Nova política migratória

Antecipando a presidência portuguesa da UE, a Agência ECCLESIA inicia a publicação de uma série de textos sobre os desafios que se apresentam A Europa que, como todos os continentes, é fruto maduro da mobilidade humana de povos tornou-se, nos últimos 50 anos, destino de imigrantes e refugiados que não mergulham apenas na fronteira líquida do Mediterrâneo e Atlântico, mas conseguem também iludir a fronteira terrestre (frontex) da União Europeia, em busca de trabalho e vida dignos. Pensemos na crescente pressão dos fluxos latino-americanos e do Leste europeu sobre os aeroportos e fronteiras do centro da Europa e aos fluxos subsaharianos e asiáticos sobre a margem Sul da Europa. Estes últimos, apesar de não passarem de 10% do total, são a ponta do iceberg do continente móvel dos refugiados ambientais que, forçados pelas alterações climáticas no planeta, iniciam a sua peregrinação desesperada. A Europa não pode continuar a ignorar o que se passa e irá passar, cada vez mais, além das suas margens! Encarar as migrações como uma ameaça ou oportunidade, uma fatalidade ou um recurso, dependente sempre da situação económica do país ou continente que recebe a mão-de-obra. Umas vezes, vista como migração sofrida, outras como migração escolhida, para usar a expressão de um conhecido político francês, a migração é sempre uma dádiva. Na verdade, as migrações pelo grande capital humano, económico, cultural e religioso que encerram estão a mudar o espaço urbano das nossas metrópoles, a qualidade de vida e o futuro genético dos europeus, como o fizeram, durante décadas, as vagas europeias sob várias colonizações e êxodos maciços. Como a Europa mudou definitivamente o caminho da história de alguns povos, assim também, quase como retorno providencial, se encontra em mutação através da política de acolhimento e integração de imigrantes e refugiados. Pessoas estrangeiras que, quer se queira quer não, são necessárias para a sobrevivência e sustentabilidade do modelo social e económico europeu, considerado de primeiro mundo. Não há duvida que as últimas vagas provocaram uma grande diversificação e complexidade do fenómeno migratório europeu. Em era de Globalização, a Europa volta a descobrir-se parte integrante do Mediterrâneo, vizinha privilegiada e familiar de África e, após a queda do muro de Berlim, com alma oriental, apesar de reprimida e exorcizada politicamente durante décadas. A interdependência crescente entre os 27 países irmãos, a mestiçagem geracional e cultural tornada nacionalidade, a par da actual pressão migratória, brotam da vontade política dos sucessivos alargamentos institucionais, já realizados e em programa (ex. Turquia), assim como da cooperação internacional com países terceiros. Está-se diante de um processo imparável e irreversível para o qual é preciso um forte investimento, em particular, nas pessoas e suas comunidades a nível social, político, educacional e religioso. À abertura física das fronteiras nem sempre tem correspondido a abertura reconciliada das fronteiras do espírito. É aqui que surge a grande contribuição que as religiões dão para a convivência pacífica, à educação para os valores, para a participação cívica e à afirmação da dimensão transcendente e religiosa da vida humana, numa Europa pós-secularizada e inebriada por uma liberdade que não liberta o espírito. Por isso, não admira que algumas forças (tribos) políticas europeias – felizmente minoritárias, mas com capacidade mediática – reajam a esta mistura de povos com atitudes xenófobas, racistas, intolerantes e discriminantes procurando a identidade perdida. A convivência pacífica, o viver juntos em diversidade cultural e religiosa exige uma pedagogia recíproca, a começar pela família e escola. A Itália, por exemplo, está a escrever uma Carta de Valores sobre esta matéria. Com efeito, o caminho é a ponte do encontro de culturas, do reconhecimento de direitos e deveres para todos, do diálogo inteligente e não o muro da fatalidade ou gueto egoísta que ignora o bem comum do mundo. Em geral, são, sobretudo, as diferenças sociais e económicas que causam problema e não tanto as culturais e religiosas, por mais distintas que sejam. A própria hostilidade hodierna para com a cultura islâmica agravou-se, de modo particular, não por razões culturais, mas após o início da cadeia de atentados diabólicos de fanáticos que profanam o Corão para justificar violências sectárias políticas e massacres loucos ideológicos em nome de uma caricatura de Deus. Basta olhar para a história de Portugal e da inteira península ibérica para concluir que o Islão não é cultura alheia à Europa, como alguns querem fazer crer. A Europa sabe que as migrações são um fenómeno a ser gerido com inteligência para que um País possa usufruir positivamente dele. Este é, na verdade, um dever de cada Estado, reconhecido até pela Igreja. No entanto, assiste-se à desresponsabilização e incapacidade de países – veja-se o sistema de quotas e repatriamentos – em geri-lo de modo real, eficaz e humano. A ausência de uma política comum de imigração e de visão abrangente da mesma, não em chave minimalista e securitária, tem surtido efeitos nefastos na percepção que os europeus têm, em geral, dos imigrantes e refugiados, como também sobre as condições de acolhimento e participação dos próprios imigrantes. Uns e outros desejam maior compromisso ético dos políticos e governos. E não basta aumentar a habitual estratégia repressiva e punitiva que castiga mais os imigrantes que os traficantes e intermediários criminosos, se não se criam corredores legais desburocratizados e uma cultura da participação que favoreçam a mobilidade na legalidade humanizada. Creio que ninguém duvida. As migrações são um dossier crítico que põem o dedo na ferida de uma Europa que, com sinais de amnésia, apresenta dificuldades em cooperar eficazmente entre si, em assumir o seu lugar co-responsável na história, em gerir a sua diversidade religioso-cultural e em partilhar com outros hoje o seu modelo económico, a sua riqueza e os seus recursos. Será que a próxima presidência portuguesa vai marcar a inteira UE com uma abordagem justa e inteligente, uma gestão positiva e humanitária das migrações? A ver vamos. Da nossa parte, pessoas e organizações da Igreja, vamos continuar a vigiar, a orar e a trabalhar com os migrantes e outros parceiros da sociedade civil para que o bem comum de todos, europeus e imigrantes, seja o horizonte a seguir. Rui Pedro Cons. Geral Missionários scalabrinianos

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