O Bispo e o pulsar da sua igreja

Comunicação do Bispo de Leiria-Fátima ao Conselho Presbiteral 1. Um povo, um território, uma Igreja a conhecer Há praticamente meio ano que me encontro entre vós. Como já tive oportunidade de vos dizer, o meu primeiro anseio fundamental é o de conhecer esta diocese e, sobretudo, conhecer os seus dinamismos espirituais, segundo a palavra de Jesus referida no evangelho de João: “O bom pastor conhece as suas ovelhas e elas conhecem-no” (Jo 10, 14). É isso que tenho procurado fazer: aproveitar as várias ocasiões para conhecer, para ver, para escutar, para encontrar antes de mais os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, os leigos, as paróquias, os secretariados e movimentos, os grupos, a sociedade civil. Trata-se de conhecer um povo, a alma de um povo para avaliar os processos (dinamismos) profundos que o movem; um território preciso com as suas estruturas, a sua história e a sua singularidade; e a comunidade eclesial em todas as suas componentes, tendo em conta a tradição da sua história, do seu caminhar na maturação da fé, as suas necessidades e os seus anseios de renovação, os fermentos novos que germinam. Este trabalho é lento apesar do suceder intenso e por vezes vertiginoso de encontros e audiências, não só com os diocesanos mas com gente de todo o país e do mundo, dada a dimensão internacional de Fátima. Por outro lado também é difícil, sobretudo pela enorme quantidade de informações e questões que chegam ao bispo; sendo muitas, falta por vezes o tempo para examiná-las, e coordená-las como gostaria. Isto gera a fadiga de assimilar rapidamente a necessária quantidade de dados para um juízo e para a acção. Tudo isto sugere o estilo com que o bispo recém-chegado deve mover-se dentro de toda esta realidade: o estilo de discrição. Quer dizer, a presença e a participação cordial, serena, paciente, pacata e prudente na vida da diocese; um estilo de acolhimento que anima espaços de amizade, de comunicação, de compreensão, que quebra os distanciamentos e os preconceitos, que estimula a aproximação e colaboração entre todos; um estilo que suscita o dinamismo do entusiasmo, da alegria do Evangelho, da fé e do ministério. O bispo deve ler e compreender o dinamismo da realidade com os olhos da fé e com os olhos da inteligência e do coração, deve percebê-lo com a afectividade que é o próprio afecto de Cristo pelo homem, o afecto de Deus por cada criatura. E integra tudo no juízo contemplativo da fé pelo qual procura ver as coisas e o que está por trás delas, as pessoas e os dinamismos profundos de bem que estão por detrás das pessoas. 2. O Bispo, o Presbitério e o Conselho Presbiteral A primeira preocupação e prioridade para o bispo é evidentemente o clero: conhecer este clero nas suas riquezas interiores, na sua dedicação, na sua capacidade de serviço, no seu esforço de adequação aos novos tempos e nas suas fadigas e até debilidades. O nosso clero, dedicado e generoso, está sobrecarregado por grandes fadigas e pelas exigências sempre novas do ministério. Para esta atenção especial ao clero, para escutar e conhecer melhor os padres – e, por conseguinte, a diocese – tenciono receber pessoalmente cada um, em audiência particular, após o Natal até à Páscoa. Isto deriva de uma constatação e convicção profunda. O bispo por si só e sozinho não significa nada. Além de ser todo ele relativo a Cristo, está sempre unido – segundo a feliz expressão do Vaticano II – a um “presbitério”, isto é, ao conjunto de todos os padres que compõem a diocese. Não é uma pessoa isolada que vê, sente, pensa, que tem as suas ideias pessoais mais ou menos fundadas. Ele é a unidade de um grupo de presbíteros e, com eles, em profunda humildade, examina, pensa e age. É todo solidário com esta comunhão sem pôr de parte o seu carisma próprio de discernimento e decisão. Um momento de busca da comunhão de intenções e metas pastorais é, sem dúvida, a semana dedicada à Formação Permanente que, como de costume, realizaremos em dois turnos, de 22 a26 de Janeiro e 29 de Janeiro a 2 de Fevereiro. Desta comunhão