LUSOFONIAS – Cidadãos pelo clima

Tony Neves, em Roma

A França avançou à frente de todos e foram tirados à sorte os nomes de 150 cidadãos (de todas as regiões, entre 16 e 80 anos, com diversas habilitações e profissões) que, durante nove meses, deveriam apresentar propostas concretas sobre como reduzir, até 2030, 40% das emissões de gás de efeito de estufa. Ou seja, esta Convenção de Cidadãos pelo Clima é um projecto para ter resultados em dez anos. E mais: tinha-se que se garantir um espírito de justiça social.

Ora, o sorteio foi feito, os cidadãos escolhidos aceitaram-se pôr-se ao trabalho, numa lógica de democracia participativa. Certamente que leram muito, conversaram com muita gente e, de tempos a tempos, reuniam-se todos em edifícios do Conselho Económico, Social e Ambiental. Os resultados deste processo foram apresentados a 21 de junho: 150 propostas espalhadas pelas longas 600 páginas do Relatório Final entregue à Ministra da transição ecológica e solidária, após sessão conclusiva, de 19 a 21 de junho, em Paris. ‘Mudar em profundidade a sociedade’ é o que aparece espelhado no texto que propõe uma espécie de ‘casamento’ entre a urgência climática e a urgência social.

Nunca é possível agradar a gregos e troianos num assunto tão delicado e tão complexo como este.  Não se trata de uma questão fácil de resolver porque se o fosse já há muito o mundo tinha encontrado uma solução. É tudo muito complexo e, sobretudo, este tema ambiental mexe com poderes instalados e muito dinheiro. A ideia de não fazer mais do mesmo agradou-me. Habitualmente recorre-se aos deputados e seus assessores, aos cientistas, aos ambientalistas da praça, aos empresários dos sectores envolvidos…e os resultados aparecem gravados nas conclusões de Cimeiras que se repetem, de tantos em tantos anos, gravam-se muitas boas intenções, mas parece que tudo fica na mesma, pois os interesses falam quase sempre mais alto que as pessoas e os seus direitos. As Cimeiras do Clima têm produzido textos excelentes que deviam transitar para leis dos governos, mas a verdade é que tudo vai encravando à medida que mudam os presidentes. O caso mais típico e actual é o abandono das decisões tomadas em Paris para o combate às alterações climáticas que Donald Trump parou, decidindo voltar atrás nas decisões sobre práticas ecológicas nos EUA. E não é o único a faze-lo…

O consenso que estes 150 cidadãos franceses conseguiram é ambicioso. Talvez ingénuo nalgumas da centena e meia de propostas agora tornadas públicas. Foi chumbada na votação final a proposta de redução do tempo e trabalho para apenas 28h por semana e foi apenas aprovada por uma pequena maioria a redução da velocidade nas auto-estradas para 110km/h. Também não foi calma a votação sobre a exigência de melhorar as construções das casas, reduzindo gastos em energias poluentes. Mais simples foi aprovar a redução do uso de carros individuais e do consumo de carne, uma maior aposta na educação ambiental e na agroecologia, mais reciclagem e reutilização dos bens, a redução da publicidade de incitamento ao consumo, a limitação do transporte aéreo, a taxação das empresas que dão mais lucros

Estes 150 cidadãos propõem mesmo um referêndum par alterar a Constituição, dando relevo à questão ambiental (no preâmbulo e artigo 1º) e criando a figura jurídica do crime do ‘ecocídio’, para condenar os atentados contra a natureza. Difícil foi apontar caminhos realistas para o financiamento destas medidas que terá que passar por mais impostos sobre fortunas e transações financeiras. E terá que ser o governo a pôr em prática estas propostas, sob vigilância destes 150 cidadãos. O desafio é ser capaz de assumir este novo modelo de sociedade, não deixando o governo escolher apenas as menos ambiciosas. Alguns movimentos ecologistas consideram as propostas pouco corajosas, fugindo das mais polémicas.

Recordemos que, a 7 de maio, o jornal ‘Le Monde’ publicou os ‘100 Princípios para um Mundo Novo’ e 200 artistas lançaram um vivo ‘Não ao regresso ao Normal’. Tudo nesta perspetiva de viver com mais justiça e num ambiente de ecologia integral.

Que lições dá a França ao resto do mundo? Muitas, porque foi pioneira neste formato e esta iniciativa pode ser replicada. Estes 150 cidadãos franceses confessam que viveram uma verdadeira tomada de consciência da urgência climática. As propostas, noutros países, poderão não ser as mesmas, mas o envolvimento da sociedade civil, no seu todo, parece-me decisivo para a procura de saídas ecológicas que salvem o planeta, pois esta é uma questão de vida ou de morte. Há que rever os modos de vida, consumo, produção, trabalho, deslocação, alojamento e alimentação. Aguardemos no que isto vai dar lá e não cruzemos hoje os braços, pois estamos já numa corrida contra o tempo e – como canta Pedro Abrunhosa – ‘amanhã é sempre tarde demais’!

 

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