exclui a sua transcendência nem a liberdade humana. Com este Deus, o homem aprende a conviver de um modo diferente: relacionar-se segundo o código do amor.

Aliás, os especialistas forenses dizem que o motivo que levou aquele jovem norte-americano a matar 20 crianças numa escola, na passada semana, deveu-se em grande parte à sua vida solitária.[5] A propósito, o poeta Fernando Pessoa dizia: “amar é cansar-se de estar só”. Daí que tenhamos de recuperar a centralidade da família, como espaço primordial onde o ser humano aprende a relacionar-se segundo o código do amor. E o melhor testemunho que podemos dar da nossa fé é o amor na, com e pela família.[6]

3. Para terminar, a expressão mais pronunciada neste tempo natalício, tornou-se quase uma imposição do status social, que nem sempre traduz a verdade do nosso interior. Sorrir e dizer “Feliz Natal”, a toda a hora e em qualquer circunstância, passou à banalidade linguística.

Nesta Catedral, sinto ser meu dever reconhecer que muitos arquidiocesanos não estão a ter um “Feliz Natal”. A hospedaria do emprego fecha-se e o túnel da pobreza prolonga-se. Por inerência, a instabilidade psicológica agrava-se, a pressão familiar atenua-se e a solidão avizinha-se.

Porque somos ousados, há pequenos gestos, presenças e palavras que inauguram um novo estilo de convivência e que podem realmente produzir um pouco de felicidade em tantos túneis sombrios que se apresentam na nossa vida. Se cada um der o seu contributo, as palavras do salmista concretizar-se-ão e “todos os confins da terra poderão ver a salvação do nosso Deus”.

D. Jorge Ortiga, A.P.

Sé Catedral de Braga, 25 de Dezembro de 2012.

 

[1] Cf. D. Jorge Ortiga, Entre o riso e um sorriso. Mensagem para o Advento 2012.

[2] Cf. D. Jorge Ortiga, Uma janela aberta. Mensagem para o Natal 2012.

[3] Bento XVI, Homilia de 20 de Agosto de 2011.

[4] Bento XVI, A infância de Jesus, 62.

[5] cf. «Revista Sábado», 20 de Dezembro de 2012, 78.

[6] CIC 2225.

 

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