Mensagem do Bispo do Funchal para a Páscoa

Páscoa de Cristo, Fonte de Esperança 1. “Ressuscitou Cristo, minha esperança” – Com estas palavras, que a Igreja proclama na “Sequência Pascal” do Domingo da Ressurreição, quero dirigir-me a todos vós, caros Diocesanos da Madeira e Porto Santo, por ocasião da solene celebração do Mistério Pascal de Cristo, acontecimento culminante de todo o ano litúrgico e centro da nossa Fé cristã. A Ressurreição gloriosa do Senhor Jesus, vencedor do pecado e da morte, é certeza e garante de uma Vida plena e definitiva para toda a Humanidade, vida que, na Fé, esperamos alcançar. E a Fé, di-lo o papa Bento XVI, de uma forma quase poética, não é algo que simplesmente pertence ao futuro, ao puro «ainda-não»; pelo contrário, ela possui a capacidade de «atrair o futuro para dentro do presente» (Salvos na Esperança, nº7). Desta maneira, o tempo presente, o presente da Igreja, do Mundo e da História, é definitivamente transfigurado pela Esperança de uma realidade que já não é simples futuro, pois «o facto desse futuro existir muda o presente» (ibid.). Testemunhar Cristo Ressuscitado Celebrar a vitória pascal de Cristo sobre a morte e, graças a Ele, o nosso próprio triunfo sobre o mal e o pecado, não se confunde, portanto, com a atitude passiva de quem aguarda vagamente por algo que se espera encontrar num futuro distante e desconhecido; nem se pode identificar com qualquer recusa a agir no tempo presente e na história concreta da humanidade, pretensamente em nome de uma realidade exclusivamente futura, embora saibamos com verdade que a nossa pátria definitiva «se encontra nos céus». Se é tarefa da nossa Fé «atrair o futuro para dentro do presente», isso quer dizer que, para nós, cristãos, celebrar a Páscoa de Cristo é deixar que a nossa existência quotidiana seja tocada, mesmo que ao de leve, por uma Alegria e por um Esplendor já realmente presentes no coração do mundo, ainda que o nosso limitado olhar humano não os consiga muitas vezes captar com nitidez e evidência. Queria, pois, convidar-vos a partilhar comigo da Esperança que me anima – e que, estou certo, vos anima igualmente a todos vós, bem como a todos os cristãos e à humanidade inteira –, para que façamos dessa Esperança o testemunho eloquente e transbordante da Alegria pascal que inunda os nossos corações. Na verdade, ao celebrar a Páscoa do Senhor, a nossa Igreja do Funchal, em união com toda a Igreja, comemora o acontecimento fundador da sua Fé e como que ganha novo alento e novo ânimo no propósito de testemunhar Cristo Ressuscitado junto daqueles e daquelas a quem ela mesma é enviada. Testemunhar a Esperança 2. Na mensagem que vos dirigi, ao iniciarmos o tempo da Quaresma, recordei-vos, caros diocesanos, que aquele era um «tempo de saborear e aprofundar o sentido do nosso Baptismo, nas suas múltiplas implicações; tempo de aceitar o desafio de caminharmos ao encontro do verdadeiro rosto de Cristo, em escuta atenta da Palavra, na oração e no acolhimento da reconciliação sacramental; tempo de voltar para o Senhor com todo o coração, em conversão de amor a Deus e aos irmãos». Hoje, na Páscoa da Ressurreição, cheios de admiração e de contentamento diante do sepulcro vazio, recolhemos o fruto maduro dessa caminhada quaresmal, e, como Maria Madalena, como Simão Pedro e o «outro» Discípulo, também nós corremos a fim de podermos «ver e acreditar», para nos tornarmos, como eles, testemunhas do Ressuscitado (cf. Jo 20,1-9). Na verdade, a missão essencial da Igreja e a de cada um de nós, não deve nem pode ser outra senão a de sermos, cada dia e cada momento, precisamente aquilo que o apóstolo Pedro proclamava à multidão, conforme lemos na primeira leitura deste Domingo: «nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez» (Act 10,39). Tenhamos consciência, irmãos e irmãs, de que, para além de todas as grandes e profundas mutações sociais, históricas, políticas, tecnológicas e culturais que marcam o tempo presente, de uma maneira tantas vezes avassaladora e inquietante, aquilo que o mundo de hoje espera de nós, os crentes, é que sejamos testemunhas credíveis da Esperança que nos habita: uma Esperança que, em razão do seu sólido alicerce – a vitória de Cristo sobre a morte – se torna em verdadeiro, único e inabalável fundamento do nosso viver, do nosso