O silencioso problema do crescimento demográfico

Miguel Oliveira Panão, investigador universitário

“Crescei e multiplicai-vos” (Gn 1, 22). Uma sociedade autossustentada a todos os níveis depende da capacidade de se renovar, nomeadamente ao nível da sua população residente. Como podemos assegurar um sistema de segurança social para todos, se não houver no futuro quem o sustente? Há um tempo, com o aumento da idade da reforma assistimos a um fluxo anormal de reformas antecipadas e perguntei-me, quem as sustentará? Bom, a resposta é relativamente simples: as novas gerações. Mas existem?

Após a divulgação da proposta de Orçamento de Estado para 2013, todas as atenções estão centradas sobre os seus aspetos fiscais e económicos, cujas implicações para com o tecido social são enormes. Contudo, o aspeto que dá corpo à sustentabilidade da nossa sociedade permanece silencioso nos debates. Refiro-me ao aspeto demográfico. Se não houver novas gerações que segurem socialmente o nosso futuro, pouco pode valer o esforço que hoje nos é exigido.

Eis o panorama. No Anuário Estatístico de Portugal, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (edição de 2011), a primeira afirmação é: “em 2010 verificou-se uma diminuição da população residente, o que não ocorria desde o início da década de 90.” E mais à frente se percebe que o pouco crescimento ocorrido se deveu em 80% aos contributos da taxa migratória. “O peso da população idosa mantém a tendência crescente, em consequência das tendências de diminuição da fecundidade e de aumento da longevidade.” A proporção de casamentos católicos tem vindo a diminuir desde a década de 1990, os divórcios aumentam e o número de filhos nascidos fora do casamento aumenta a um ritmo não linear. Que retrato social demográfico obtemos a partir destes dados estatísticos? Será esse retrato o indicado para enfrentar os grandes desafios que temos pela frente? Se a população não se renova, e isso pode gerar consequências drásticas no futuro, onde estão os incentivos à natalidade? Quantas preocupações não surgem quando ao pensar em ter mais um filho, pensamos também em como o poderemos sustentar … Será que isso não levará a que os casais comecem a ter medo de ter filhos? Apoia-se a liberdade de não ter filhos (aborto), mas não será mais importante a liberdade de os ter? Será que um olhar diferente sobre a questão demográfica pode servir de inspiração à resolução dos desafios atuais que vivemos?

Estas são apenas algumas das questões que surgem, mas existem tantas outras … é por isso que sedentos de respostas procuramos fontes de sabedoria. Uma dessas fontes de sabedoria podemos encontrar na Doutrina Social da Igreja (DSI), que não se destina somente aos Católicos, mas que existe para inspirar toda a Humanidade.

Em última análise, gerar um filho, e escolher o número de filhos que se gera, compete somente aos esposos (DSI, 234). À sociedade e ao poder político – diria – compete assegurar as condições para que essa decisão ocorra na liberdade, embora sujeita às condições de possibilidade. Talvez o problema resida na forma como entendemos o que são condições de possibilidade. Possibilitar a um casal ter um filho é muito mais do que dar um certo montante de dinheiro por ano. É assegurar que esse filho é gerado na liberdade. Por outras palavras, é assegurar que um casal é livre na escolha de ter um filho. Isso implica emprego, casa, acesso a cuidados de saúde, educação, mas algo mais. O que está em causa ao assegurar a liberdade de ter um filho é a própria dignidade da pessoa humana, ou seja, o valor da pessoa humana (DSI, 483).

Uma política orientada para esse valor, implica estar orientada para aquilo que nos personaliza, isto é, que faz de nós “pessoas”. No âmbito da Doutrina Social da Igreja, o que nos personaliza é a capacidade de relacionar e de gerar relacionamentos. Se pensarmos bem, todas as frentes desta crise que nos afeta devem-se a um défice relacional, ainda antes de um défice financeiro. É tão austero para um “servidor” (significado efetivo de ministro) exigir austeridade, como austero quando austeridade nos é exigida. E creio que não é possível resolver o défice financeiro, sem resolver primeiro (ou simultaneamente) o défice relacional. E porque não exigir relacionalidade como resposta à austeridade? Para “crescer e multiplicar” é preciso relacionar. Penso que não deixa de ser curioso como o silencioso problema do crescimento demográfico pode suscitar a exigência de uma política orientada para os relacionamentos, valorizando a pessoa humana. Os períodos de dificuldade são sempre motores históricos civilizacionais. Quem sabe as novidades que estes reservam…

Miguel Oliveira Panão, Investigador Universitário

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