LUSOFONIAS – Não há guerras justas…

Tony Neves, em Roma

Esta guerra na Ucrânia vira-nos as tripas do avesso. Porque nem é a primeira e, provavelmente, não será a última. Mas começa como todas e os efeitos são quase sempre os mesmos: mortes, feridos, deslocados, destruições, fome, abusos, oportunismos, tráficos de toda a espécie, economias desfeitas e…os culpados são sempre os outros! Infelizmente, para tragédia de muitos (e lucros de uns poucos), a história parece dar poucas lições, não aprendemos quase nada do passado e levamos muito pouco para o futuro.

Não me venham com conversas do tipo ‘esta guerra é justa’ ou ‘dar esta resposta militar é fazer a guerra justa’, porque este conceito antigo já caducou. O jesuíta Francisco Mota, publicou no ‘Ponto SJ’ de 9 de março o provocante artigo ‘três notas sobre a guerra’. Cita as três condições que, no séc. V, S. Agostinho apresentava para uma guerra justa: a causa tem de ser ela própria justa; a intenção tem de ser recta; a autoridade que sanciona a intervenção tem que ter legitimidade para a fazer’. Ora, nem com critérios do séc. V, quando as armas eram as que eram, uma guerra actual podia ser justa! Mas o P. Francisco Mota acrescenta novos desenvolvimentos: ‘o uso da força só pode ter lugar como intervenção de último recurso; tem de haver probabilidade de sucesso na intervenção a ter início’. Ora, mais uma vez, não há razões para fazer guerra hoje! Mas temos de ir mais longe e mais fundo: S. Agostinho não acha que o pior da guerra sejam as mortes, dores e destruições provocadas, mas muito mais que isso: ‘a possibilidade de se ganhar amor à violência, de se ficar apegado ao poder’ – diz ainda Francisco Mota, para quem a guerra nunca é nem nunca será uma resposta!

O papa Francisco tem sido, desde a primeira hora do seu pontificado, muito claro sobre estes temas. Mas pego só na Fratelli Tutti onde volta a falar da ‘terceira guerra mundial por pedaços’ (nº25). Diz no fim que ‘cada morte violenta diminui-nos como pessoas. A violência gera mais violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte. Temos de quebrar esta corrente que aparece como inelutável’ (FT 227). Garante: ‘Jesus Cristo nunca convidou a fomentar a violência e a intolerância’ (238). Diz: ‘a guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática do meio ambiente’ (257). Garante: ‘toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal’. Quando a resposta actual, de todos os quadrantes do mundo é aumentar o orçamento em gastos militares, o Papa insiste: ‘com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo mundial para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas e enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura de uma vida mais digna’ (262).

Olhemos aos sinais do Papa. Muito antes de começar a guerra na Ucrânia, já apelava a um diálogo que impedisse o início dos combates. Logo que a guerra arrancou, ele foi até à embaixada russa pedir o calar das armas e oferecer a Igreja como mediadora. Continuou a apelar ao cessar fogo e à protecção das populações, repetindo: ‘Calem-se as armas! Quem faz a guerra esquece a humanidade’! Lançou um dia de jejum e oração (a quarta-feira de cinzas) pela paz na Ucrânia. Mais recentemente, mandou dois dos seus cardeais mais influentes à Ucrânia e países vizinhos para mostrar a proximidade afectiva e efectiva do papa e da Igreja católica às pessoas vítimas da guerra. Com estes cardeais seguiu muita ajuda humanitária…

Em resumo, o mundo não aprende lições da história. Estive há 30 anos debaixo de uma guerra idêntica às que estão hoje a sofrer as pessoas que se encontram dentro das cidades bombardeadas. Devo confessar que, no Huambo e no Kuito (foto), não ficou nenhuma casa intacta e, quase todas, ficaram parcialmente ou totalmente destruídas, impossíveis de ser habitadas. Muitas pessoas morreram, outras ficaram feridas e milhares conseguiram fugir para as matas. Os hospitais, escolas e Igrejas foram bombardeados, derrubando aquela tese ingénua segundo a qual as tropas atacam só alvos militares. Concluí por experiência própria que a guerra é a mais frontal violação dos direitos humanos. Desde que se comece, não há mais nada a fazer, nem se pode pedir nada aos militares que, atirados para linhas da frente, fazem o dramático jogo do ‘ou mato ou morro’.

Dialoguemos. Não temos alternativa humana. É urgente um cessar fogo. Acolhamos de braços abertos os refugiados. Mandemos para as linhas da frente ajuda humanitária. Rezemos. Esta guerra pode parar a qualquer momento. E, para bem de todos, devia parar já. Ou melhor, nem sequer devia ter começado!

Duas notas finais: a Europa está a abrir portas e janelas a quem foge da Ucrânia (tão bom), quando ergueu e ergue muros a quem foge doutras guerras e tragédias (tão mau)! Acabo de ler um artigo a recordar que há mais guerras e violência para além da Ucrânia: Burkina Faso, Líbia, Mali, Moçambique, Nigéria, R. Centro-Africana, R. D. Congo, Somália, Sudão, Sudão do Sul, Daguestão, Chechênia, Síria, Afeganistão, Mianmar, Filipinas, Paquistão, Tailândia, Iraque, Israel e Palestina, Iémen, Etiópia.

Se nenhuma destas guerras nasceu justa, também não faz sentido responder com guerra à guerra. Só o diálogo é ponte para a paz.

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