LUSOFONIAS – Missão pós-pandemia

Tony Neves, em Roma

Este covid está a funcionar como um filtro, uma peneira. Os tempos de confinamento foram de decantação. Estes dias seguintes à passagem furiosa do vírus obrigam-nos a avaliar o que faz sentido continuar a fazer, o que é preciso mudar de rumo, o que é urgente inventar de novo. Nesta era de hiperglobalização, há enormes fragilidades e interdependências. Estamos todos debaixo da mesma tempestade (o Papa Francisco repetiu, vezes sem conta, que estamos todos no mesmo barco), mas há quem seja mais vítima e sofra mais as consequências desta pandemia.  Concluímos que, sozinhos valemos e podemos pouco. Estes tempos críticos também ajudam a encostar à parede governos corruptos e ditatoriais, pois não têm os seus países preparados para dar uma resposta adequada.

O Cardeal Tolentino Mendonça escreveu que ‘a pandemia nos devolve a consciência do limite, ao mesmo tempo que nos obriga a reflectir sobre as formas de habitar o mundo a que podemos voltar’. Devemos, sobretudo, fazer perguntas. Chegamos a esta crise porque ‘globalizamos a economia e a comunicação, sem prestar atenção às forças e fraquezas do globo terrestre’, ‘habituamo-nos a uma visão utilitarista da realidade’, ‘queremos sempre mais, sempre mais depressa, sem aceitar falhas’. Mas, ‘ a pandemia coloca-nos numa ‘encruzilhada civilizacional’. E o Cardeal Poeta recorda: ‘a normalidade não é um conhecido lugar a que se volta, mas uma construção onde somos chamados a empenhar-nos’.

No meio de tudo isto, que teve e tem a Igreja a dizer ao mundo? Como explica este tipo de acontecimentos trágicos? Qual o lugar de Deus e da Espiritualidade em contextos de pandemia? As Igrejas fecharam as portas, mas Deus e a Fé dos crentes foram e continuarão a ser decisivos em todos os momentos da história. Nestes, particularmente.

Com a globalização rápida da pandemia, uma figura mundial emergiu aos olhos de todos: o Papa Francisco. As suas decisões e intervenções marcaram o mundo nesses tempos de dor e crise profundas. E, particularmente, as suas palavras e gestos simbólicos, carimbando um longo percurso de intervenção papal.

A Igreja Católica esteve sempre na vanguarda da luta contra o vírus, no combate aos seus efeitos mais dramáticos (a sua disseminação e a fome e miséria que provocou nos mais frágeis das nossas sociedades) e, claro está, no anúncio do Evangelho. A figura do Papa foi central em todo este ‘combate’, mas as Dioceses, os Institutos de Vida Consagrada, as Instituições Sociais, os Movimentos, as Paróquias… desempenharam e desempenham um papel decisivo em tudo quanto diz respeito a uma cidadania responsável e à (re)construção de um mundo justo e fraterno.

Quero, ainda em jeito provocador, regressar a um outro texto do Cardeal Tolentino, nascido neste confinamento de Roma. É uma reflexão cheia de perguntas que atiram já para um tempo pós-covid: ‘o processo gerado pelo vírus(…) motivou-nos a compreender que estamos no mesmo barco e que só há futuro na implementação de outros modelos de existência colectiva?’. Será que ‘quando reabrirmos as fronteiras passaremos a uma nova etapa da globalização?’. Pegando nas questões quentes da ecologia integral, o Cardeal Tolentino questiona: ‘deixaremos de considerar a terra um objeto para ser ilimitadamente explorado? (…) Compreenderemos finalmente que tudo está interligado, como insistiu o papa Francisco na Laudato Si (LS 16)?’. Ao pensar na vida familiar, social e profissional pos-covid, perguntou: ‘Reencontraremos outros ritmos que não os da ditadura da vida frenética (aprendendo a desacelerar) e outros sabores que nutram também a alma (reaprendendo a cultivar a nossa humanidade)? ’. E, mais adiante, bate num ponto nevrálgico da situação pré-covid: afinal, quem é mais importante para a vida no planeta? Serão os que ganham milhões nas especulações financeiras, nas bolsas e negócios, no desporto de alta competição? A pergunta do Cardeal vai noutra direção: ‘saberemos cuidar dos médicos, enfermeiros e cuidadores que tiveram a experiência directa deste trauma? ’. Finalmente – e, para mim, a questão decisiva: ‘triunfará uma visão mais integradora da vida, que compreenda a importância de valores como o dom, a gratuitidade e a partilha e nos capacite, por exemplo, para uma síntese mais equilibrada entre pessoa e comunidade, entre vida material e vida espiritual? ’.

Sem responder bem a estas questões, iremos regressar a um passado que nos trouxe até aqui. Precisamos, ao contrário, de nos dirigir rumo a um futuro de mais justiça, paz, fraternidade e progresso integral.

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