entre o bispo e o presbitério é expressão institucional este Conselho Presbiteral “cuja missão é ajudar o bispo no governo da diocese… para prover do melhor modo ao bem pastoral da porção do Povo de Deus a ele confiada.” É um órgão jurídico; mas deve estar animado por uma espiritualidade de comunhão e missão. Antes de mais, está ao serviço do diálogo entre o bispo e o presbitério e do crescimento da fraternidade entre os diversos sectores do clero da diocese. Além disso, “é também a sede idónea para fazer emergir uma visão de conjunto da situação diocesana e para discernir o que o Espírito Santo suscita através de pessoas ou grupos; para trocar pareceres e experiências; para determinar, enfim, objectivos claros do exercício dos vários ministérios diocesanos, propondo prioridades e sugerindo métodos” (DMPB 191). Eis a razão por que faz parte da agenda a auscultação do Conselho sobre as principais urgências da Diocese. Nesta lógica, o Directório Pastoral dos Bispos recomenda: “Com a sua atitude de diálogo sereno e escuta atenta de quanto é expresso pelos membros do Conselho, o Bispo encorajará os sacerdotes a assumir posições construtivas, responsáveis, de longo alcance, tendo a peito somente o bem da diocese. Para além das visões parciais e individuais, o Bispo diocesano procurará promover dentro do Conselho um clima de comunhão, de atenção e de busca comum das melhores soluções. Evitará dar a impressão da inutilidade do organismo e conduzirá as reuniões de modo que todos os conselheiros possam exprimir livremente o seu parecer.” (nº 182) Peço-vos pois que exprimais a vossa opinião sobre os assuntos em debate, com toda a liberdade, sem a preocupação de agradar ou desagradar ao bispo. Eu estou habituado ao diálogo franco, leal e respeitoso. Não fico aborrecido, ferido ou zangado por discordarem de mim. E a vossa liberdade não tira a minha liberdade quando, depois de escutar e ponderar “coram Deo”, tiver de decidir o que é necessário, mesmo sabendo que não se pode agradar a todos. 3. A administração económica e o ecónomo diocesano Em virtude do pedido insistente do Sr. Padre Adelino Ferreira, de ser substituído no cargo de ecónomo diocesano, é necessário encontrar outra pessoa para o respectivo cargo. Quero aqui lembrar quanto diz o Directório para o ministério dos bispos a tal respeito: “A diocese dever ter um ecónomo que deve ser nomeado pelo bispo para um quinquénio, renovável, depois de ter ouvido o Colégio dos Consultores e o Conselho para os assuntos económicos. O ecónomo, que pode ser também um diácono ou um leigo, deve possuir uma grande experiência no campo económico-administrativo e conhecer a legislação canónica e civil relativamente aos bens temporais e os eventuais acordos ou leis civis acerca dos bens eclesiásticos.” Embora as competências do ecónomo estejam definidas no Regulamento da Administração de bens da Igreja na Diocese de Leiria-Fátima, é todavia oportuno recordar aqui a sua missão em linhas gerais: – Administrar os bens da diocese, sob a autoridade do bispo e de acordo com o parecer do Conselho para os assuntos económicos; – Efectuar, com as entradas próprias da diocese, os gastos que legitimamente lhe ordene o bispo; – Elaborar o orçamento para o Ano Económico depois de recolher os orçamentos dos Secretariados e outras Instituições (can. 1284, 3); – Prestar contas, no fim do ano, das receitas e despesas, para serem aprovadas pelo Conselho para os assuntos económicos; – Vigiar diligentemente pela administração dos bens pertencentes às pessoas jurídicas que dependem ou prestem contas ao bispo; – Analisar e aprovar as contas das paróquias (can. 1287); – Prover à rentabilização dos bens que são pertença da Diocese. Para o cumprimento das funções que lhe são próprias, a Administração económica da diocese contará com a colaboração do Serviço de Tesouraria e Contabilidade, do Conselho para os assuntos económicos, dos párocos, da administração das paróquias e outras instituições que prestam contas à diocese (can 1287) e de outros eventuais colaboradores que se julgue necessário. Como