Mensagem de Natal do Bispo de Viana do Castelo

Foto: Agência ECCLESIA/MC

«E o Verbo fez-se homem e habitou entre nós, e nós vimos a Sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade» – Jo. 1, 14

Seja na preparação do Natal seja na sua vivência são muitos os desafios que são lançados aos cristãos, em particular, e à humanidade, em geral.

Estamos perante um acontecimento impar na história da humanidade. Jesus de Nazaré, com a Sua Incarnação e nascimento, provocou a desinstalação de todas as criaturas e ofereceu a resposta próxima ao sentido da existência do homem, porque tocou de maneira única a humanidade. Como refere o Concilio Ecuménico Vaticano II, «na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS., 22). Aliás, «Adão, o primeiro homem, era efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor» (GS., 22). Na verdade, «Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (GS., 22). Recordemos, ainda, um outro passo, deste texto conciliar onde se sublinha que «”Imagem de Deus invisível” (Col. 1,15) (21), Ele é o homem perfeito, que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado» (GS., 22). E acrescenta dizendo que «n’Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade» (GS., 22). De facto, «pela Sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem» (GS., 22). Aliás, «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana (23), amou com um coração humano» (GS., 22). Verdadeiramente, «nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (GS., 22).

1 – Celebrar o Natal, no contexto da cultura actual, interpela a sensatez da pessoa humana a pensar-se a si mesma, na verdade do seu ser e na busca autêntica da sua realização, indagando para si e para as gerações futuras o sentido pleno da existência humana.

O homem, peregrino da verdade, do bem e do amor, não lhe é permitido que coloque de parte não só a razão, mas sobretudo todas as capacidades pessoais para a descoberta dos fundamentos da sua vida. Nesta busca, tantas vezes árdua, certamente encontra-se com a Pessoa de Jesus de Nazaré, que na Sua Encarnação responde de maneira única às grandes interrogações que se lhe colocam. Como afirma o Papa S. João Paulo II, «o homem não pode viver sem amor» (RH., 10). Aliás, «ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente» (RH., 10). É este amor maior que é revelado à pessoa humana por Jesus de Nazaré. Se, «na realidade, aquela profunda estupefacção a respeito do valor e dignidade do homem chama-se Evangelho, isto é a Boa Nova», então, «a tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de endereçar a consciência e experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo, de ajudar todos os homens a ter familiaridade com a profundidade da Redenção que se verifica em Cristo Jesus» (RH., 10). Façamos deste tempo de Advento e da celebração do Natal, a verdadeira descoberta de Jesus Cristo que traz a beleza, a alegria e a esperança à humanidade porque oferece o amor infinito de Deus Pai e Criador a todos os Seus filhos.

2 – Este tempo de Natal é um forte apelo à convivência pacífica entre todos os povos e pessoas. É importante que a mensagem proclamada pelos Anjos na primeira hora e hoje continuada no anúncio do nascimento de Jesus de Nazaré «Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens que Ele ama» continue a ecoar e a despertar os corações para a edificação de uma civilização do amor onde a paz seja profunda e duradoira.

Teremos forçosamente de sentir a angústia pela guerra espalhada por todos os continentes, mas mais visualizada na Europa e no Médio Oriente, mas igualmente somos convidados, todos, a contribuirmos para criar as condições para a Paz, pela justiça, pelo bem, pela verdade e pelo amor.

O profeta Isaias convida-nos à utopia e à esperança de que os instrumentos de guerra se transformarão em meios para viver na comunhão e na convivência pacífica e fraterna.

Encontrar-se com Jesus de Nazaré, esta criança humilde e simples, pobre e desarmada, mas Filho de Deus, que vem oferecer os critérios seguros e os comportamentos essenciais para a verdadeira fraternidade e, como tal, alcançar a paz.

Eis a conversão pessoal, comunitária e cultural que somos chamados a realizar.

3 – Esta quadra natalícia é vivida centrada na família. Em todos os contextos sociais se despertam os laços familiares e de comunhão quase como uma nostalgia de algo que não se sente no dia-a-dia.

