Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve
Há coisa de uns dois anos, num diálogo com uma pessoa, ela interpelou-me, querendo saber se eu era um presbítero conservador, tradicionalista ou progressista. Prontamente respondi: nunca fui, nem sou nada disso. Sou “papista”. Sempre estive, estou e penso sempre estar (a não ser que tenha um surto psicótico) em comunhão com o Santo Padre, fazendo das suas palavras e diretrizes caminho orientador para chegar Deus e anunciar o Evangelho. Essa pessoa voltou a interpelar-me: -«Então, mas não tem vontade e opinião própria?» Eu respondi: – «Tenho. E exponho essa vontade e opinião nos locais e momentos próprios. Da mesma forma que alguém quando critica publicamente a sua família tem vergonha da sua identidade, qualquer cristão, mais ainda quem tem responsabilidades públicas, quando critica publicamente o Papa tem vergonha da sua Igreja e não está em comunhão». A conversa ficou por aqui, com um longo silencio revelador de tanta inquietação.
Este pensamento não surge simplesmente agora, momento em que as críticas mais ferozes ao Papado vêm do interior da Igreja. É algo vem desde o início da relação de Jesus Cristo com Apóstolos. Quem não se lembra da cena em que Pedro corrige Jesus (Mc 8, 31 – 33). E Jesus imediatamente salienta que os planos do Apóstolo são os dos homens e não de Deus. Corrigir os desígnios e as diretrizes de Deus é tantas vezes um desejo de um homem aparentemente em comunhão com Nosso Senhor, mas que não tem em mente as coisas de Dele, mas as dos homens! Pedro aprendeu e pode ser o primeiro Papa.
Diversas correntes, opiniões, movimentos que clamavam pela mudança ou pela estagnação sempre houve no seio da Igreja. Foi assim que surgiu a reforma protestante, antecedida por outros pensadores boémios e ingleses. O maior erro de Wycliffe, Huss, Lutero, Calvino entre outros foi terem provocado a sua saída da Igreja e rompido a comunhão com Roma. Já no séc. XX importantes teólogos, entre eles Teilhard de Chardin e Henri de Lubac, antes do Concilio Vaticano II, clamavam por uma mudança na Igreja. Foram várias vezes corrigidos por Roma e eles, como bons padres Jesuítas, obedeceram à Igreja. No entanto, são dos teólogos mais citados nos documentos do Concilio Vaticano II.
Porém, ultimamente essa contestação tem surgido atacando algo a que os críticos convencionaram chamar “o politicamente correto”. E isso, para uns, é algo pecaminoso, é, por exemplo, estar de acordo com o sistema vigente, defender o que eles chamam de climatologia, manter-se em silencio sobre a chamada ideologia do género (ainda não consegui descobrir o que é), sobretudo nas escolas, é não ter reservas sobre o diálogo inter-religioso ecuménico. Enfim, grande parte dos assuntos que estão na agenda do Papa Francisco fazem parte desse denominado “politicamente correto” na boca dos críticos.
Então começamos a ver cada vez mais cristãos na redes sociais a atacar esse “politicamente correto” e, assim, têm uma agenda paralela ao Santo Padre. Se o Papa Francisco se preocupa com o refugiados, eles alegam que temos de nos preocupar com as nossas fronteiras e identidade cristã, fazendo procissões com as bandeiras dos vários reis. Se o Papa Francisco nos alerta para o cuidado com a casa comum e o equilibro do planeta, eles vão “provar” que sempre houve calor no verão e frio no inverno. Se o Papa Francisco pede que não excluamos ninguém e estejamos atentos aos novos tipos de agregados familiares, para de alguma maneira haver a palavra e o amor de Deus a chegar lá, eles têm que lutar para que tipo de gente seja esquecido da sociedade.
Num mundo onde tudo é rápido, eficaz e instantâneo convém seguir as palavras que Papa Bento XVI nos deixou na sua ultima mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, sobre a as atitudes que o cristãos devem ter e como devemos ser neste mundo digital. Para Bento XVI «a autenticidade dos fiéis, nas redes sociais, é posta em evidência pela partilha da fonte profunda da sua esperança e da sua alegria: a fé em Deus, rico de misericórdia e amor, revelado em Jesus Cristo. Tal partilha consiste não apenas na expressão de fé explícita, mas também no testemunho, isto é, no modo como se comunicam “escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele”. Um modo particularmente significativo de dar testemunho é a vontade de se doar a si mesmo aos outros através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana. A aparição nas redes sociais do diálogo acerca da fé e do acreditar confirma a importância e a relevância da religião no debate público e social».
Pedro calou-se diante da repreensão de Jesus. Talvez fosse bom calarmo-nos mais vezes diante das palavras do Santo Padre. Porque, das duas uma: ou sabemos mais do que ele, que foi escolhido pelo Espírito Santo, ou não acreditamos que foi o Espirito Santo que o escolheu através dos cardeais.