O Missal: tesouro da fé e directório

Padre Carlos Aquino, Diocese do Algarve

O Missal Romano é um dos mais significativos e fundamentais livros litúrgicos. Mas na verdade, ele não é só um livro, é um conjunto de livros que inclui o Antifonário, o Sacramentário, os Ordinários da Missa, os Lecionários. Não é só um guia prático ou um instrumento que contribui para uma mais digna celebração do “Sacramento dos sacramentos”, a Eucaristia. Ele é um “diretório espiritual e pastoral” da própria celebração. Um tesouro que guarda o depósito da fé da Igreja, que ora como acredita, e um caminho mistagógico. O Missal é fruto da auto compreensão da Igreja e do seu mistério, feita de tradição, de teologia e de adaptação às diversas comunidades. A imagem mais bela da Igreja é o povo reunido em assembleia para celebrar a Eucaristia. Não é um povo sem nome e sem rosto. É o Senhor, que nos convoca e une como membros do Corpo de Seu Filho Jesus Cristo Ressuscitado e na força do Espírito Santo. Aí somos revivificados. O Missal resulta e está ao serviço deste encontro. A sua finalidade é sempre a de ajudar à participação “consciente, animada e frutuosa” (cf. SC 11) da Eucaristia, sabendo que toda a Liturgia, particularmente a Eucaristia, constitui a “primeira e necessária fonte onde os fiéis hão-de ir beber o espírito verdadeiramente cristão” (SC 14). Na verdade, a “A Liturgia é o cume para o qual se dirige a atividade da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde provém toda a sua força” (SC 10). O Missal reúne a fé da igreja, povo santo de Deus, nas palavras para a Oração.

O Missal é, pois, o Livro oficial segundo o qual a comunidade cristã celebra a Eucaristia. Compreende um primeiro volume com as orações que são proferidas pelo Presidente, chamado propriamente o Missal, o Livro do altar. E um segundo com as leituras bíblicas que se proclamam ao longo de todo o ano litúrgico, o Lecionário. Recebeu ao longo da história, sobretudo a partir dos séculos V/VI, quando se sentiu necessidade de organizar os livros litúrgicos, diversos nomes: “Sacramentário” (Livro dos textos eucológicos ou orações) e “Oracional”. O Lecionário também foi conhecido como “Comes”, “Liber comitis” ou “Liber commicus”, da palavra “Comes” que significa “secção, passagem, perícope”. Agora chama-se “Ordo Lectionum Missae” (Ordenação das leituras da Missa). Durante vários séculos se uniam num único volume para o altar, tanto as orações como as leituras bíblicas. Assim, mais tarde, nos séculos XII e XIII unificou-se o Livro das orações com o das leituras formando-se os chamados “Missais plenários”. Agora, distingue-se o Missal, que contem as orações e os cantos que dirigimos a Deus na Missa, do Lecionário e do novo livro litúrgico dentro deste chamado “Evangeliário”, valorizando-se assim o proposto pela reforma conciliar: “Para que a mesa da palavra de Deus seja preparada para os fiéis com maior abundância, abram-se mais largamente os tesouros da bíblia” (SC 51).

A primeira edição do Missal Romano de Paulo VI data de 1970, exatamente 400 anos depois da edição do Missal publicado em 1570 por Pio V como consequência da revisão recomendada pelo Concílio de Trento. A “Institutio Introductoria” deu-se a conhecer um ano antes o que levou depois a incluir algumas mudanças significativas na edição oficial de 1970.

Tanto a 1ª edição como a segunda edição de 1975 foram publicadas em Quinta-feira da Ceia do Senhor. A “Institutio Generalis Missalis Romani” (IGMR) para a 3ª edição típica do Missal Romano, que se publicou em 2002 e teve depois em 2008 uma 2ª edição, foi também promulgada no ano 2000 pelo santo Padre João Paulo II a uma Quinta-feira da Ceia do Senhor. Talvez tenha sido esta memória, a motivar a proposta do dia 14 de abril de 2022, Quinta-feira da Ceia do Senhor, para a entrada em vigor do novo Missal em Portugal.

