Maior crise económica e social das últimas décadas

Graça Franco, Directora de informação da RR

Portugal vive a maior crise económica e social das últimas décadas. E não é verdade que na sua génese esteja essencialmente uma crise internacional perante a qual pouco ou nada podíamos fazer. Nas próximas semanas não é sequer certo que consigamos fugir ao pedido de ajuda internacional.

De qualquer modo, este é o momento para fazer exame de consciência colectivo com um forte propósito de emenda de vida. É inútil pensar que o faremos sozinhos ou uns contra os outros. Ou nos mobilizamos todos para uma acção comum, dispondo-nos a escutar e aprender até dos adversários ou, em democracia, talvez já não tenhamos uma segunda oportunidade. Os totalitarismos os populismos e os anarquismos espreitam. E todos eles proliferam com o caos. É mentira que 48 anos nos tenham vacinado.

Bem antes de se desencadear a violenta crise internacional era já claro que a aparente consolidação das contas nacionais não passava disso: uma cosmética pouco séria e pouco sólida acompanhada de um despesismo galopante e compulsivo de uma máquina estatal gigantesca. Pior, a gestão do sector estava enxameada de agentes políticos focados nos interesses próprios de curto prazo e arredados da mais vaga noção de interesse nacional na gestão da coisa pública. E como se isto não bastasse tornava-se já evidente a debilidade estrutural da economia para estimular o crescimento com criação de emprego.

 

Na campanha eleitoral de 2009 à esquerda e à direita foram muitas as vozes independentes que chamaram a atenção para a necessidade de conter, enquanto ainda era tempo, o rolo compressor da dívida (pública e externa), alertando para a necessidade de pôr travão aos planos megalómanos dos grandes investimentos públicos devoradores do pouco crédito ainda disponível para a economia. Não as quisemos ouvir.

A máquina de propaganda governamental conseguiu, com inegável sucesso e profissionalismo, fazer da mentira um sonho que o povo preferiu escutar como o canto da sereia em alternativa ao apelo à mudança de vida. Para cúmulo o ano eleitoral custou ainda novos dislates (da redução do IVA ao aumento da função pública em valor superior ao da inflação …).

 

Sócrates recebeu do povo um segundo mandato e se do primeiro ainda se salvaram os dois anos iniciais de forte pendor reformista, desta vez em menos de quinze dias já tinha caído a máscara. Ao défice orçamental e ao défice externo os últimos seis anos de Governo somaram o mais alarmante dos défices: o défice de verdade e de ética na gestão da coisa pública.

Multiplicaram-se os indícios de corrupção, compadrio e nepotismo. Ora, sem ética e transparência não há concorrência. E sem concorrência não há mercado. E sem mercado nem regulação não há economia que resista. O autismo do Banco de Portugal no início da crise e a recente passividade da Autoridade da Concorrência custaram-nos muito caro.

 

A recusa do último PEC por uma coligação negativa na Assembleia da Republica desembocou no pedido de demissão do Governo. Caímos na emergência política que nos faltava e foram penosos os treze dias de inacção presidencial que mediaram entre o pré-anúncio da crise e o respectivo desfecho na véspera da Cimeira de todos os riscos. Confirmou-se haver uma espécie de pulsão suicida nacional.

Acresce que, depois das correcções exigidas por Bruxelas, afinal o défice de 2010 deverá ficar muito próximo dos 8,5 % do PIB. Isto quando o Governo se comprometera a não ultrapassar os 7,3 por cento (e depois de ter absorvido uma receita extraordinária de mais de dois mil milhões de euros do Fundo de Pensões da PT).

Como é possível tal coisa? Simples. As contas das empresas públicas transportadoras cujas receitas próprias se ficam bem aquém dos 50 por cento são obrigatoriamente incluídas nas contas do Estado e não podem continuar como até aqui fora das contas públicas. Ao disparo do défice soma-se o disparo da dívida pública (que vai ficar já este ano acima dos 90 por cento).

 

Falta ainda falar da tenaz da divida externa, a que se soma a forte dependência nacional dos mercados exteriores agravada pela alta dependência energética (com o petróleo a saltar, com a crise do Médio Oriente, para uns previstos 107 dólares por barril contra os 82 do último orçamento!).

Acresce a perigosa crise social traduzida num disparo da taxa de desemprego para mais de 11 por cento fazendo que o balanço da promessa eleitoral de 2005 (criação de mais 150 mil postos de trabalho) se tenha traduzido numa fatídica criação de mais 180 mil novos desempregados. E cresceu também, de forma exponencial, a precariedade do emprego. Hoje 55 por cento do emprego abaixo dos 24 anos é precário.

 

Aos cristãos convirá não esquecer a imagem do Papa este fim-de-semana, de capacete, em solidariedade com os trabalhadores precários de todo o mundo. Por cá será um erro ignorar a força dos 200 mil na rua pretensamente “à rasca” e contra a precariedade. Vale a pena lembrá-los na hora de aceitar, ou recusar, inevitabilidades e soluções desumanizadas e estritamente economicistas que as vozes liberais (e pior do que elas as neo-liberais!) se apressarão a vender-nos como imposição directa, ou indirecta, dos “credores nacionais” (sejam ou não expressamente o FMI).

 

Nos últimos dias , como Mário Soares no DN, Maria João Rodrigues, no i , e João Carlos Espada no Público (a quem roubei a ideia inicial deste texto) foram muitas as vozes a apelar ao bom senso e à VERDADE, e a uma cidadania activa e não resignada, vale a pena por uma vez ouvi-las. Se não for agora não nos poderemos queixar de já não ir a tempo.

Graça Franco, Directora de informação da RR

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