lutar, do nosso sofrer e, sobretudo, da nossa possibilidade de amar, como Ele, até os próprios inimigos. Fundamentar a Esperança 3. Como tão claramente o reconhece o Papa Bento XVI na recente Encíclica Salvos na Esperança, a que nos temos referido, percebemos hoje como o nosso mundo e o nosso tempo colhem agora os frutos, tantas vezes amargos, das grandes desilusões que marcaram o último século: a par das muitas conquistas formidáveis para a nossa humanidade, hoje constatamos como aquela esperança cega no poder da ciência, da tecnologia e das grandes ideologias sócio-políticas, deu lugar, frequentemente, a uma imensa decepção, que deixou o ser humano de braços caídos e sem a força nem o entusiasmo que verdadeiramente o motive para os grandes embates da vida. Face a esta realidade, que a nossa experiência quotidiana comprova, é tempo de cada um de nós, da Igreja inteira e da própria humanidade, não se limitar a chorar sobre tais frustrações e desilusões. Perguntemo-nos: onde encontrar uma Esperança que não se afunde com os fracassos e os insucessos pessoais e colectivos, sejam eles os da ciência e da medicina diante da doença e da morte, ou os da política e da economia confrontados com as persistentes desigualdades e as imensas injustiças presentes no mundo? Partindo da profunda e entusiasmante reflexão que constitui a Encíclica Salvos na Esperança, convido-vos a que a leiamos todos com os olhos da fé e da esperança, que nos deixemos guiar por ela, na procura de uma resposta iluminadora da nossa existência, seja a resposta pessoal, única e irrepetível que cada um de nós deve encontrar, seja também a resposta última e definitiva para todos, porque tocada por uma sabedoria e uma certeza que se fundam apenas na verdade de Cristo Ressuscitado. A grande questão que hoje inquieta o coração humano é esta: será possível e razoável continuar a ter esperança num mundo como o nosso – sabendo todos como este mundo é marcado por enormes injustiças e desigualdades, pelo sofrimento de tantos inocentes e pela inqualificável miséria de camadas inteiras da humanidade? E, em caso afirmativo, que argumentos e motivos temos para fundamentar essa esperança, onde a poderemos verdadeiramente alicerçar? Procurando uma luz que nos ajude a entrever uma resposta para estas interrogações, somos desde logo levados a constatar, até de maneira experiencial, a realidade das esperanças quotidianas, aquelas pequenas esperanças presentes na vida de todas as pessoas, sejam crentes ou não; é que, de outra forma, a vida humana simplesmente não seria possível: «A pessoa humana, na sucessão dos dias, tem muitas esperanças – menores ou maiores – distintas nos diversos períodos da sua vida. Às vezes pode parecer que uma destas esperanças a satisfaça totalmente, sem ter necessidade de outras. Na juventude, pode ser a esperança do grande e suave amor; a esperança de uma certa posição na profissão, deste ou daquele sucesso determinante para o resto da vida. Mas quando estas esperanças se realizam, resulta com clareza que na realidade, isso não era a totalidade. Torna-se evidente que o ser humano necessita de uma esperança que vá mais além» (Salvos na Esperança, nº30). A grande Esperança 4. A existência de «pequenas esperanças» é, portanto, um dado comprovável, que a nossa própria experiência pode testemunhar. Mas é igualmente certo que elas não nos realizam na nossa «totalidade» humana, não são garantia de plena realização pessoal. Daí que sintamos o apelo e a necessidade «de uma esperança que vá mais além». Isto não significa, por certo, que se deva menosprezar ou ignorar essas «pequenas esperanças», as quais brotam do coração humano e alimentam os sonhos, as expectativas e as decisões de cada um de nós; não devemos olhá-las como se constituíssem algo inútil ou indigno da nossa humanidade. Pelo contrário, continua o Santo Padre, «precisamos das esperanças – menores ou maiores – que, dia após dia, nos mantêm a caminho» (Salvos na Esperança, nº31). Porventura, ao longo da história, com alguma frequência, os cristãos não terão valorizado o bastante essas «pequeninas esperanças», como se uma vida infeliz neste mundo fosse, por si mesma, garante de uma felicidade no «outro». Existiu, na verdade, uma certa maneira de falar do sofrimento e da doença que é necessário superar, para