se deduz, o ecónomo diocesano não é um contabilista, mas tem a figura de verdadeiro administrador e gestor dos bens da diocese, que estão ao serviço da comunhão na Igreja e da sua missão no mundo. Tendo tudo isto em conta, achei conveniente pedir também o parecer dos membros do Conselho presbiteral. Assim peço que cada conselheiro, em votação secreta, me indique dois nomes entre os sacerdotes do nosso presbitério, que julgue mais idóneos para o cargo de ecónomo. Será bom, pois, ter em conta as características do seguinte perfil: aceitação e credibilidade entre o clero; espírito de colaboração com o bispo, o conselho económico e os padres; experiência no campo económico-administrativo; capacidades de administrador e gestor, isto é, de uma visão de conjunto, de traçar planos e estratégias a médio e longo prazo, de rentabilizar os bens. Ainda no campo económico, coloca-se também a questão da actualização da remuneração mensal do clero de acordo com o art. 68 do Estatuto económico do clero: “Sempre que se modificarem as condições económicas gerais que, num determinado momento, justificarem a retribuição estabelecida, esta deverá ser ajustada às novas condições”, o que exige ser ouvido o conselho presbiteral segundo o teor do art. 67. 4. O plano pastoral da Diocese e do Santuário de Fátima O lançamento do plano pastoral para o ano 2006/07 sobre a vocação e as vocações na Igreja foi correspondido com muito interesse pela assembleia diocesana com cerca de 800 participantes que mostraram bom acolhimento e até entusiasmo. A mesma correspondência tenho encontrado nas vigílias de oração a que presidi, com grande participação popular. A própria Carta Pastoral teve uma saída de 8.500 exemplares. Isto mostra que há sensibilidade por parte das comunidades. Espero que esta chama continue viva ao longo do ano. Para implementar os objectivos que nos propusemos, posso informar que o pré-seminário está activo e a funcionar com 30 candidatos. A partir de Janeiro vamos lançar uma nova iniciativa: um “itinerário vocacional” com a designação de “Grupo vocacional Santo Agostinho”. Destina-se a jovens de ambos os sexos, dos 17 aos 25 anos, que manifestem intenção recta de fazer uma busca séria e programada em ordem ao discernimento da sua vocação. Funcionará a nível diocesano, em Leiria, como laboratório, para mais tarde se poder estender às vigararias. Peço o interesse de todos os padres em motivar aqueles jovens que lhes parecerem mais idóneos e com mais interesse. Ainda no âmbito pastoral quero recordar a celebração do nonagésimo aniversário das aparições de Nossa Senhora em Fátima, sob o lema “Ano da Misericórdia”. Embora o Santuário tenha um programa pastoral próprio, creio que a diocese não pode ficar totalmente alheia. Devemos sentir-nos chamados a pôr, de algum modo, em relação o Mistério da Misericórdia com a vitalidade espiritual e apostólica da nossa Igreja, aproveitando para isso as festas litúrgicas da Virgem Maria, as devoções marianas como o mês de Maio e a peregrinação diocesana. A meu ver, o cerne da Mensagem de Fátima está no apelo a reconduzir para o centro da vida cristã e do mundo a adoração de Deus rico de misericórdia, no seu amor entranhado pela humanidade. Frente ao esquecimento, ao abandono, à indiferença em relação a Deus, à tentativa da expulsão de Deus das consciências e da sociedade dos homens, Maria apresenta-se como pedagoga e mistagoga que conduz à contemplação da benevolência e da condescendência divinas para com o mundo. A conversão a que Nossa Senhora chama com tanta insistência é, antes de mais, teologal: configura-se como acolhimento puro do mistério do Amor Trinitário, disponibilidade, escuta, contemplação, mística, afecto profundo perante o mistério da presença divina, paz… Como poderão as comunidades cristãs tornar-se terreno propício de vocações sem o húmus desta espiritualidade e desta mística primeiras e fundamentais? 