O Natal, convite ao amor à Família

Homilia do Arcebispo de Braga na Missa do Dia de Natal O Natal introduz-nos na família de Nazaré e é aí, dentro desse Lar, que queremos contemplar e compreender o desígnio de Deus, criador e redentor, sobre a verdadeira identidade da família – o que ela é e deve ser – e a sua autêntica missão – o que ela faz e deve fazer. À luz de Belém acolhemos a mensagem da família como “íntima comunhão de vida e de amor” que tentámos traduzir no lema programático da vida diocesana “Família Solidária”. Sabemos, assim, que o ser e o agir da Família só são compreensíveis no amor. A Família de Nazaré é o espaço humano em que se revela o mistério íntimo do nosso Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. O Verbo eterno do Pai, que é a Vida e a Luz dos homens, o Filho gerado, unigénito e primogénito de muitos irmãos, não criado, mas sabedoria criadora de todas as coisas, desceu até nós. Fez-se “carne”, assumiu a nossa condição, na plenitude das suas expressões, “montou a sua tenda” entre nós e, assim, tornou-se companheiro das nossas viagens pelo deserto da procura e do encontro. N’Ele vemos o rosto de Deus, que é Amor e entramos na comunhão impensada duma família divina, o abismo de amor da Santíssima Trindade. Por outro lado, a intimidade de Deus aparece na intimidade de três pessoas, como nós: o menino Jesus, um Pai adoptivo, José, o homem justo e uma mãe, Maria, “cheia de graça”, cumulada das bênçãos celestes, porque “Serva do Senhor”. Esta “trindade” de Belém, de Nazaré é o espelho paradigmático dessa trindade transcendente-imanente do Pai, Filho e Espírito Santo. Nos Céus e na terra acontece o mesmo: três pessoas que vivem para-o-outro, que são porque se dão, que se definem pela relação de amor, que é vida, alegria, júbilo, sentido da liberdade, que é identidade na alteridade. Os altos céus, morada do Altíssimo, representam-se no desconcerto de um presépio, numa gruta de animais. O menino deitado num berço de palhinhas, de feno… é o eterno Filho de Deus! Ó inaudito quadro de humanidade, ó paraíso aguardado pelo coração do mundo e dos homens, ó plenitude dos tempos na noite fria de um dia qualquer numa pequena aldeia de Judá, Belém, mas cidade das promessas feitas a David! O prólogo do Evangelho de João é um hino onde se celebra a Vida dos homens, que acolhendo a Luz no meio das densas trevas da noite, se tornam “filhos de Deus”. Pelo amor “acontece” a vida e a vida para o crente está n’Ele e é a vida que deve tornar-se “luz dos homens”a brilhar no meio das trevas, mesmo que os homens não queiram “recebê-la”. Aqui está a força interior do mistério da Incarnação que o Natal propõe: uma opção pela vida, cuidada em todos os seus pormenores, para que a comunidade dos crentes, através da comunhão familiar, resplandeça qual sinal que propõe itinerários de salvação. Neste milagre de amor e de vida, de luz a brilhar nas trevas, aparece a figura silenciosa e eloquente duma mulher: Maria. No prólogo não encontramos uma única referência explícita a esta mulher. Ela estava lá, todavia. Na verdade, Deus comunica-Se no regaço e no colo de uma mãe. Aí brilhou a luz e continua a brilhar, qual prodígio de permanente Natal, em todas as mães. Esta é a verdadeira dignidade da mulher. Ó Deus de nossos pais, ó Deus de Jesus Cristo, como nos encantas com o teu rosto materno da theotokos e de todas as mães, que admiram a mãe das nossas mães! Como precisamos de Ti, ó Deus, para resgatar o feminino dos labirintos em que uma cultura de morte o aprisionou! Como reconhecemos que só Tu, na família celeste e de Belém, sabes traçar o digno perfil da mulher de que todos nascemos! Esquecer-Te é degradar a beleza feminina no objectivismo de legalidades de conveniência e de estratégias equívocas de uma dita emancipação. Aí está, no presépio, a mulher-mãe e o filho, o pai e os irmãos, todos abraçados pelo Deus que saiu do Seu segredo e do Seu paraíso para gozar da companhia do outro, que é Sua criatura e Seu redimido. Junto ao presépio, entrego ao Menino Jesus, a Sua mãe e a S.José as nossas famílias. E do presépio recebo um itinerário de vida que gostaria de lhes indicar em três palavras: intensificar, revelar e comunicar o amor. Intensificar como processo permanente e trabalho contínuo de todos e entre todos. O amor só existe quando, no momento presente, se concretiza numa variedade de gestos que nenhum programa pode descrever exaustivamente. Poderemos apresentar algumas propostas, mas o Amor está sempre na novidade de algo que nunca foi experimentado cabalmente. Pensar que se atingiu a meta é condenar-se à frustração e ao cansaço. Revelar é a atitude de quem, silenciosamente, vai colocando a “luz” no candelabro para mostrar a beleza de vidas que se entregam graciosa e gratuitamente. Quando parece que todos caminham no egoísmo e que este impera, urge tornar visível um estilo de vida de