O regresso da sociedade civil

Ao longo dos últimos anos, os vários governos, maioritários ou minoritários, têm sucessivamente adiado a implantação de reformas, ditas estruturais, dado que implicam custos a curto prazo e benefícios apenas a médio e longo prazo. O imediatismo reinante na sociedade atual favorece este comportamento por parte dos decisores políticos mas alerta-nos para um preocupante défice de exigência por parte dos eleitores. Para os governantes, este é o caminho mais fácil de implementar dado que basta seguir uma politica de facilitismo para garantir o sucesso imediato entre a população. Na prática, esta política traduz-se no abandono efetivo da função de gover-nação, ou seja, de decidir.

O modelo de desenvolvimento económico nas duas últimas décadas assentou, essencialmente, na promoção do mercado imobiliário e de grandes investimentos públicos. É verdade que cabe ao Estado a promoção da eficiência económica e nesse sentido justifica-se a realização de obras públicas que jamais seriam realizadas pela livre iniciativa dos agentes privados. No entanto, esta função só terá eficácia caso exista, em paralelo, um forte empreendorismo na sociedade civil. A lógica implícita no processo é que uma melhor rede de infraestruturas potencia as relações comerciais entre os agentes privados e, consequentemente, estimula o crescimento económico. Assim, o Estado realiza hoje os investimentos no intuito de recuperar o seu valor pela cobrança futura de impostos, gerados naturalmente pelo incremento de atividade económica. Deste argumento rapidamente se pode concluir que o investimento público é uma condição necessária mas não suficiente. Em Portugal frequentemente argumenta-se de forma inversa. Espera-se que o investimento público assuma o papel de condição necessária e suficiente ou seja que tudo resolva, inclusive o problema da falta de iniciativa privada. Na prática, muitos destes investimentos traduzem-se apenas num progressivo processo de empobrecimento coletivo. A inexistência de um forte dinamismo no setor privado faz com que os benefícios expectáveis dos investimentos nunca ocorram, ficando apenas as dívidas para pagar no fim. Neste contexto, assiste-se a um reforço da carga tributária e consequentemente ao atrofiar da pouca iniciativa que ainda subsiste fora do setor público. Não satisfeitos com os resultados alcançados, os decisores políticos voltam a aplicar um pouco mais da mesma receita, o que apenas agrava um pouco mais os problemas do endividamento público e do excessivo peso do estado na economia. Paralelamente, a recorrente necessidade de financiamento do setor público leva a que a banca, por critérios de minimização de risco, opte preferencialmente por este ao invés do financiamento dos pequenos negócios privados. Infelizmente, os últimos tempos encarregaram-se de revelar os vícios inerentes a este raciocinio e o pesado fardo que gerou para todos…

Mas quais as verdadeiras razões para o potenciar desta dinâmica? Tocqueville, já em meados dos século XIX, alertou-nos para o facto de uma das consequências inevitáveis da modernidade ser o pro- gressivo quebrar dos laços comunitários implícitos na sociedade aristocrata. Face a esta nova realidade, o individualismo traduzir-se-ia, a prazo, num crescente materialismo e num progressivo esvaziar da noção de serviço à causa pública, nomeadamente pelos mais capacitados. Aparece desta forma uma ameaça à liberdade individual que a própria demo- cracia potencia – a tirania da maioria. Neste sentido, Tocqueville sugere como um dos possíveis remédios para este problema a existência de uma sociedade civil forte de forma a limitar o poder excessivo do estado contra os cidadãos e a reforçar os elos de solidariedade nas comuni- dades. Parece-me que ao longo dos últimos anos a maioria de nós incorreu no pecado da omissão. Todos nós sabia- mos que “não existem almoços grátis” mas preferimos sonhar com uma nova máxima ou ignorar a realidade. As dificuldades atuais apenas reforçam a necessidade de não voltar a repetir os erros do passado e isso passa pelo regresso efetivo da sociedade civil, como força fiscalizadora dos decisores políticos e atenta às necessidades dos mais caren- ciados. Faço votos para que esta seja uma das várias conclusões a retirar da atual crise que vivemos.

Joaquim Cadete
Professor da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais – UCP

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top