5. Visita Pastoral à Diocese No próximo ano, a partir de Novembro, tenciono dar início à visita pastoral à diocese, como “sinal da presença do Senhor que visita o Seu povo na paz” (DB 46). Não se trata de uma fiscalização. É antes um “verdadeiro tempo de graça e momento especial para o encontro e o diálogo do bispo com os fiéis” (P. G. 46). Através da Visita Pastoral é dada ao bispo a oportunidade de desempenhar plenamente o seu ministério apostólico. À semelhança dos apóstolos que, como Pedro, iam fazer visita a todas as comunidades (cf. Act. 9, 32), também o bispo se faz peregrino em visita ao santuário vivo do Povo de Deus, com os seguintes objectivos: – Conhecer de perto e in loco a vida das comunidades, as suas alegrias, as suas dificuldades e os seus desafios; – Encorajar e consolidar a vitalidade de cada comunidade no encontro renovado com Cristo, na fidelidade à Palavra e à Eucaristia e no serviço da caridade; – Promover a comunhão eclesial, valorizando o sentido e os órgãos de corresponsabilidade – Suscitar uma oportuna criatividade pastoral face aos desafios de um mundo em constante mudança. As visitas serão feitas por vigararias para fomentar uma pastoral de conjunto e a vida de comunhão entre as paróquias e entre os párocos. A forma como se realizará a visita será acordada com os vigários. A visita pastoral é “como que a alma do governo” do bispo para que não se reduza a sua figura a mero administrador ou crismador. A visita ocupará, naturalmente, diversos domingos ao longo do ano e este é mais um motivo para colocar o problema da reorganização das celebrações do sacramento da confirmação: ou juntando os confirmandos de várias paróquias confiadas ao mesmo pároco, ou de paróquias vizinhas, ou mesmo por vigararia onde for possível. Peço também aos párocos que vão educando as comunidades, em particular os que frequentam a catequese, os seus familiares e os catequistas, no sentido de que, a partir do próximo ano pastoral 2007/08, o normal é que o sacramento da confirmação se celebrará só após os dez anos de catequese. 6. A visita “ad limina” Desejo informar-vos de que no próximo ano, de 3 a 12 de Novembro, se realizará a visita “ad limina apostolorum” dos bispos portugueses. Cada bispo deverá entregar o relatório quinquenal até 15 de Abril. Para esse efeito peço a melhor e mais pronta colaboração dos párocos e responsáveis dos secretariados com a secretaria episcopal em ordem à recolha de dados a partir de Janeiro. 7. Esperança no “Deus semper maior” Para terminar, quero partilhar com todos vós um pensamento, um sentimento, uma instância muito simples, mas de grande significado para nós e para a nossa missão. A mensagem que percorre todo o Advento é toda ela de esperança no Deus que vem. É nEle (e não nas falíveis e fracas forças humanas) que devemos pôr a nossa esperança. Falamos aqui não só “de” esperança, mas também e antes de mais “com” esperança. Quer dizer, trata-se da esperança como “estilo virtuoso” – como alma, clima interior, espírito profundo – antes ainda que como conteúdo. A esperança como estilo de vida faz parte essencial e integrante do realismo cristão. Nenhum de nós ignora as dificuldades da vida, da missão, das comunidades, da Igreja e do mundo. Mas graças à presença do Senhor e do Seu Espírito na história de cada tempo, a esperança não abandona nunca a Igreja e a humanidade. É na consciência dos nossos limites, das nossas fadigas e lentidões, dos nossos atrasos e falhanços, e numa imensa confiança no Senhor e no Seu amor que somos chamados a viver a nossa missão neste tempo e a realizar o plano pastoral no horizonte da esperança no “Deus semper maior”. Quem tem olhos e coração evangélicos não vê só o negativo; vê e alegra-se com as muitas sementes e os gérmenes e frutos de esperança que já estão em acção em diversos âmbitos das nossas comunidades e esperam ser cultivados com carinho e entusiasmo. A todos desejo agradecer a vossa amizade e a generosa colaboração. Desejo-vos um Natal de Cristo cheio de esperança na doce companhia de Nossa Senhora do Advento, do Deus que vem, Nossa Senhora da esperança! Leiria, 12 de Dezembro de 2006 António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

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