Não estamos contra ninguém, somos pela vida

D. António Carrilho, Presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, critica ambiguidades do referendo A propósito da questão do aborto e do referendo a realizar no próximo dia 11 de Fevereiro, D. António Carrilho, Presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família, respondeu a algumas perguntas que lhe foram dirigidas e que o Secretariado Nacional do Apostolado dos Leigos e da Família entende divulgar. 1. Como está a ser preparada a participação dos católicos no referendo? O que está em causa? D. António Carrilho (A.C.): Como cidadãos que são, os católicos preparam-se para a participação no referendo como todas as outras pessoas. Nós apelamos à consciência cívica, ao sentido da corresponsabilidade social, ao dever da não abstenção. Como católicos, mais especificamente, procuramos proporcionar-lhes a informação e o esclarecimento da consciência moral sobre tudo aquilo que está implicado ou visado nos objectivos do referendo. É importante, sem dúvida, que os católicos: – conheçam e saibam afirmar os princípios relativos aos direitos fundamentais da pessoa humana, o primeiro dos quais é o direito à vida; – possam reconhecer que aquilo que é exigência da própria natureza humana, da ética ou moral natural, está inteiramente de acordo com o imperativo da fé e da moral cristã; – esclareçam as suas consciências e sejam capazes de agir em conformidade e coerência. Portanto, o que está em causa, nesta preparação, é motivar e mobilizar o “não” à abstenção e para uma participação em consciência e coerência. 2. É aconselhável o envolvimento dos fiéis numa causa que divide a sociedade portuguesa? A.C.: Mais do que aconselhável é indispensável! Numa sociedade pluralista, como pretende ser a nossa, todos têm o direito de afirmar as suas perspectivas e pontos de vista, sem que tal signifique, necessariamente, criar divisões, barreiras e confronto entre as pessoas. Se assim fosse, onde estaria a capacidade de diálogo e debate das questões fundamentais da vida das pessoas; onde estaria a maturidade como capacidade para reconhecer as diferenças, respeitar o pensamento dos outros, afirmar as próprias convicções e valores? Seria traição à própria consciência calar a Boa Nova da Vida perante manifestações várias de uma cultura da morte, que nem é preciso enumerar. Não estamos contra ninguém, somos pela vida! E ser pela “cultura da vida” obriga a defendê-la e a promovê-la, a procurar soluções e respostas positivas, com justiça e sentido de fraternidade, com serenidade, com grande amor à vida! 3. Há quem diga que a questão do aborto, tal como está a ser colocada entre nós pelo referendo, é uma questão ultrapassada, uma questão de há 30 anos atrás. Hoje, deveria pressupor-se uma educação sexual e uma informação sobre os métodos de planeamento familiar, que não fizessem do recurso ao aborto um desses métodos. Acha que os jovens de hoje estão bem informados em relação aos métodos contraceptivos? A.C.: É impossível generalizar uma resposta, dizendo sim ou não. Penso, no entanto, que no domínio da sexualidade há mais “informação” do que “educação”. Mais: quando muita gente fala de “educação sexual” quase só pensa na “informação” sobre os métodos contraceptivos. É o que se vê pelas repetidas campanhas a favor do preservativo. Ora a questão é mais profunda, pois toca o próprio sentido da sexualidade. E a sexualidade não pode ser vista apenas na sua dimensão física, mas tem de situar-se na comunhão total, de corações e de vida, entre um homem e uma mulher. A intimidade dos corpos não se pode desligar da intimidade espiritual. O verdadeiro amor humano exprime-se nesta dupla dimensão – espiritual e corpórea. O que acontece é que muitas vezes a informação sobre os contraceptivos aponta mais no sentido duma sexualidade fácil e sem responsabilidade do que no sentido duma sexualidade assumida no contexto da vida afectiva e da intimidade espiritual entre o homem e a mulher. 