Mensagem do Bispo de Beja para a Quaresma de 2009

Aprender a ser solidário 1. Quaresma, sobriedade e solidariedade Na Quarta-feira, dia 25 de Fevereiro, os cristãos começam um novo tempo litúrgico, denominado Quaresma, que se prolonga por quarenta dias até à Semana Santa ou Semana Maior, durante a qual se celebra a memória da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Este período do ano abre com uma celebração penitencial. Daí o nome de Quarta-feira de Cinzas, símbolo da precariedade e da vontade de conversão ao essencial e eterno. No Alentejo, principalmente no seu cante típico, encontramos belíssimas expressões musicais deste tempo, cantando a misericórdia, o amor, a dor, a cruz, o sofrimento e a Senhora das Dores. Os cristãos recebem a sua identidade a partir de Cristo. Eles serão tanto mais eles mesmos quanto mais se identificarem com o seu Mestre e Senhor. E o centro da vida de Jesus Cristo acontece na Páscoa, ou seja, no momento em que na cruz entrega a sua vida a Deus Pai pela salvação da humanidade. Por isso Ele tinha dito que atrairia todos a si quando fosse levantado no madeiro da cruz. Antes de encetar o caminho para Jerusalém, onde seria entregue à morte, Jesus desafiou os seus apóstolos e todos os futuros seguidores: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? “ (Mc 8, 34-36) Dois mil anos passados continua a ser válido este convite e desafio. Por isso é tradição ancestral preparar a memória da Páscoa de Jesus com um tempo de atenção e seguimento mais intenso do caminho de Cristo. Na Quaresma os cristãos são convidados a viver uma vida mais centrada em Cristo e com todos os que sofrem, unindo-se a eles pela oração, pela escuta da mensagem evangélica, pela renúncia aos prazeres mundanos em prol dos menos favorecidos e mais sacrificados deste mundo. Esta atitude é tradicionalmente concretizada em três actos típicos, já recomendados no Evangelho: a oração mais intensa, o jejum e a esmola. Esta trilogia, assumida livremente por amor a Cristo e aos irmãos mais carenciados, mantém o seu valor em ordem à nossa configuração a Cristo e ao nosso empenho solidário com todos os que sofrem. Sentindo na nossa pele o sofrimento de Cristo e dos injustiçados deste mundo, crescemos na nossa identidade humana e cristã. Podemos dizer, pois, que estas práticas quaresmais nos ajudam a preparar-nos também para a nossa Páscoa, a nossa passagem duma vida efémera, centrada em nós mesmos, para a plenitude da vida na caridade, conforme a define S. Paulo, no famoso capítulo 13 da I Carta aos Coríntios. Precisamos de desenvolver políticas de solidariedade social, apelar à caridade, para que ninguém se sinta esmagado pela crise financeira, económica e laboral, para que todos possam levar uma vida digna. Além disso sabemos que a pobreza, sobretudo na sua expressão de exclusão social, não se combate apenas com recursos económicos, mas também com atitudes originadas pelo amor que reconhece a dignidade do pobre como pessoa, como irmão nosso e filho de Deus. 2. “Cristo fez-se pobre por nós” (2 Co 8, 9) Os cristãos têm uma obrigação acrescida nesta relação com os mais pobres, porque Cristo, sendo rico, se fez pobre e nos deixou como distintivo da nossa identidade de cristãos o amor mútuo, afirmando que aquilo que fizermos ou deixarmos de fazer aos mais necessitados é a Ele mesmo que o fizemos ou não (Cf. Mt 25, 31 ss). Na mensagem para a Quaresma deste ano o Santo Padre Bento XVI centra-se na prática do jejum, da oração e da esmola, como um caminho de treino espiritual a intensificar neste tempo de seguimento mais próximo de Jesus, para com Ele e como Ele fazermos a passagem duma vida centrada em nós mesmos, na defesa do próprio bem estar, para uma vida de doação pelo bem comum, pela salvação dos que vivem arredados do sentido da sua vida, chamados como nós a ser concidadãos dos santos. O Santo Padre reafirma que o jejum do cristão não é um simples acto de ascese pessoal ou de estética corporal, mas antes uma necessidade para o cristão, para aprender a orientar todo o seu ser para Deus e para os outros, para a prática da caridade, da misericórdia. Quando partilhamos com os outros experimentamos que a plenitude da vida provém do amor. Este é o caminho para superar a exclusão social e criar famílias e sociedades unidas no amor. Este deve ser o objectivo dos nossos sistemas educativos, sociais e politicos e também do nosso esforço e ascese cristã durante a Quaresma. Com a oração da Igreja e a tradição cristã, queremos viver mais atentos ao essencial da nossa fé, olhando para o caminho e a mensagem de Jesus Cristo. As práticas da oração mais frequente, do jejum e da abstinência dos prazeres da alimentação, a atenção e partilha de bens com os mais necessitados poderão fazer-nos enriquecer na nossa identidade de pessoas e discípulos de Jesus Cristo, que fez da sua vida uma doação por amor. 3. Destino da renúncia quaresmal Desde há alguns anos que as comunidades cristãs orientam a partilha do tempo da Quaresma, fruto das suas renúncias, para alguma necessidade mais grave e premente, a fim de educar as nossas atitudes de solidariedade e crescermos na capacidade de amar. Na diocese de Beja, na Quaresma de 2008, o destino das nossas renúncias e partilha foi, por deliberação do Conselho Presbiteral, para as vítimas das cheias de Moçambique, sobretudo na diocese da Beira, que deixaram muitas famílias sem casa e muitas instituições sociais e eclesiásticas sem possibilidade de funcionar e cumprir a sua acção junto dos mais pobres. O resultado entregue até meados de Fevereiro nos serviços diocesanos atingiu a quantia de 21.163,43 €. A renúncia quaresmal deste ano de 2009 destina-se a apoiar cristãos vivendo em sociedades de maioria islâmica, sobretudo em terras evangelizadas por S. Paulo, muitas vezes perseguidos e expoliados dos seus bens, cujos pastores continuamente interpelam os cristãos das sociedades do ocidente, para não esquecermos. Por isso aqui fica o apelo à nossa generosidade, conscientes de que chegaremos à Páscoa mais ricos na capacidade de amar, ao mesmo tempo que contribuímos para minimizar as necessidades básicas dos mais pobres deste mundo, cujo clamor brada aos céus e não nos pode deixar surdos e de mãos fechadas. Para todos os diocesanos votos de uma Quaresma de 2009, mais rica nas relações com Deus e com o próximo, a começar pelos membros das nossas famílias e comunidades e prolongando-se na partilha com os mais carenciados do nosso mundo, globalmente rico, mas solidariamente pobre. Sujeitando-nos voluntariamente a algumas consequências da crise económica e financeira, como acontece quando renunciamos a alguns prazeres da mesa e da boca, experimentamos um pouco do sofrimento de quem passa fome e aliviamos a fome dos que sofrem. Na crise podemos aprender a sofrer com os que sofrem, aprender a ser solidários e a sair enriquecidos espiritual e socialmente das crises do nosso tempo. † António Vitalino, Bispo de Beja

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