O desafio de conversar com Deus

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A vida digital de muitas pessoas é mais intensa e activa do que a vida real. Todos estamos conectados. Uma grande parte através das redes sociais, ou em grupos de WhatsApp. E isto acontece de tal modo que me questionei qual o efeito que tem sobre as nossas conversas com Deus. É que há uma diferença grande entre conectar e conversar.

No seu livro Reclaiming conversation, Sherry Turkle, professora no MIT distingue conexão de conversa.

Conexão é a palavra que dá às interacções de banda-curta que definem as nossas vidas online.

Conversa corresponde a uma comunicação de banda-larga que define os encontros reais entre seres humanos.

”Uma conversa face-a-face é a coisa mais humana e humanizante que podemos fazer. Totalmente presentes um ao outro, aprendemos a escutar. É aí que desenvolvemos a capacidade para a empatia. É aí que experimentamos a alegria de ser escutado e compreendido.” (Sherry Turkle)

É mais fácil conectar do que conversar, mas o nosso bem-estar diminui – segundo alguns estudos que Turkle refere no seu livro – quando substituímos a conversa pela conexão.

Este aspecto fez-me lembrar uma experiência que fiz enquanto lia sobre esta distinção. Soube de um amigo que achou interessante participar na organização de uma iniciativa que eu estava a desenvolver. Nesse sentido, enviei-lhe uma mensagem por WhatsApp a perguntar se estaria interessado em participar. Percebi que leu, mas não respondeu. O meu primeiro pensamento foi: se estivesse realmente interessado teria respondido. Mas não estaria eu a substituir a conversa pela conexão? Foi aí que decidi telefonar para conversar e percebi que diversos empenhos levaram-no a esquecer-se de responder.

As conversas face-a-face são lentas, exigem paciência, um tom adequado na voz e uma atenção plena às nuances da cara, corpo, voz do outro e conteúdo daquilo que fala. Mas é precisamente isso que faz das conversas o que constrói e mantém os relacionamentos.

De Deus nunca receberemos uma mensagem, um “like” ou “coração”, um comentário ou emojis. Com Deus só mesmo uma conversa face-a-face. As formas de conectar poderão servir de suporte para as formas de conversar, como é o caso das chamadas vídeo, e no caso de Deus, apps que nos ajudam a rezar, mas não há conexão digital que substitua uma conversa real com Deus. E o desafio está mesmo aí.

Diante do sacrário falo interiormente e escuto em silêncio. No quarto quando paro, sento-me, fecho os olhos para rezar, e o mais comum é fazê-lo no silêncio. Mas quantas vezes não me vieram as lágrimas aos olhos com um cântico, ou na comunhão depois de um momento sério e aberto de confissão, ainda que não saísse uma nota da boca ou uma palavra? E quantas vezes a resposta de Deus não ocorre no silêncio?

Aos olhos do mundo sabemos quão grande é o contra-senso. Que a conversa mais profunda e íntima com Deus se dê no silêncio. Mas no mundo de tanto ruído digital e urbano, o que é mais lento, paciente e exigente do que o silêncio?

”-Senhor, doía-me que estivesses sempre em silêncio…

-Não estava em silêncio. Sofria ao teu lado.

-Mas tu mandaste embora Judas: ‘O que tens a fazer, fá-lo depressa!’ O que foi feito de Judas, Senhor?

-Eu não o mandei embora. Apenas disse que fizesse quanto antes o que tinha a fazer (…) porque Judas tinha dorido o coração como tu agora.” (Silêncio, Shusaku Endo)

As conversas com Deus serão sempre originais, mas exigem que dediquemos tempo ao silêncio. E quando sofremos com o Seu silêncio sabemos que é o momento em que Ele está mais próximo de nós do que nunca. É quando a palavra, gesto, emoção mais inesperada surgem, mudam a nossa realidade e daqueles à nossa volta. Um silêncio que não cessa de nos surpreender.

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