4. Em síntese, como exprime o pensamento da Igreja sobre o aborto? A.C.: A posição da Igreja está bem clara na Nota Pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, publicada no dia 19 de Outubro passado, onde se apresentam 5 razões para votar “não” e “escolher a vida”. Em síntese: a Igreja é a favor da vida! Defende que se respeite o direito à vida, desde o primeiro instante da concepção até ao seu termo natural. Para a Igreja é claro que destruir o princípio de uma pessoa, o embrião, é destruir uma vida humana, uma pessoa no seu princípio e, por isso, não pode aceitar o aborto provocado. Tal, porém, não significa que a Igreja desconheça ou menospreze os problemas reais das pessoas e as situações profundamente dolorosas, que estão ligadas ou subjacentes á questão do aborto dos pontos de vista humano e social. A Igreja conhece os problemas, mas entende que a solução não está em facilitar a prática do aborto: há que encontrar soluções, no âmbito da educação, da solidariedade e da justiça social; há que educar para uma paternidade responsável, apoiar as mães e as famílias em dificuldades, encontrar formas de acolher as crianças indesejadas. É que, quando estão em causa direitos fundamentais da pessoa humana – o direito à vida é o primeiro! – as razões da inteligência e da consciência moral têm de prevalecer sobre as razões da ordem do sentimento. 5. Como mobilizar os católicos para esta causa, para a causa do “Não”? A.C.: O maior agente dessa mobilização é a própria consciência, quando esclarecida com os dados da ciência e da ética natural e com a perspectiva da fé e da moral cristã. É sabido que a Igreja sempre condenou o aborto, porque considera que desde o primeiro momento da concepção existe um ser humano, com toda a sua dignidade, com direito a existir e a ser protegido. A Ciência não o desmente, mas confirma-o. Trata-se, assim, de um valor universal, de ética natural e não apenas de um preceito da moral religiosa; e é por isso que há muitos homens e mulheres que, não sendo crentes, são contra o aborto e a sua legalização. 6. O que acha da pergunta do referendo? Será perceptível para a generalidade da população? A.C.: Em meu entender, a pergunta não está correctamente formulada e até induz em erro, favorece uma interpretação errada: – fala-se de “despenalização”, mas o que se propõe é a “legalização”: despenalizar, legalizando; – fala-se da “interrupção voluntária da gravidez”, mas o que se pretende é por termo à gravidez, destruindo o embrião ou o feto; – admite-se que tal aconteça por simples vontade da mulher-mãe e perguntamo-nos se o pai nada tem a ver com a vida que foi gerada; – legaliza-se até às 10 semanas e fica-se sem saber porquê 10 e não 2, 8 ou 12, se o embrião já contém em si todo o dinamismo de desenvolvimento do ser humano; – e legaliza-se o aborto, desde que se faça em estabelecimento de saúde autorizado, ficando a pergunta: no caso dos abortos clandestinos, que não deixarão de existir, há penalização e nega-se a assistência hospitalar gratuita a quem, eventualmente, venha a necessitar dela? É bom que as pessoas tenham consciência destas ambiguidades da pergunta a que vão responder no dia 11 de Fevereiro, apesar de ter sido considerada aceitável pelo Tribunal Constitucional, ainda que com a mera diferença de 1 voto. 7. Acredita que não será uma batalha perdida? Pelo contrário… Penso que a batalha está ganha, seja qual for o resultado do referendo e da legislação que venha a ser publicada! Estou certo de que a mobilização dos Grupos pela Vida, praticamente em todo o País, constituirá um bom contributo para o esclarecimento dos católicos e de muitas outras pessoas… Na medida em que o debate e o diálogo se estabelecer, salientando as razões e as diferenças de pontos de vista entre os diversos grupos cívicos e partidários, muitos terão ganho, certamente, uma consciência maior dos direitos fundamentais da pessoa humana e do respeito que nos merecem; muitos terão sabido reconhecer o valor dos princípios científicos, éticos e religiosos, independentemente das pessoas ou figuras públicas que apareçam a afirmá-los; muitos pautarão a sua vida pela ordem moral, ainda que a legislação não esteja em consonância ou de acordo com ela.

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