Malta: Papa encerra viagem com mensagem em defesa dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo

Francisco diz que tragédias no mar mostram «naufrágio de civilização»

Foto: Vatican Media

Hal Far, Malta, 03 abr 2022 (Ecclesia) – O Papa encerrou hoje a sua viagem de dois dias a Malta com uma mensagem em defesa dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo, rezando pelos que “arriscam a vida no mar à procura de esperança”.

“Nestes anos, a experiência do naufrágio foi vivida por milhares de homens, mulheres e crianças no Mediterrâneo. E, infelizmente, revelou-se trágica para muitos deles”, disse, no Centro para Migrantes “João XXIII Peace Lab”, em Hal Far.

Francisco aludiu ao naufrágio que aconteceu na última noite, na costa da Líbia, com apenas quatro sobreviventes e pelo menos 90 mortos, rezando por todas vítimas.

“Rezemos para sermos salvos de outro naufrágio que se consuma ao mesmo tempo que acontecem estes factos: é o naufrágio da civilização, que ameaça não só os refugiados, mas todos nós”, advertiu.

O discurso quis dar voz “ao apelo sufocado de milhões de migrantes cujos direitos fundamentais são violados, até às vezes, infelizmente, com a cumplicidade das autoridades competentes”.

Num encontro com cerca de 200 pessoas acolhidas pela instituição, sobretudo da Somália, Eritreia e Sudão, o Papa defendeu que é precisou acolher “com humanidade” cada ser humano, tratando-o pelo que é e não como mais um “número”.

“No lugar daquela pessoa numa barcaça ou no mar, que vejo na televisão ou numa fotografia, no lugar dela poderia estar eu, o meu filho ou a minha filha”, referiu.

Francisco começou por visitar um dos alojamentos do centro, conde cumprimentou os moradores, antes de ouvir as intervenções do padre Dionísio Mintoff, fundador do ‘Laboratório da Paz’ e dois migrantes acolhidos na instituição, Daniel Jude Oukeguale, nigeriano, e Siriman Coulibaly.

O Papa agradeceu pelos testemunhos dos migrantes, “porta-vozes de tantos irmãos e irmãs, obrigados a deixar a pátria para procurar um refúgio seguro”, atrás do “sonho da liberdade e da democracia”.

“Desde o dia em que fui a Lampedusa [primeira viagem do pontificado, em 2013], nunca mais vos esqueci. Trago-vos sempre no coração e estais sempre presente nas minhas orações”, confessou.

A intervenção conclusiva da visita a Malta evocou o drama de “milhares e milhares de pessoas” que fogem da violência e da miséria, como acontece agora na Ucrânia, bem como “as histórias de muitos outros homens e mulheres que, à procura dum lugar seguro, tiveram de deixar a própria casa e nação na Ásia, na África e nas Américas; penso no Rohingya”.

O Papa destacou que esta é uma separação que deixa “marcas” e só pode ser superada quando se encontram “pessoas acolhedoras que saibam ouvir, compreender, acompanhar”.

Francisco pediu que os centros de acolhimento de refugiados sejam “lugares de humanidade”, para que estas pessoas possam, no futuro, ser “testemunhas e animadores de acolhimento e fraternidade”.

“Vós não sois números, mas pessoas de carne e osso, rostos, sonhos por vezes destroçados”, insistiu.

Após a sua intervenção, traduzida para inglês, o Papa quis acender uma vela, diante da imagem da Virgem Maria, acompanhado por alguns dos migrantes do centro, proferindo uma oração.

Senhor Deus, criador do universo, fonte de liberdade e paz, de amor e fraternidade,

Vós criastes-nos à vossa imagem e infundistes em todos nós o vosso sopro vital, para nos fazer participantes do vosso ser em comunhão.

Mesmo quando quebramos a vossa aliança, Vós não nos abandonastes ao poder da morte mas, na vossa misericórdia infinita, sempre nos chamastes para regressar a Vós e viver como vossos filhos.

Infundi em nós o vosso Santo Espírito e dai-nos um coração novo, capaz de escutar o clamor, muitas vezes silencioso, dos nossos irmãos e irmãs que perderam o calor do lar e da pátria.

Fazei que possamos dar-lhes esperança com olhares e gestos de humanidade. Fazei de nós instrumentos de paz e de amor fraterno concreto. Livrai-nos dos medos e preconceitos, para assumirmos como nossos os seus sofrimentos e lutar juntos contra a injustiça; para que cresça um mundo onde cada pessoa seja respeitada na sua dignidade inviolável aquela que Vós, Pai, colocastes em nós e o vosso Filho consagrou para sempre.

Amen.

(Papa Francisco)

A viagem a Malta teve como mote ‘Trataram-nos com rara humanidade’, uma passagem dos Atos dos Apóstolos relativa ao naufrágio do Apóstolo Paulo nesta ilha, no ano 60.

Em 2021, quase dois mil migrantes desapareceram ou afogaram-se no Mediterrâneo – um aumento face aos 1401 em 2020, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações.

Daniel Jude Oukeguale – de quem o Papa recebeu um quadro que retrata o seu naufrágio no Mediterrâneo – falou da sua jornada através do deserto até à Líbia, com tentativas falhadas de atravessar o mar, trabalho escravo, exploração de contrabandistas e detenções.

“Às vezes desejava ter morrido. Perguntava-me se toda esta jornada tinha sido um erro, por que motivo homens como nós nos tratavam como criminosos, não como irmãos”, relatou.

Francisco deixou dois presentes ao centro e assinou um solidéu, como recordação da sua passagem pelo local.

A questão dos refugiados e migrantes, tanto no Mediterrâneo como da guerra na Ucrânia, foram temas centrais na viagem do Papa a Malta, a 36ª visita apostólica do seu pontificado.

Após este encontro, Francisco desloca-se de carro ao Aeroporto Internacional de Malta para a cerimónia de despedida; a chegada a Roma está prevista para as 19h40 (menos uma em Lisboa).

OC

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Agência ECCLESIA

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