A respeito do Mistério Eucarístico, A Constituição Conciliar “Sacrosanctum Concilium”, no capítulo II, apresentara diretrizes muito concretas para a revisão do Missal (nº 47-58): A busca de uma maior clareza nos textos e ritos (nº 50.56); facilitar a participação ativa dos fiéis (nº 48); preparar para o povo cristão “a mesa da Palavra de Deus com maior abundância”( nº 51); a simplificação de alguns ritos, conservando o essencial e evitando repetições (nº 50); restabelecer outros ritos que se haviam perdido na história como a oração universal, a concelebração, a homilia dominical (nº 52-53.57); abrir a porta para o uso das línguas vivas sem eliminar o latim (nº 54); a recomendação da comunhão sobre as duas espécies (nº 55).

Com esta nova edição assume-se a necessidade de uma renovação na linha de uma sempre viva Tradição, sublinhada pelo próprio Papa Francisco: “(…) podemos afirmar com segurança e com autoridade magisterial que a reforma litúrgica é irreversível” (Discurso aos participantes do Encontro Nacional de liturgia, Roma 24 de Agosto de 2017).

Esta terceira edição portuguesa foi aprovada pela conferência Episcopal Portuguesa no dia 14 de novembro de 2019; validada pelo Papa Francisco a 8 de janeiro de 2021. Recebeu o Decreto da Confirmação pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos a 13 de outubro de 2021.

Esta edição adota o novo acordo ortográfico da língua portuguesa entre os Países lusófonos, agora enriquecida por uma tradução renovada dos textos eucológicos, acolhendo para as antífonas e outros textos de inspiração bíblica a tradução da Sagrada Escritura aprovada para a Liturgia pela Conferência Episcopal Portuguesa. Procura valorizar o Ordinário com novos formulários e algumas mudanças para uma mais inteligível e fecunda valorização das partes da celebração, assim como da participação da assembleia.  Surgem novas traduções, tendo mais impacto na nova edição do Missal a expressão “Bendisse” sobre o pão e o vinho na narrativa da Instituição antes da consagração; uma maior riqueza eucológica como é o caso dos formulários da vigília da Epifania e da Ascensão, e na mudança da conclusão das orações na fidelidade ao texto latino, recuperando assim a solenidade e riqueza bíblica presente na cláusula longa da Coleta e a breve nas restantes orações, explicitando-se melhor o dinamismo trinitário de toda a oração cristã. Riqueza também valorizada no enriquecimento dos Prefácios, do Santoral, das missas votivas. Mostra que o canto e a música agora colocados no seu lugar próprio não são mero elemento decorativo ou exceção, mas parte necessária e integrante da Liturgia.  A Introdução de novas ilustrações como instrumento da arte e da beleza ao serviço da liturgia para se poder celebrar melhor uma história da salvação no hoje de cada dia.

Um Livro litúrgico é um primeiro e essencial instrumento para a digna celebração dos mistérios, além de ser o fundamento mais sólido para uma eficaz catequese litúrgica de sabor mistagógico.

O Missal como obra humana não é um livro definitivo nem perfeito: a língua como sabemos é uma realidade viva e dinâmica em evolução permanente com a cultura e a Tradição, sempre em crescimento e aperfeiçoando-se para saber dizer, de modo novo, a fé que não muda. Encontraremos sempre expressões novas para dizer o mesmo, de modo mais profundo e melhor.

Mas importa não esquecer, que o Missal Romano, que guarda também o tesouro da fé, agora renovado, está sempre ao serviço do mistério que constitui a fonte e o cume de toda a vida cristã (LG 11), a Eucaristia, “sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal” (SC 47). Seja ele, para nós, um verdadeiro diretório nesse caminho!

 

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