Covid-19: Cardeal Tolentino Mendonça indica que a «pandemia é terra de missão» (c/vídeo)

Numa conferência sobre «as palavras da missão», arquivista e bibliotecário do Vaticano questionou o «aqui e agora» da Igreja e os caminhos para chegar às periferias

Lisboa, 31 out 2020 (Ecclesia) – O cardeal português D. José Tolentino Mendonça afirmou que a pandemia é “terra de missão” e que este tempo não pode ser abandonado.

“Não podemos abandonar a pandemia mas devemos tornar a pandemia terra de missão. O aqui e o agora são sempre os lugares onde Deus fala”, disse o arquivista e bibliotecário do Vaticano, na conferencia promovida pelos Institutos Missionários Ad Gentes, no âmbito de um ciclo intitulado ‘A falta que um rosto faz…’.

Em torno das mensagens do Papa Francisco, e “num diálogo com as encíclicas” «A Alegria do Evangelho» e a mais recente «Fratelli Tutti», o cardeal português falou na importância da gratidão, “olhando para os que vivem intensamente com criatividade e compromisso a sua vocação missionária” e “conversão”.

“Há uma conversão missionária em curso na Igreja. A Igreja hoje não pode falhar o encontro com a missão, não pode não ouvir o chamamento de ser uma Igreja em saída, um chamamento que a projeto para lá de si”, lembra.

O colaborador alerta que o contexto não é indiferente: “Vivermos o mês missionário neste contexto específico. Para dizer «eis-me aqui», tenho de saber o meu aqui e o meu agora. E este aqui e agora não é indissociável do que a pandemia tem trazido ao mundo e às comunidades”.

Hoje, acredita o cardeal português, o mundo lança uma interpelação.

A pandemia desabou sobre nós mas nestes meses podemos já perceber tanto: vivíamos num mundo de falsas seguranças, a esconder a nossa vulnerabilidade, vivíamos a negar a realidade. Mas percebemos que a tragédia global põe a descoberto valores positivos. A ‘Fratelli Tutti’ é o que é por causa da pandemia. A mensagem de fraternidade tornou-se urgente. Não podemos não viver a fraternidade, não podemos não viver como irmãos”.

O cardeal Tolentino Mendonça desafiou a um trabalho “orgânico”, a ultrapassar o “viver por conta própria”, e incidiu que a expressão do Papa Francisco, ao afirmar em março, na Praça de São Pedro que «estamos todos no mesmo barco», se trata de “um desafio para dentro da Igreja”.

“Estamos frágeis e desorientados mas podemos descobrir a possibilidade de remarmos juntos e nos encorajar mutuamente. Não podemos viver por conta própria, os desafios da história só os podemos viver juntos. Perceber que estamos todos do mesmo barco é um desafio para dentro da Igreja. Tantas vezes andamos em barquinhos, outros em barcaças, em jangadas e não temos consciência de que estamos de facto no mesmo barco e a remar para o mesmo lado. É um desafio para a conversão missionária e para o mundo”, sublinhou.

Considerando que a vida missionária é feita de testemunhos, “de encarar rostos”, o responsável da Santa Sé propõe mudar o termo ‘leigo’ para ‘testemunha’, passando a “falar da Igreja como um povo de testemunhas”.

A vida missionária percebemo-la se entendemos que ela é um chamamento a manifestar o nosso testemunho, o que vimos, ouvimos, experimentamos acerca de Cristo, vivemos e podemos falar sobre isso”.

D. José Tolentino Mendonça recordou o trabalho do filósofo Emmanuel Levinas, que incidia na importância do rosto, para afirmar que reconhecer um rosto é um ato de responsabilidade.

“Cada rosto é uma súplica, questionando a minha presença e responsabilidade. Cada ser humano traz no rosto a sua pobreza essencial, a pele do rosto é a mais nua, a mais despida, o rosto é a nossa pobreza”, afirmou lembrando também que é o olhar o rosto que nos faz estabelecer ligação e nos impede de fazer mal ao outro.

“Ver um rosto é assumir uma responsabilidade”, sublinhou.

Sermos irmãos é uma escolha ética, é a primeira escolha da missão. A fraternidade não é uma imposição, mas é uma escolha”.

Para conduzir a Igreja aos locais da periferia física e existencial, D. José Tolentino Mendonça desafia a habitar as perguntas e a não ter pressa nas respostas, por mais que o tempo de questionamento seja incómodo.

“Este contexto prepara-nos para o mundo que aí vem. Estamos dispostos a ser pessoas que fazem perguntas e levam os outros a perguntar?” questionou.

O ciclo de conferências desenvolvida pelos IMAG, com o tema «A falta que um rosto faz…» vai contar com um encontro extra, marcado para o dia 5 de novembro, às 21h00, com o objetivo de “colocar os rostos em frente uns dos outros, em partilha missionária, dando o seu contributo para a reflexão”.

LS

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