Na verdade, o ser humano reconhece-se integrado numa família e sonha por um mundo à maneira da família, no qual os verdadeiros valores que nutrem e se expressam na família autêntica sejam vividos e convividos.

A Sagrada família de Nazaré, Jesus, Maria e José, oferece o modelo das verdadeiras relações familiares que para serem autênticas e dignas do ser humano, partem sempre de Deus que Se comunica, dialoga, chama e envolve com o Seu amor aqueles que são constituídos em plena vocação de matrimónio e de família.

No meio de tanta ambiguidade, de pretensões de destruição da família, de insensatez e falta de consciência sobre o que é a verdadeira natureza da família, coloquemo-nos junto do presépio e deixemo-nos iluminar pela Luz que nele se reflecte para cada um mas sobretudo para a família. Se, na verdade, «a encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, comove com a sua novidade a história do mundo» e somos convidados a mergulhar na exemplaridade de cada uma das pessoas da Sagrada Familia, «a aliança de amor e fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar melhor as vicissitudes da vida e da história» (AL., 66). Aliás, «sobre este fundamento, cada família, mesmo na sua fragilidade, pode tornar-se uma luz na escuridão do mundo» (AL., 66). Na verdade, aqui se aprende, como refere o Papa Francisco, uma lição de vida familiar. Que neste Natal, afirmamos com o Papa, «Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social» (AL., 66). É tão forte e expansivo o significado da Sagrada Família de Nazaré e a Luz que dela se projecta que atinge todas as vocações na Igreja e encaminha todas as famílias no sentido na sua verdade e missão.

4 – Celebramos o Natal, convidando á alegria e à esperança, no meio de uma sociedade com muitas interrogações e frustrações, desespero e desencanto.

Quando a humanidade se afasta de Deus, fica à mercê de si mesma. O horizonte é tão só onde a pode levar a inteligência humana tantas vezes pervertida por interesses individuais ou de grupos.

Retomar a esperança, essa esperança maior digna do ser humano, exige abrir as portas do ser a Jesus de Nazaré que toma a iniciativa de vir ao nosso encontro para nos convocar para a comunidade, para a partilha e para a comunhão.

Viver a esperança e a alegria, exige lançar o nosso olhar aos que são os mais marginalizados e pobres, os migrantes e os órfãos, os que vivem na solidão e desamparados, para lhes oferecer de nós o que eles não recebem da sociedade. Mas exige-se também que a nossa voz clame no deserto do mundo de hoje a provocar leis mais justas e que correspondam mais à dignidade do homem e ao bem comum.

5 – Interpelados em edificar uma nova humanidade e a renovar a comunidade cristã, as figuras do Advento são verdadeiramente inspiradoras. Fixando o nosso olhar no profeta Isaias e nas suas palavras que despertam para os itinerários da Esperança; observando de perto a conduta de João Baptista que enfrenta os poderes do tempo orientando a sua vida pela rectidão, pela verdade e convidando a centrar a existência na Pessoa de Jesus Cristo que está presente no meio de nós; deixando-nos contagiar pela ternura de Maria de Nazaré, dócil á vontade de Deus e atenta aos Sinais que lhe revelam o sentido da sua missão; e de S. José que não hesita em ultrapassar os seus preconceitos para acertar com a missão confiada por Deus, sempre junto ao Seu Filho; eis modelos de vida tão necessários para os tempos em que vivemos. Então, sim faremos verdadeiramente Natal.

Termino, expressando os meus votos de santo e feliz Natal para todos os diocesanos, os que estão no nosso território e os que estão na diáspora, às famílias, às crianças, jovens e idosos, mas sobretudo aos mais pobres e marginalizados, aos que estão presos e aos doentes e a viver na solidão.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe de Jesus e nossa Mãe, de S. Bartolomeu dos Mártires, de S. Teotónio, de S. Paulo VI e de S. João Paulo II que abençoem todos os diocesanos de Viana do Castelo.

Viana do Castelo, 8 de Dezembro de 2023

D. João Lavrador, Bispo de Viana do Castelo

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