LUSOFONIAS – ‘Missionário’ das Ilhas da Morabeza

Tony Neves, na Praia

Quando se chega à Praia e se fala do Padre Campos é difícil encontrar alguém que encolha os ombros e pergunte: ‘quem é?’. De facto, este missionário espiritano, chegado em 1954, nunca mais daqui saiu. Desculpem que estou a ser impreciso: ele foi duas vezes a Portugal, sendo a última nos inícios dos anos 80 para uma rápida cirurgia! De resto, a sua vida missionária só tem uma terra: Cabo Verde, circulando entre as Ilhas de Santiago, Maio e Boavista!

Do alto dos seus 94 anos, fascina pela sua sabedoria e simpatia, sempre de sorriso aberto e com uma enorme disponibilidade para se sentar e partilhar, com simplicidade, uma vida missionária cheia de compromisso e peripécias.

A aventura da sua vida começou em Joane, Famalicão, sua terra natal em Portugal, a 15 de Agosto de 1927. Entraria em 1939 no Seminário Espiritano de Godim, na Régua, quando a 2ª Grande Guerra Mundial estava a ainda a disparar os primeiros tiros. Conta que foi de comboio e encontrou 85 crianças como ele. Dali passaria ao Seminário de Fraião, em Braga, seguindo depois para o Noviciado na Silva, em Barcelos. Após a Profissão Religiosa, prosseguiu estudos de Filosofia e Teologia em Viana do Castelo, rumando a Lisboa para integrar o primeiro grupo a estudar no Seminário da Torre da Aguilha, em Cascais, ainda antes da sua inauguração. Aqui concluiria a Teologia, sendo ordenado Padre em 1953. E – conta ele com emoção – pediu para ser missionário em África. Pensava ser enviado para Angola (como acontecia com quase todos), mas foi nomeado para Cabo Verde onde chegou em 1954.

Encontrou um povo pobre, simples e muito amável naquele domingo em que o navio Ana Mafalda o deixou na Praia, com o P. António Cachada, após 9 dias de mar, com paragens em Leixões, Funchal e Mindelo. Naquele tempo, Cabo Verde era composto por Ilhas isoladas e muito esquecidas, sendo o seu bom povo vítima de secas frequentes, o que agravava muito as dificuldades das populações, sempre tentadas a fazer-se ao mar e partir para a diáspora.

O Superior dos Espiritanos em Cabo Verde era o P. Rego que, logo no porto, apontou o futuro missionário destes espiritanos recem-chegados:  um iria para o Tarrafal e outro para S. Catarina. O P. Campos partiria, logo no dia seguinte para o Tarrafal, num tempo em que os caminhos que lá levavam eram péssimos e, por isso, arriscados. Confessa que foram anos difíceis, mas felizes e desafiantes, naquela parte da Ilha onde estava o Campo do Tarrafal para presos políticos. Conta que foi também nomeado responsável pela Ilha do Maio. Numa das viagens, o barco andou à deriva e demorou três dias a atracar. É bom saber que hoje a viagem da Praia ao Maio faz-se em 15 minutos de voo… Gostava tanto de estar no Maio, a ponto de se ‘esquecer’ de ir para o porto no dia e hora aprazados para regressar à Praia, perdendo o barco várias vezes!

A moto era a sua paixão. Até aos 80 e tal anos era de motorizada que se deslocava, na cidade e no interior da Ilha. Mas também se fazia acompanhar da sua moto quando ia ao Maio ou à Ilha da Boavista, registando no seu curriculum várias quedas, todas elas sem grandes consequências. Esta Ilha que hoje investiu muito no turismo, foi a mais pobre de todas, pois é praticamente um deserto. Nos tempos duros da seca, o P. Campos aceitou ir para lá, onde confessa ter vivido 5 anos de bela e intensa missão.

A sua paixão por este povo exprime-se bem na caridade que é a sua imagem de marca. Muitos lhe chamam o ‘padre santo’. Gastou milhares de horas a peregrinar pelos gabinetes e instituições do governo à procura de documentos para pessoas que deles necessitavam e não sabiam como os conseguir. Também percorreu quilómetros e partilhar bens de primeira necessidade com famílias pobres que foi identificando ao longo da vida.

Recebeu condecorações dos governos de Portugal e Cabo Verde, mas não sabe onde elas andam. Os últimos anos foram vividos como pároco da Cidade Velha, estando agora na casa Principal dos Espiritanos, na Praia, continuando a sair ao encontro dos mais pobres, mesmo neste tempo de pandemia.

O seu sorriso e a alegria com que partilha a sua vida missionária são inspiração. Fala o crioulo na perfeição e conhece como ninguém a história desta terra e destas gentes. E ama e é amado pelo povo a quem foi enviado. Aqui quer morrer e ser sepultado. Elogia a morabeza deste bom povo nesta terra onde se sente filho e sempre em casa.

 

 

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Agência ECCLESIA

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