Migrações: «Ainda não conseguimos providenciar casa e reconhecimento, na sociedade e na Igreja, para todos» – Eugénia Costa Quaresma

Diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações fala do contexto «dialogante» em que cresceu, do reconhecimento da sua primeira identidade – «primeiro de Deus e depois de uma geografia», do valor do Natal que vive e entrega em família

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 21 dez 2022 (Ecclesia) – Eugénia Costa Quaresma, diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), disse lamentar a falta de respostas para quem não tem uma casa e está privada de alimentos e de um teto.

“É inevitável não pensar como vai ser o Natal das pessoas que estão privadas de uma casa ou de alimentos. Como é que conseguimos ser resposta? É uma inquietação muito forte, as pessoas que precisam de um abrigo e de uma casa e ainda não conseguimos providenciar”, lamenta à Agência ECCLESIA.

“Infelizmente pensa-se nas migrações apenas como acolhimento de emergência, mas não é só isso. A promoção humana e a inclusão, o reconhecimento da cidadania, a participação social e eclesial, é muito importante. A Igreja é dos cristãos, não importa a sua língua. Esta convivência tem de ser aprendida e tem de ser mais valorizada. Temos de aprender a ser Igreja uns com os outros e sociedade uns com os outros”, acrescenta.

A diretora da OCPM reconhece que na sociedade mas também na Igreja, a voz da OCPM é pedagógica.

“Quando a OCPM promove o FORCIM, o fórum de organizações católicas para a emigração e asilo, é a voz da Igreja que junta a experiência do terreno com o magistério e o comunica com o Estado e para dentro da própria Igreja, que tantas vezes se desconhece o que defende”, sustenta.

Eugénia Quaresma valoriza o trabalho que as comunidades na diáspora realizam, “em especial as europeias”, e indica que seria muito importante “descobrir a pastoral das migrações”.

“Vivemos na Europa uma situação dramática e nem sempre temos esta consciência: se não fossem as comunidades migrantes, as igrejas estavam vazias ou fechadas. E é necessário valorizar o potencial evangelizador das comunidades migrantes, não apenas para conservar a cultura e as tradições, mas para lhes dar um novo sentido: existe uma ponte entre a espiritualidade e a evangelização e parece-me que não fazemos ainda essa ligação”, sustenta.

Com raízes familiares em São Tomé e Príncipe, Eugénia Costa Quaresma nasceu em Lisboa e cresceu na Amora, concelho do Seixal, em contexto “de diálogo”, numa comunidade “multicultural que viveu a interculturalidade”.

“Sem perceber muito bem que fazia parte da diáspora São Tomense, vivi a diáspora: a celebração das festas, o modo como acolhíamos e vivíamos em família, as comidas – que não eram feitas com tudo o que há em São Tomé – mas que adaptávamos. O meu pai costumava contar anedotas em dialeto de São Tomé que eu não percebia, e eu pedia-lhe para traduzir, mas ele dizia que não tinha tradução. Tinha esta curiosidade para aprender a língua, ainda que não falasse, mas para perceber o que escutava”, recorda, dando conta da sua curiosidade para conhecer o mundo e a natureza humana.

O crescer na multiculturalidade é o contexto que apenas quando surge pergunta «de onde tu és?» se torna uma questão.

“A identidade é muito forte para os filhos de migrantes. A dada altura a pergunta coloca-se: «de onde tu és?». As pessoas que se relacionam connosco nem sempre nos veem como naturais da terra e perguntam de onde somos, de onde são os teus pais. Em determinada altura percebi que o ser cristã era a minha identidade primeira – primeiro pertenço a Deus e depois a uma geografia”, sublinha.

Eugénia recorda ter-se sentido muito amada e acarinhada no seu crescimento, “não só na família mas na escola”, provocando-lhe “muita curiosidade e sede de vida”, levando-a a estudar Psicopedagogia curativa.

“O «curativa» significa cuidar de, e a psicopedagogia, na vertente que estudei, relaciona-se com as aprendizagens, com as dificuldades e como é que eu posso ajudar a aprender melhor. Ligando isto às migrações, percebemos que quando nos mudamos há muito que temos de reaprender. No diálogo cultural, no choque de culturas, e num mundo com uma velocidade gigante, precisamos de um tempo para aprender. Na tentativa de me entender, de me aproximar do outro, fui percebendo que as pessoas também precisam de tempo”, sintetiza.

A conversa com Eugénia Costa Quaresma pode ser acompanhada esta madrugada, depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1 da rádio pública, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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