sentido oposto. Comunicar é a dimensão missionária de quem não reserva para si os tesouros encontrados. O amor, traduzido em gestos e atitudes, deve ser anunciado e proclamado na ousadia de quem acredita que o mundo se transforma com o contributo de cada um. Só deste modo o matrimónio se torna reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade revelado no amor de Cristo pela Igreja, sua Esposa. Só esta visibilidade diz que a família é “célula-base” duma sociedade nova e percurso de santidade e felicidade. Menino de Belém, concede que as nossas famílias trabalhem o seu amor quotidiano numa dedicação sempre nova; permite que os nossos lares, no meio do mundo e silenciosamente, pela sua vida, revelem o amor e a paixão pela vida; dá-nos o dom de casais que, animados pela vivência trinitária do amor, comuniquem, com coragem, a verdade do amor, da vida e da dignidade da mulher. Sei que a resposta ao apelo a um amor fiel, indissolúvel, eterno, tal como Deus no-lo revela na sua Aliança, supõe a coragem de não “adoçar” as palavras do Evangelho tornando-as inofensivas ou inócuas. Trata-se duma permanente revolução cultural de que não devemos ter medo pois sabemos que o futuro da humanidade depende da fidelidade a estes parâmetros. Tenho consciência de que este projecto encerra um modo próprio de pensar, de raciocinar, de interpretar a vida. É uma lógica nova que só poderá ser compreendida na reflexão permanente a partir da doutrina que a Igreja não se cansa de anunciar. Se temos de regressar ao Evangelho, às fontes e raízes da nossa identidade, teremos também de acreditar que a doutrina da Igreja deve ser conhecida nos seus verdadeiros conteúdos. Quando se procuram entender os seus contornos reconhecemos que ela é Boa Nova para este milénio. Para atingir este objectivo, necessitamos que, em cada comunidade paroquial ou interparoquial, apareçam casais com a coragem de parar, de cortar com as actividades correntes, para, em grupo, saborearem o tesouro duma doutrina eclesial que não é conhecida. Com eles a Igreja poderá dispor de mensageiros credíveis, pois falam a partir da vida, para tornar o projecto do matrimónio cristão apetecível e acessível a todos. Ao Menino de Belém peço ainda que nas nossas comunidades apareçam casais que se prontifiquem a comunicar, a dar a conhecer, a traduzir em projectos operativos, o riquíssimo património doutrinal da Igreja expressando deste modo o que o Papa João Paulo II nos pedia na Exortação Familiaris Consortio (nº 86), cujos 25 anos estamos a celebrar: Famílias que amem as famílias: “Amar a família significa saber estimar os seus valores e possibilidades, promovendo-os sempre. Amar a família significa descobrir os perigos e males que a ameaçam, para poder superá-los. Amar a família significa empenhar-se em criar ambiente favorável ao seu desenvolvimento. Finalmente forma eminente de amor, é dar à família cristã actual, muitas vezes tentada por desânimos e angustiada por crescentes dificuldades, razões de confiança em si mesma, nas próprias riquezas que lhe vêm da natureza e da graça, e na missão que Deus lhe confiou”. Neste dia tão solene, na aparente insignificância duma “manjedoira numa gruta de Belém”, gostaria que esta mensagem não fosse como “voz que clama no deserto”. Porque acredito que “a família é esperança da Igreja e do mundo”, como escreveram os Bispos Portugueses, ouso pedir e solicitar aos legisladores e às pessoas responsáveis pela construção dum mundo mais justo que apoiem a família promovendo “políticas de protecção da comunidade familiar” em vez de teimar em percorrer veredas obscuras e sem futuro. A família necessita de políticas positivas que proporcionem a todos os seus membros uma vida verdadeiramente humana. Há muitas vidas no limiar do indigno e do escandaloso. Não querendo encarar os dramas reais e as perplexidades sofridas refugiamo-nos em pseudo-sinais de modernidade. Sejamos realistas. Da parte da Igreja emprestamos a voz aos mais débeis e convidamos a sociedade a reparar em situações inadmissíveis em que muitas famílias apenas sobrevivem. Sejamos os “pastores”, que, contemplando o Menino “envolto em panos numa manjedoura” e ouvindo o canto do anjo e da “multidão do exército celeste” “Glória a Deus nos céus, Paz aos homens na terra”, espalharam esta notícia que causou admiração em todos os que a ouviram. Hoje, a comunicação desta maravilha e a interpretação do canto eterno que une céus e terra, Deus e o homem, sábios vindos do Oriente e pobres guardadores de rebanhos estão-nos confiadas a cada um de nós e à solidariedade nas famílias, com as famílias e entre as famílias. Bom Natal para todos os diocesanos e que o próximo ano testemunhe o Amor Trinitário em todos os lares cristãos. 25 de Dezembro de 2006 + Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Arcebispo Primaz

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