sermos fiéis ao Evangelho e à dignidade de todo o ser humano. A questão aqui, porém, é outra: é que, conforme diz o Papa, «sem a grande esperança que deve superar tudo o resto, aquelas (pequenas esperanças) não bastam» (ibid.). E em que consiste para nós cristãos essa «grande esperança»? De que esperança devemos nós ser testemunhas? Na verdade, a nossa «grande esperança» não é uma coisa, nem é um bem perecível, por mais precioso que ele seja – como a saúde, o conhecimento, a governação justa e exemplar, a tecnologia ao serviço do homem –, mas é Alguém: «Esta grande esperança só pode ser Deus, que abraça o universo e nos pode propor e dar aquilo que, sozinhos, não podemos conseguir. Deus é o fundamento da esperança», conclui, claro e incisivo, o papa Bento XVI. Um Deus de rosto humano 5. Chegados a este ponto, em que se torna claro que só Deus pode ser a raiz e o fundamento da Esperança que «não engana» – aquela Esperança que verdadeiramente traz para o presente o Reino que Jesus anunciou e já viveu e pelo qual entregou como Dom a Sua vida – podemos legitimamente perguntar-nos: e que Deus é esse, capaz de ser para o mundo «fundamento da esperança»? Que imagem fazemos d’Ele? Questão importante, sim, porque, como alguém afirmou, «uma imagem deturpada de Deus leva-nos a uma ideia errada do homem; e uma imagem deturpada do homem, também nos conduz a uma ideia errada de Deus». Sim, irmãos, de que Deus falamos, quando usamos essa palavra tão poderosa e, ainda assim, também incapaz de exprimir e desvendar o Mistério? É de novo o papa Bento XVI que vem em nossa ajuda, mostrando com palavras claras e preciosas, como é o Deus que fundamenta a nossa Esperança: «não é um deus qualquer, mas aquele Deus que possui um rosto humano e que nos amou até ao fim: cada indivíduo e a humanidade no seu conjunto. E o seu reino não é um além imaginário, colocado num futuro que nunca mais chega; o seu reino está presente onde Ele é amado e onde o seu amor nos alcança». (Ibid). Tenhamos bem presentes estas palavras do Santo Padre: não será um deus qualquer que pode fundamentar a nossa esperança e a esperança do mundo! Terá de ser verdadeiramente um Deus «de rosto humano»: um Deus que nos acolhe a cada um de nós com Amor infinito, para além de todas as nossas fraquezas e fracassos; um Deus que torna possível que cada homem e cada mulher se sintam realmente amados e acolhidos, num mundo que apregoa a competição e, por via dela, a exclusão. Conseguiremos, nós cristãos, testemunhar o verdadeiro rosto de Deus e, dessa forma, ser portadores de esperança autêntica para o nosso mundo? Acolher o olhar de Jesus 6. Caros diocesanos da Madeira e Porto Santo: o que celebrámos durante esta Semana Santa, em todas as nossas paróquias e comunidades, foi a comemoração da revelação plena deste Deus que é Amor. O Deus de Jesus Cristo é esse Deus que, nas palavras tão belas do Santo Padre, «possui um rosto humano» e que, por esse motivo, nós podemos apresentar ao mundo como fonte última da Esperança que a todos pode iluminar e salvar. Ao celebrarmos nestes dias o Tríduo Pascal, que culminou no feliz anúncio «Cristo ressuscitou!», vimos o rosto humano-divino de Jesus acolher com amizade os discípulos na Última Ceia e verter lágrimas de sangue no Jardim das Oliveiras; vimos esse mesmo rosto olhar com ternura o Judas traidor, o Pedro arrependido e a Mãe dolorosa; vimo-lo, por fim, ressuscitado e glorioso, fortalecer a fé na Ressurreição de uma Maria Madalena ainda incrédula e fazer dela testemunha junto dos discípulos. É este mesmo Rosto divino que, pleno de ternura e de Amor, nos olha a todos, na situação concreta e única em que cada um ou cada uma de nós se encontra. Acolhamos, sem hesitação nem temor, esse olhar que fundamenta e fortalece a nossa Esperança. E saibamos encontrar esse mesmo rosto em cada irmão e em cada irmã, de modo especial nos pequeninos do Reino, testemunhando junto deles a Esperança que nos habita: é que, como no-lo recorda Bento XVI, «a nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim» (Salvos na Esperança, nº48.) Para todos uma Santa Páscoa, na Alegria e na Esperança, em Cristo Ressuscitado! Aleluia! Catedral do Funchal, 23 de Março de 2008 † António José Cavaco Carrilho, Bispo do Funchal

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