Mensagem de Natal do Arcebispo de Braga

«Dai-lhes vós de comer» (Lc 9, 13)

Há dias, na Semana Social que decorreu em Aveiro, foram recordados os «direitos sociais» que a Constituição Portuguesa reconhece para todos os cidadãos: trabalho, família, educação, alimentação, habitação e ambiente.

Alguns dias depois, o Santo Padre, na sua visita à sede da FAO em Roma (16 de Novembro), lançava o desafio, com carácter de urgência, para promover «uma consciência solidária que considere o direito à alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções ou discriminações».

São doutrinas que todos aceitam mas que os factos, infelizmente, desmentem, uma vez que continuamos a assistir «ao dramático crescimento do número de pessoas que sofrem a fome». O escândalo persiste em diversos países e não deixa de ter acuidade entre nós. A vida digna para todos continua a ser uma miragem e torna-se imperioso reconhecer, sem camuflar, a realidade e encontrar respostas adequadas. Ouçamos, por isso, o grito alucinante de muitos vizinhos que continuam a viver sem o indispensável.

A liturgia, no seu ritmo anual, reserva-nos momentos que interpelam as consciências. O Advento e o Natal obrigam a reconhecer a fraternidade e agir dum modo consequente. Recordo os Apóstolos a “ver” a fome da multidão e esperar que Jesus encontre uma solução. Só que esta acontece solicitando-lhes o seu trabalho e estimulando a sua generosidade. O pouco que possuíam foi sufi ciente para saciar.

Neste contexto de sombras, que a realidade portuguesa manifesta, o cristão tem de acolher a ordem de Cristo: «Dai-lhes vós de comer» (Lc 9, 13). A tentação está em alhear-se ou esperar que a solução venha de outro lado. Mas, o dramatismo das situações não pode esperar. Urge operar com o que se tem e acreditar que a dignidade pode regressar para muitos com o pouco de cada um.

«Dai-lhes vós de comer» àqueles vizinhos que, na vergonha, não ousam pedir; aos que perderam o emprego e não conseguem enfrentar as exigências familiares; aos pedintes e sem-abrigo que não conhecemos mas que necessitam do calor de um afecto ou de algo para enganar o estômago.

«Dai-lhes vós de comer» é solicitado às comunidades para que estruturem grupos capazes de reconhecer as necessidades e, em conjunto, descortinar soluções de solidariedade efectiva. O rosto duma comunidade cristã é o amor criativo que sabe que pode e deve dar sentido a muitas vidas.

Esta responsabilidade, individual e comunitária, só é possível na medida em que a coragem de mudar de estilo de vida acontece. Não podemos fechar-nos no nosso bem-estar.

Para muitos ainda acontece o uso exagerado de bens, aos quais se apegam como imprescindíveis. Só a renúncia consciente ao supérfluo permite a partilha e esta realiza milagres desde que efectiva e organizada. Pode parecer pouco. O renunciado para dar torna-se um sinal que questiona quem vive na opulência, esquecendo ou desprezando os necessitados. O amor inquieta e incomoda e diz, no silêncio do testemunho, que a sociedade nunca será humana se persistirem as desigualdades e as carências do essencial.

O próximo ano será considerado como Ano Europeu da Pobreza e Exclusão Social. Há fome de pão e de amor. Dêmos de comer a quem tem fome. Invistamos no amor. «O amor é possível, e nós somos capazes de o praticar, porque somos criados à imagem de Deus. Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo» (DCE 39) é a proposta que faço para que valha a pena celebrar o Natal.

Braga, 2 de Dezembro de 2009

D. Jorge Ortiga

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